Correio da Cidadania

Notinhas de repúdio: a tolerância velada ao presidente genocida

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Foto: Bozo em entrevista de 1999 defendeu a tortura e o assassinato da oposição. Reprodução Youtube.

Já passamos longe da fase de Bolsonaro estar exposto ao ridículo. Pelo contrário: cada espasmo e cada fala e cada coice dele expõem ao ridículo cada pessoa e cada instituição que naturalizou sua existência, a simples possibilidade de que pudéssemos caminhar nos mesmos campos políticos. Cada interlocutor e cada sisudo defensor do Estado Democrático de Direito que permitiu a chegada dele ao poder — e agora finge a enésima surpresa com as violências do presidente — é agente direto dessa gigantesca farsa coletiva.

"Agora não dá mais", balbucia Fulano. "Ele ultrapassou todos os limites", diz, protocolarmente, Beltrano.

Não dava mais antes, dez anos atrás, vinte anos atrás, seus fingidos, e vocês sabem muito bem disso. Agora agem para inglês ver, como se, retirado Bolsonaro do poder, ninguém tivesse responsabilidade pela multiplicação da cultura da morte e pelas implosões institucionais. Como se cada um desses balbucios protocolares retirasse a culpa pela omissão histórica — pela covardia.

Desnecessário enumerar os crimes cometidos por Bolsonaro desde quando era deputado, não? Bastava visitar seu gabinete. Ele não foi preso quando ameaçou deputada, quando disse que mataria 30 mil. E também não foi preso quando retirou máscara de criança e debochou dos mortos pela Covid. Por que agora sim ele estaria ultrapassando os limites? Por que nossas elites políticas querem fazer de conta que nunca estiveram do lado dele?

A única vantagem da existência desse psicopata, aliás, é mostrar ao mundo que as elites políticas e econômicas pouco se importam com esses comportamentos violentos e essas expressões bizarras, elas lidam muito bem com isso, quando convém, da mesma forma que, daqui a alguns meses, dirão que gostam mesmo é de um bom vinho com FHC ou Simone Tebet, gostam de bons modos, de respeito às instituições e qualquer outro verniz civilizatório.

Quando todos lidam bem com botinadas na cara e com mentiras, com toda essa vulgaridade. Michel Temer e José Sarney seriam menos golpistas do que Bolsonaro exatamente por quê? E o Luiz Fux? Por que o Luiz Fux e o Sérgio Moro e o Deltan Dallagnol seriam menos ridículos, porque se formaram em Direito e eventualmente não derrubam farofa nas gravatas? Ora, cada um desses senhores matou o golpismo no peito, permitiu que chegássemos a esta situação. Todos são embaixadores do cinismo.

A gente terá Lula no poder em janeiro, como melhor das hipóteses eleitorais, com todo esse passivo de implosões acumuladas ao longo de anos. Como se fosse possível governar (e combater a fome e discutir renda, emprego, modelo de desenvolvimento) a partir de estruturas destruídas não apenas por Bolsonaro, mas por toda essa gente que se sentará com Lula (ou quem quer que seja) com as mesmas moedas com as quais negociaram este tempo todo com o capitão.

São os mesmos que prenderam Lula, os mesmos que derrubaram Dilma, os mesmos que não permitiram que condenássemos cada gorila da ditadura, os mesmos que sempre permitiram a destruição da Amazônia e cada despejo, os mesmos que emitirão notas de repúdio a cada fala mais cafajeste ou a cada Novo Atentado aos Bons Modos, desde que a máquina de moer carne continue a plenos vapores, desde que não nos incomodemos de fato com o massacre diário daqueles que buscam teto e terra e comida.

Que se danem os embaixadores. Que se dane o senso estético do Merval Pereira. É o povo brasileiro que é vítima diária de violências de toda essa gente que multiplicou os clubes de tiro e agora se incomoda porque o guardanapo foi colocado do lado errado da mesa.


Alceu Castilho é jornalista e atua no De Olho Nos Ruralistas.

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