Desmoronamento em obras do metrô: “Doria e Secretaria dos Transportes não podem agir para preservar a Acciona”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 04/02/2022
Foto: Reprodução
Na terça, 1, um grave acidente nas obras da linha 6 do metrô causou o desmoronamento de uma parte da pista local da Marginal Tietê. A linha, que chegou a ter entrega prevista para 2014, chegou a ficar com a construção paralisada após rescisão do contrato do governo com o Consórcio Move SP em 2018. Uma obra que, de acordo com delações da Operação Lava Jato, foi uma fonte de propina para as gestões Kassab e Alckmin e deverá consumir uma quantidade ainda maior que os R$ 15 bilhões já entregues pelo Estado ao Consórcio Move SP para garantir os reparos do trecho destruído. Sobre isso, entrevistamos Camila Lisboa, do Sindicato dos Metroviários de SP, que, por razões trabalhistas, estão em estado de greve. Na conversa, ela reitera as críticas ao modelo privatista, que sempre trata de reduzir custos produtivos e operacionais, e alega que isso já acontece na operação das recém-privatizadas linhas 8 e 9 da CPTM, com pequenos incidentes já registrados.
“Sob a lógica privada sempre prevalece a redução de custo, de equipamento, rapidez na entrega da obra, a fim de se usá-la política e eleitoralmente... Eles sabem que existe um atraso muito grande, os moradores da Brasilândia fazem um movimento de luta pelo metrô, na qual denunciam a paralisia das obras há 4 anos e, agora que estamos em eleitoral, tentam acelerar”, explicou.
Além de explicar os motivos que levam os trabalhadores do metrô ao atual estado de greve, a metroviária questiona o modelo de concessão das linhas, no qual o Estado é financiador de toda a obra mas não fiscaliza o processo de construção e ainda prioriza o consórcio privado na hora de distribuir o dinheiro arrecadado com a venda de passagens. Por fim, também destaca o histórico de acidentes nas obras tocadas por consórcios privados.
“Chamam de Parceria Público Privada (PPP), mas só um lado se favorece. O Estado entra com todo o dinheiro, como nos contratos das linhas 4 e 5, nos quais se prevê que o Estado protege as empresas de qualquer prejuízo. Nesse modelo, cria-se uma câmara de compensação para onde vai o dinheiro das passagens. E a prioridade da distribuição desse dinheiro começa pela linha 4, privada. Pelo contrato, por 30 anos, não há risco de a CCR ter prejuízo, porque o Estado se compromete a cobrir, em qualquer circunstância. É uma privatização só dos lucros, pois os custos ficam com o Estado”.
A entrevista completa com Camila Lisboa pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como os metroviários receberam o impacto do deslizamento de terra que abriu enorme cratera no subsolo, destruindo uma das pistas locais da Marginal Tietê? Já é possível tirar algumas conclusões sobre as responsabilidades?
Camila Lisboa: Foi um susto grande, uma tragédia enorme. Os trabalhadores que têm mais conhecimento de como são as obras, que têm até a experiência de 2007, ao tomarem conhecimento do que aconteceu e da existência de um duto da Sabesp a 3 metros de distância do “tatuzão” (maquinário que perfura o solo ao mesmo tempo em que molda túneis por onde andarão os passageiros), fica muito claro que houve um erro grave de engenharia.
Um projeto desta envergadura exige que se olhe toda a planta da região. O duto da Sabesp foi inaugurado em 2020, mas o projeto é antigo. No processo de concepção e elaboração da obra era possível prever isso, e que seria arriscado passar o tatuzão tão perto da adutora.
Os trabalhadores que têm experiência neste aspecto perceberam de cara o grave problema de engenharia. Os demais ficaram assustados e indignados, diante do risco que foi colocado aos trabalhadores da obra e também a quem passava pela pista da Marginal Tietê.
O Sindicato dos Metroviários, desde que começaram as concessões das linhas, denuncia e critica esse modelo de negócio, onde o Estado coloca todo o dinheiro público na obra, mas o retorno é totalmente privado. Sob a lógica privada sempre prevalece a redução de custo, de equipamento, rapidez na entrega da obra, a fim de se usá-la política e eleitoralmente... Eles sabem que existe um atraso muito grande, os moradores da Brasilândia fazem um movimento de luta pelo metrô, na qual denunciam a paralisia das obras há 4 anos e, agora que estamos em eleitoral, tentam acelerar.
Portanto, toda a lógica aqui exposta gera condições para tais tragédias. A ideia de privatização gera todas essas condições. E a obra não tem nenhuma fiscalização estatal. Apesar de todo o conhecimento da empresa estatal que inaugurou o metrô, ela não acompanhava essas obras de perto.
Correio da Cidadania: Qual o impacto econômico do acontecido? Irá atrasar de forma significativa as obras? De onde sairá o dinheiro para reparar tamanho dano?
Camila Lisboa: Os impactos são políticos, econômicos e sociais. Exigimos que a Acciona seja cobrada, inclusive por imprensa e poder público, que por enquanto é o único cobrado, através de governo, Secretaria dos Transportes. Obviamente isso tem de acontecer, mas também é uma maneira de preservar a empresa espanhola e o consórcio Move SP, que ganhou a licitação pra operar a linha 6.
Claro que Doria e a Secretaria devem ser cobrados, mas eles não podem atuar para preservar a responsabilidade da empresa privada. Até porque foram 15 bilhões de reais em recursos públicos para depois, quando o serviço estiver disponível à população, a apropriação de lucros ser privada. Tem todo um impacto político, econômico e social.
Por fim, o acidente vai atrasar mais ainda a entrega de estações, que já chegaram a estar previstas para 2014. Agora vai atrasar mais ainda. Quem paga é a população que precisa do metrô.
Defendemos que se construam as estações, claro. É um meio de transporte rápido, de alta capacidade, muito adequado a uma metrópole como São Paulo. Mas infelizmente o poder publicação público usa da necessidade por interesses privados e deixa por último a população. Não fosse assim, a população da zona norte, da Brasilândia, que demora 1 hora e meia para chegar ao centro, já poderia estar a usufruir disso.
Correio da Cidadania: No mesmo dia desse impactante acontecimento, os metroviários entraram em estado de greve, por ora adiada. O que levou a categoria a fazer isso?
Camila Lisboa: Trata-se de conflitos trabalhistas internos ao metrô, relativos ao cumprimento de algumas medidas da última campanha salarial, inclusive por determinações judiciais. Particularmente se refere à distribuição da PLR, a respeito da qual apresenta-se uma proposta de valores muito altos para as chefias e muito baixo para os da linha de frente, que se expuseram durante toda a pandemia. Existe um sentimento de indignação muito grande sobre a proposta. Na assembleia de ontem adiamos a greve para dia 8 para dar mais tempo de lutar pela melhoria da proposta.
Correio da Cidadania: O que vocês comentam das privatizações em curso nos transportes sobre trilhos?
Camila Lisboa: É um processo de muitos anos e que tem dois cursos: um processo interno, com terceirizações de diversas funções, algo muito avançado dentro da empresa pública Metrô. Temos lutado contra isso, mas tem acontecido, é uma epidemia. E tem o processo externo, que é a privatização, como a venda da linha 5 lilás ou as novas linhas que já nascem privadas, como a linha 4 e as que estão sendo construídas.
Chamam de PPP, mas só um lado se favorece. O Estado entra com todo o dinheiro, como nos contratos das linhas 4 e 5, nos quais se prevê que o Estado protege as empresas de qualquer prejuízo. Nesse modelo, cria-se uma câmara de compensação para onde vai o dinheiro das passagens. E a prioridade da distribuição desse dinheiro começa pela linha 4, privada. Pelo contrato, por 30 anos, não há risco de a CCR ter prejuízo, porque o Estado se compromete a cobrir, em qualquer circunstância. É uma privatização só dos lucros, pois os custos ficam com o Estado. E nisso as partes públicas do serviço vão recebendo menos. O Metrô não recebe nada, a CPTM recebe, mas é a última da fila...
Mas tem o problema de o transporte ser necessidade e direito social, previsto na Constituição e obrigação do Estado. As pessoas têm direito de se locomover numa cidade do tamanho de São Paulo. É plenamente razoável que o Estado seja responsável e invista nisso. É investimento com retorno social, que faz as pessoas circularem pela cidade, por lazer, estudo, trabalho, procura por emprego.
Correio da Cidadania: Ou seja, o Estado é fiador de uma espécie de capitalismo sem risco. O ente privado ganha ou ganha. Se perder, aparece dinheiro público pra cobrir.
Camila Lisboa: Sim. E outro argumento privatista é que nas áreas onde o Estado pode ser exonerado da reponsabilidade pode haver privatização. Não existe isso. O Estado não pode ser exonerado dessa responsabilidade em contexto algum.
Por fim, colocamos em questão a própria forma de concessão. O Estado coloca dinheiro nas empresas privadas. No ano passado, o Estado deu o que se chamou de indenização para a CCR de 1 bilhão de reais e um mês depois a CCR venceu o leilão de concessão das linhas 8 e 9 da CPTM. E nos primeiros dias de operação já houve um monte de acidentes. Culpa dos trabalhadores? Não, é que o projeto de gestão que visa lucro coloca em risco a qualidade do serviço, a segurança do usurário, tensiona aumentar passagens... E essa lógica tira dinheiro da parte pública do serviço, que depende de arrecadação, o que induz novos aumentos. Quem paga? O passageiro, o usuário.
Isso sem falar em ataques a direitos trabalhistas e de organização, muito piores sob a lógica privada. Existe uma ditadura nas empresas privadas. Representamos os trabalhadores das linhas 4 e 5 e sabemos de gente que no mínimo contato com o sindicato já foi demitida pela CCR.
Portanto, as privatizações têm impacto nos investimentos do Estado, que financia de um lado e entrega a receita de outro, tem impacto em segurança do trabalho, nas relações trabalhistas, enfim, são muitos problemas.
A mídia não divulga os problemas da linha 6, muito menos traz um debate das concessões, lógica que já causou muitos acidentes. Vale destacar que as linhas 1, 2 e 3 foram feitas há mais 40 anos, com muito menos tecnologia e não registraram acidentes. Nas formas de concessão, como nas linhas 4, monotrilho e agora, temos acidentes bem graves no histórico.
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.