Correio da Cidadania

Petrobrás: fechemos as nossas portas

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No dia 14/02/08, a sociedade brasileira tomou conhecimento de mais um grave incidente no Sistema Petrobrás. Os órgãos de imprensa noticiaram o furto de quatro computadores portáteis e dois discos rígidos, nos quais estavam gravadas informações estratégicas da Petrobrás. As informações furtadas são relativas às recentes descobertas na promissora área do Pré-Sal – uma das mais importantes descobertas petrolíferas no mundo. No mesmo dia 14/02, a Petrobrás esclareceu: "Em relação a informações veiculadas esta manhã pelo site Terra sobre furto de informações confidenciais da Petrobrás, a Companhia tem a informar o seguinte: houve um furto de equipamentos e materiais que continham informações importantes para a Companhia, em instalações de empresa que presta serviços especializados para a Petrobrás. A Petrobrás tem a integralidade das informações contidas nos equipamentos e materiais furtados. O material não estava sob a guarda da Petrobrás, mas de empresa que presta serviços especializados para a Companhia. A Companhia tomou todas as providências cabíveis. O assunto está sob investigação".

 

A empresa de serviços especializados a que a Petrobrás se refere é a estadunidense Halliburton, conforme foi noticiado pela imprensa. Os equipamentos furtados estavam sob a guarda da referida multinacional. Nesse sentido recaem sobre ela suspeitas de ter cometido ou encomendado o crime. A Polícia Federal está investigando o caso.

 

A imprensa informou, ainda, que a presidência da Petrobrás, no dia 1º de fevereiro, recebeu a notícia do seu setor de segurança sobre a ocorrência de troca do cadeado do container que transportava os equipamentos furtados. O referido container foi despachado a partir das plataformas de pesquisa na bacia de Santos para a superintendência da Petrobrás em Macaé. A troca do cadeado foi feita por quem tinha a chave do outro. Surge a suspeita de que quem trocou pretendia copiar os dados e repor os equipamentos no lugar. Podem ter ocorrido problemas e não houve tempo. Mas, o pior: pode ter havido outros furtos semelhantes.

 

Diante de mais essa preocupante notícia, a diretoria da AEPET, após estudar todo o noticiário e o posicionamento da Petrobrás e demais autoridades brasileiras, enviou, no dia 18/02, carta ao presidente Lula, na qual a entidade faz uma análise das conseqüências negativas da atual Lei do Petróleo (Lei 9478/97) e propõe ao presidente da República "suspender, incondicionalmente, todas as rodadas de licitações das bacias sedimentares brasileiras, bem como enviar ao Congresso Nacional a proposta de mudança do atual marco regulatório".

 

A AEPET acredita que, se o presidente Lula tomar essa decisão de cunho estratégico, "desnorteará as concorrentes da Petrobrás e anulará os efeitos desse furto qualificado. Especialmente daquela ou daquelas que tenham tido participação na presumível espionagem industrial sofrida pela Petrobrás. É o gesto que acreditamos que o povo brasileiro espera de Vossa Excelência".

 

O governo federal, quando da descoberta dos campos Tupi e Júpiter, havia determinado a não realização das licitações na área do Pré-Sal, resguardando assim o interesse nacional, o que contrariou empresas do setor, que estavam participando dos leilões da ANP. No artigo 4º da Resolução nº. 6, do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o governo confirmou uma posição da AEPET em relação ao atual marco regulatório: urge mudar a Lei 9478/97. O CNPE determinou que o Ministério de Minas e Energia "avalie, no prazo mais curto possível, as mudanças necessárias no marco legal que contemplem um novo paradigma de exploração e produção de petróleo e gás natural, aberto pela descoberta da nova província petrolífera, respeitando os contratos em vigor". E mais: decidiu a retirada de 41 blocos do edital da 9ª Rodada de Licitações, que oferecia áreas ao redor dos campos de óleo já testados no Pré-Sal – os blocos BS-9, BS-10 e BS-11.

 

Cancelar os leilões e mudar a Lei 9478/97

 

O diretor de Comunicações da AEPET, Fernando Siqueira, disse que o ocorrido é mais um motivo para se cancelarem os leilões das bacias sedimentares brasileiras. "Com os dados sigilosos nas mãos, os interessados terão informação privilegiada para disputar os leilões promovidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e arrematar os melhores campos". Siqueira denunciou que a Lei 9478/97, aprovada durante o governo FHC, já era absurda em obrigar a Petrobrás a entregar suas pesquisas (banco de dados) à ANP, sob pena de perder a concessão de determinado bloco. "A ANP divulgou tais dados para as empresas concorrentes. Tal atitude revela a falta de decência, falta de zelo e falta de patriotismo", disse Siqueira.

 

No início de dezembro de 2007, a Petrobrás organizou um seminário interno no Hotel Glória. Durante o almoço, mesmo com auditório fechado, três computadores portáteis, contendo todas as informações dos campos Tupi e Júpiter, foram roubados.

 

Ainda sobre o processo de investigação do roubo, Siqueira analisou: "Só podemos descartar petrolíferas como BG (British Gas), a Petrogal, porque são sócias da Petrobrás nos campos, e a OGX, porque contratou um ex-diretor da Petrobrás, Paulo Mendonça, e mais quatro gerentes. A OGX está com um arquivo vivo. As outras empresas têm interesse porque é um megacampo. Os EUA e a Europa estão necessitando de petróleo, pois se aproxima o pico de produção". Ele acrescentou que, "há um ano e meio, vêm ocorrendo furtos direcionados em laptops de técnicos da Petrobrás em Macaé, o que já demonstrava interesse pelas informações contidas nos computadores portáteis".

 

"Ex-funcionário" da Halliburton está na ANP

 

O diretor de Assuntos Jurídicos da AEPET, Sydney Reis, ressaltou que as reservas mundiais de petróleo tendem a declinar e o consumo tende a crescer. Nesse sentido, uma das conseqüências é que as nações mais desenvolvidas pressionem para terem abastecimento garantido deste produto, nem que seja promovendo guerras, "convencendo" governos e políticos a abrandarem a legislação do petróleo, corrompendo onde puder e praticando a espionagem industrial. "Um exemplo no mínimo curioso aqui no Brasil foi a designação do Sr. Nelson Narciso Filho – presidente da Halliburton em Angola, que trabalhava naquele país – para ocupar uma diretoria da ANP. Segundo foi lido na imprensa, ele se proporia a acabar definitivamente com o monopólio "de fato" do petróleo no Brasil. Sua diretoria foi a responsável pela cláusula constante em edital da 8ª Rodada de Licitações no sentido de limitar a participação de concorrentes em até 8,5%, das áreas da Bacia de Santos. O objetivo era limitar a presença da Petrobrás. Esse absurdo redundou na suspensão do leilão pela Justiça".

 

Petrobrás é a primeira no mundo a atingir o Pré-Sal

 

O engenheiro e ex-vice-presidente da AEPET, Argemiro Pertence, disse que a Petrobrás é a primeira petrolífera no mundo a atingir a chamada camada do Pré-Sal, no subsolo marinho, em lâmina d'água de mais de 2000 metros, e nela encontrar promissores volumes de óleo e gás. "As informações roubadas são únicas. Ninguém jamais teve acesso a elas, em mais de 150 anos de história da indústria do petróleo. As gigantes multinacionais da área, até aqui, preferiram usar testas-de-ferro (os governos das nações ricas) para terem o controle do petróleo mais barato e mais acessível, como na região do Golfo Pérsico, na costa da África, no Mar do Norte e no sul da Ásia. Todavia, o horizonte à frente dessas empresas indica que tempos difíceis estão chegando. O consumo exacerbado e a produção predatória, para antecipar lucros, em muitos casos já fazem prever o fim da era do petróleo barato. Embora ainda haja enormes reservas, sobretudo na Arábia Saudita, Iraque, Irã, Kuwait, Venezuela e outros, as projeções de demanda indicam que, mesmo essas reservas se esgotarão num horizonte previsível, algo como 40 ou 50 anos".

 

Nesse sentido, Pertence acredita que "é apenas natural que essas empresas tenham seu interesse voltado para as novas fronteiras geológicas, nas quais o petróleo não é tão barato, mas continuará sendo lucrativo, mesmo porque quem manipula os preços são elas próprias e a sociedade humana ainda não descobriu um substituto válido para o petróleo. Não se pode falar em novas fronteiras geológicas sem mencionar a Petrobrás que, graças à competência de seu corpo técnico e a maciços investimentos em desenvolvimento de tecnologia de ponta, está anos-luz à frente das multinacionais e é líder isolada na matéria".

 

Pertence acredita que as investigações iniciais da Polícia Federal revelam a existência de falhas inaceitáveis e "infantis" demais, detectadas no processo: muita gente tinha as chaves do cadeado dos containers; havia outros computadores no container, mas os ladrões levaram justamente os que continham as informações importantes sobre os campos do pré-sal da Bacia de Santos; fica claro que alguém que conhecia o conteúdo dos equipamentos foi o autor do crime ou informou aos ladrões quais computadores deveriam ser roubados. "Portanto, esse episódio claro de espionagem industrial era perfeitamente previsível, já que é uma prática normal incorporada ao dia-a-dia do capitalismo industrial. O que não é normal, entretanto, é a falta de cuidado, preparo, critério e responsabilidade demonstradas pela Petrobrás ao permitir que informações com características tão especiais sejam transportadas num container, sob os cuidados de uma empresa que vive de vender consultoria e serviços na área de poços e reservatórios. Este episódio não pode ser jogado para baixo do tapete, como é a regra em nosso país. A sociedade exige investigação e que os dados apurados sejam tornados públicos", ressaltou Pertence.

 

Punir os culpados e mobilizar o povo

 

O secretário-geral do Sindipetro-RJ, Emanuel Cancella, também é da opinião de que o Brasil, com a descoberta da área do Pré-Sal, passou a ser "a terra do petróleo e gás". "Com certeza, as mesmas forças que, para se apossar de grandes reservas de hidrocarboneto fizeram a guerra contra o Iraque e o Afeganistão, financiaram o golpe fracassado contra Hugo Chávez e 'salvaram' o México de uma moratória levando a conta-petróleo para o banco central norte-americano, no Brasil não vão precisar dar um tiro sequer para se apossar de nosso petróleo, pois isto é feito por meio dos leilões da ANP, símbolo supremo do entreguismo e do anti-nacionalismo. Na 9ª rodada de licitações, criamos a figura do Magnata do Petróleo, com uma simples empresa de papel, Eike Batista, derrotando a Petrobrás. E mais: a peso de ouro, executivos da Petrobrás já desembarcaram e estão a serviço dos inimigos; o furto de quatro laptops e de dois discos rígidos com informações das descobertas recentes da Petrobrás deflagrou o processo. O governo Lula, quando tomou posse, disse que não haveria mais leilões da ANP. Isto foi no quinto, e já realizamos o nono leilão. Resta saber se a sociedade brasileira vai ser conivente com a entrega daquilo que a natureza nos presenteou e que representa a almejada ascensão de nosso país".

 

Cancella lembrou ainda que, graças aos leilões da ANP, metade das áreas promissoras de petróleo já está nas mãos das multinacionais. Lembrou, também, que o governo FHC, que foi quem criou a ANP e o atual marco regulatório, vendeu grande parte das ações da Petrobrás e, com isto, parte considerável dos lucros da Petrobrás já está na bolsa de Nova Iorque. "Mais que nunca, precisamos reafirmar que o ‘petróleo é nosso!’", conclamou o diretor do Sindipetro-RJ.

 

Em carta publicada pelo jornal "O Globo", o diretor de Pessoal da AEPET, Pedro Carvalho, escreveu: "O roubo de documentos sigilosos da Petrobrás relativos às áreas do Pré-Sal, onde foram descobertos os megacampos de Tupi e Júpiter, dá a quem os tiver enorme vantagem para concorrer aos leilões de bacias sedimentares que a ANP insiste em fazer. Tais dados vão permitir àqueles que os roubaram vantagens que podem ir da venda para concorrentes aos leilões, até ganhar as melhores áreas com perspectivas de sucesso. Torna-se imperativo, pois, a imediata suspensão dos leilões feitos pela ANP, de modo a neutralizar o estrago feito por este roubo. Com a suspensão dos leilões diminui-se em grande parte a vantagem de quem roubou os dados. Urge, pois, que os poderes públicos ajam de maneira enérgica no sentido de descobrir os culpados e puni-los exemplarmente".

 

Uma coisa é certa: ficou claro que foi um roubo qualificado e não um roubo comum, como querem nos fazer crer. Com certeza não foi executado ao estilo da épica dupla Butch Cassidy e Sundance Kid, que "naufragou" na Bolívia. Tudo indica que o "modus operandi" tem a ver com os indicados por John Perkins em seu bombástico livro "Confissões de um assassino econômico". Perkins coloca a CIA como outra suspeita importante, aliada que é da Halliburton e outras corporações estadunidenses. E mais: o problema não é só a constatação da existência de ladrões de informações estratégicas e valiosas da Petrobrás, fundamental para o futuro do Brasil e de seu povo. A questão é que estamos deixando as nossas portas abertas. Fechemos as portas! Olho vivo, Brasil!

 

Originalmente publicado no boletim da AEPET , nº. 345 – março de 2008.

 

José Carlos Moutinho é jornalista.

 

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