Correio da Cidadania

Lula x Bozo? Não. A luta fundamental é entre civilização e barbárie

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O gracejo de outrora sobre o Juquinha que só pensava em sexo poderia muito bem ser atualizado assim: boa parte da esquerda brasileira só pensa nas eleições.

Assim, os eternamente resignados a optarem pelo mal menor fizeram do brutal assassinato do petista Marcelo Arruda por parte do bolsonarista Jorge Guaranho um trunfo de campanha: tratava-se de aproveitar a oportunidade para jogar nas costas de Jair Bolsonaro a culpa por todo o ódio e violência irracional que grassam no país.

Evidentemente, o genocida faz política a partir do ódio e para amplificar o ódio do qual é beneficiário. Nenhuma dúvida a respeito. Mas, foi ele quem forjou esse ódio todo?

Os mais articulados (ou menos hipócritas) certamente refletem assim: precisamos derrotar o psicopata ultradireitista de qualquer jeito, então faz sentido recorrermos ao panfletarismo neste instante.

Só que tal estado de emergência (tanto quanto o inventado pelo centrão para impingir um pacote de inconstitucionalidades) não existe: o Bozo está na contramão da História e vai ser varrido de cena dentro em pouco, caso contrário haveria a explosão social que os verdadeiramente poderosos sempre trataram de evitar a todo custo. E, no capitalismo, o maior poder de fogo é sempre o deles.

O desemprego, o subemprego, a miséria e a fome estão chegando ao paroxismo e a gastança eleitoreira do celerado acarretará um agravamento acentuado da recessão atual, que tem tudo para se tornar depressão econômica em 2023.

Mais: com o mundo inteiro rejeitando o Brasil do Bozo, só um Brasil sem Bozo terá um mínimo apoio externo para atravessar o ano terrível que se prenuncia para a economia brasileira depois do pleito. E os donos do PIB sabem muito bem disto.

Aliás, os sustentáculos de aluguel desse circo de horrores ora raspam o fundo do tacho, numa sôfrega faina para agarrarem todo o dinheiro público que ainda possam embolsar antes de buscarem a sobrevivência política na arca do Lula, enquanto o Titanic do palhaço assassino estará afundando de vez.

Descartados, portanto, reeleição e golpe que de jeito nenhum ocorrerão, o que temos?

Apenas uma atualização da frase atribuída ao então governador Orestes Quércia, em 1990, que assim teria comemorado a eleição do sucessor que escolhera: "Quebramos o Banco do Estado de São Paulo, mas elegemos o Fleury [Luiz Antônio Fleury Filho]". Na versão bozística será: "Quebrei o Brasil inteiro e nem assim me reelegi".

E qual é o fulcro de minha discordância com relação ao simplismo maniqueísta que marcou esta semana?

É que, juridiquês à parte, as pessoas comuns entendem por crimes políticos aquelas ações executadas por governos e partidos ou terceirizadas para efetivos truculentos que gravitam na órbita do poder (como as milícias do Rio de Janeiro) ou do contrapoder (como o MST do tempo do Zé Rainha).

Fazia todo sentido considerar a execução de Marielle Franco um crime político, dada sua combatividade no exercício do mandato de vereadora do Rio de Janeiro e a promiscuidade entre as famigeradas milícias e o clã Bolsonaro.

Já o assassinato de Marcelo Arruda foi chocante. Foi bestial. Foi traumático. Mas foi só um exemplo de para onde marchamos com a agonia do capitalismo nos empurrando cada vez mais para a entropia. Aí o homem será mesmo o lobo do homem, como dizia Thomas Hobbes.

Fossem desinteressados em política o Arruda e o Guaranho, analisaríamos o episódio sob a ótica correta: a da luta entre a civilização e a barbárie, que é a grande batalha do século 21, aquela que decidirá se a espécie humana vai ou não sobreviver.

O ódio desembestado que brota da impotência dos seres humanos face à inexistência de uma esperança à vista quando o arcabouço econômico, político e social do capitalismo derrete em ritmo acelerado, acabará nos tragando a todos, se não conseguirmos nos unir para a busca de soluções reais.

E quem eleger Lula pensando nele como o novo salvador da pátria, estará pronto para eleger outro Bolsonaro qualquer quando ficar evidenciado que o D. Sebastião nordestino não estará trazendo a redenção, mas tão somente paliativos.

Passado o alívio de ver os loucos expelidos na direção do hospício, sobrevirá o inconformismo por se constatar que a terra prometida continuará muito, muito distante (no seu primeiro governo, Lula priorizava a satisfação do apetite pantagruélico dos grandes exploradores, banqueiros em primeiro lugar, mas ainda sobravam algumas migalhas para ele distribuir aos explorados, ahora no más...).

Resumindo: estaríamos cumprindo o nosso papel se lutássemos, acima de tudo, em nome da civilização contra a barbárie. A disputa Lula x Bozo, que reduz a política a uma briga de foice no escuro, é mero sintoma dessa regressão.

Como esperarmos, contudo, tal profundidade teórica e coerência doutrinária do PT, que desde a década de 1980 vem apostando todas as suas fichas na desideologização da política brasileira, pois é parte do sistema capitalista que agoniza e abdicou de vez da luta por sua superação?


Celso Lungaretti é jornalista e ex-preso político.
Artigo retirado do Naufrago da Utopia, o blog do autor.

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