Correio da Cidadania

“A polarização é entre um capitalismo clientelista atrasado e um capitalismo clientelista que se vende como moderno”

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Lula tem 45% e Bolsonaro vai a 36%, diz pesquisa BTG/FSB
O Brasil se aproxima da eleição para presidente da República e todos os setores sociais não fascistizados aguardam ansiosamente o fim da aventura bolsonarista. No entanto, será preciso encarar uma realidade e suas possibilidades concretas de consertar a deliberada destruição socioeconômica produzida pelo capitão. Ou seja, depois da euforia de uma eventual vitória de Lula, a crueza de um cenário de devastação onde os sonhos de reformas sociais profundas e estruturais são apenas memórias de outros tempos. É sobre isso que o sociólogo e professor Marco Antonio Perruso fala nesta entrevista ao jornal grego Epohi e que o Correio da Cidadania publica.

“Lula vai enfrentar uma situação internacional muito complexa, de grande instabilidade política, econômica, ambiental e até militar. O neodesenvolvimentismo lulista vai novamente apoiar – e se apoiar – na grande burguesia brasileira (agronegócio, mineração, empreiteiras), de modo que a renda advinda desses grandes mercados, com uma suposta retomada econômica após o caótico governo Bolsonaro, permita ao Estado fazer políticas sociais para os mais pobres”, analisou.

Sobre a corrida eleitoral, Perruso critica o recuo nos atos pelo impeachment do presidente, no auge de sua perda de popularidade e até legitimidade, à época da CPI da covid, estratégia a seu ver que elucida as intenções da maior parte da esquerda em fazer a luta política apenas pela via institucional. Isso, em sua visão, deu tempo de reação ao presidente, que, mesmo diante de tamanhos crimes, conseguiu se manter vivo no cenário ao copiar o receituário assistencial de Lula.

“Bolsonaro combina duas estratégias, desde o ano passado: uma agitação política de sua própria base social, sempre radicalizando contra o poder judiciário, ameaçando um golpe (que não tem forças para dar. De outro lado, traz uma política assistencialista que acena para fora de sua bolha e imita, de modo piorado, o que o lulismo já fez. Em ambos os casos, para desespero da velha direita neoliberal (ela mesma também adepta de ‘estelionatos eleitorais’ desde os governos FHC)”, explicou.

A entrevista completa pode ser lida a seguir.

Como você avalia o atual momento político brasileiro a cerca de três semanas das eleições de outubro?

Nos últimos meses de 2021 o lulismo desativou os atos de rua pelo impeachment de Bolsonaro e poupou o presidente genocida e negacionista (na pandemia do covid). Assim o fez pois pretende vencer a extrema-direita apenas no plano eleitoral, sem maiores mobilizações populares – o que é contraditório com o discurso do PT, o qual afirma que desde 2016 o Brasil vive um período de fechamento do regime. Parte da esquerda tentou resistir a essa opção lulista, mas a adesão do PSOL à candidatura Lula diminuiu os ânimos de combate ao bolsonarismo por parte dos movimentos sociais, além de ter motivado a saída de centenas de militantes insatisfeitos com a inflexão ideológica da maioria do PSOL (do marxismo para o velho nacional-desenvolvimentismo brasileiro).

Restou a uma esquerda combativa – que aqui elenco PSTU, PCB e UP no contexto partidário – um diminuto espaço de propaganda eleitoral com suas candidaturas presidenciais, as únicas que defendem medidas socialistas. Contudo, estes setores, junto à parte do PSOL que ainda resiste ao PT, vem conquistando importantes vitórias contra o lulismo no interior das entidades populares: no influente sindicato dos metroviários da cidade de São Paulo, no histórico sindicato dos metalúrgicos de Volta Redonda (no estado do Rio de Janeiro) e no movimento estudantil da USP (a mais importante universidade brasileira).

Quase todos, da direita liberal à esquerda moderada, aguardam estáticos as eleições, agitando apenas as redes sociais. Ocorre que Bolsonaro, com medidas econômicas oportunistas, já consegue promover uma retomada artificial da economia e diminui a inflação. Apesar de sua rejeição muito alta, pode conseguir levar a disputa eleitoral para o segundo turno.

Vemos uma tentativa de Bolsonaro está fazendo para criar agitação institucional, rumores de um possível golpe são ouvidos etc. Qual é a estratégia de Bolsonaro nessas eleições?

Bolsonaro combina duas estratégias, desde o ano passado: uma agitação política de sua própria base social, sempre radicalizando contra o poder judiciário, ameaçando um golpe (que não tem forças para dar, na verdade), de modo a controlar demagogicamente a agenda política – como é de praxe na extrema-direita mundo afora desde Trump; de outro lado, traz uma política assistencialista que acena para fora de sua bolha e imita, de modo piorado, o que o lulismo já fez (aumento de auxílios financeiros para os mais pobres e rebaixamento de preços de mercado – de combustíveis – por imposição estatal, tudo às vésperas das eleições). No primeiro caso, ele aparenta ser um populista conservador, no segundo, um populista progressista – em ambos os casos, para desespero da velha direita neoliberal (ela mesma também adepta de “estelionatos eleitorais” desde os governos FHC).

O bolsonarismo tenta, assim, se vender como autenticamente ultraliberal e reacionário, mas acaba por revelar sua natureza de mero movimento político carismático, pois seus apoiadores sempre ouviram-no criticando o Bolsa-Família e o intervencionismo econômico de Lula e Dilma – no entanto, mantêm o apoio a Bolsonaro mesmo ele copiando o receituário social e econômico mais visível dos governos do PT.

A polarização política brasileira, portanto, parecer ser entre extrema-direita e esquerda moderada, mas na verdade é apenas entre um capitalismo clientelista atrasado e um capitalismo clientelista que se apresenta como moderno (o lulismo).

Quais são as expectativas que o povo brasileiro tem de Lula? E quais são as promessas que ele faz?

Grande parte dos trabalhadores, dos mais qualificados e intelectualizados até os mais pobres, espera o retorno dos bons tempos dos governos do PT, quando a economia crescia por conta do ciclo de valorização mundial das commodities e Lula implementava um conjunto de políticas sociais apaziguadoras da imensa e histórica desigualdade social brasileira.

Assim o fazia sem atacar a riqueza dos setores mais poderosos, que lucraram como nunca no mesmo período. O lulismo em 2022 simplesmente promete repetir a mesma fórmula: o neodesenvolvimentismo petista sempre ambiciona fazer o jogo do “ninguém perde”, em que todos os grupos sociais, dos mais ricos aos mais pobres, obtém ganhos – ainda que desiguais – com o crescimento econômico.

Qual é a atitude da burguesia brasileira em relação a Lula? Ele poderia ser a escolha certa para esta fração da sociedade ou é algum tipo de ameaça aos seus interesses?

Embora o PT diga o contrário para seus apoiadores, o lulismo já está retomando seus laços de apoio econômico com grande parte da burguesia, que foi tão bem representada por seus governos, nos quais houve forte financiamento estatal a grandes empresas. Depois dos fracassos dos governos Temer e Bolsonaro, é possível, até provável, que a burguesia brasileira reassuma sua faceta progressista, depois de vestir a fantasia reacionária da extrema-direita desde 2018 – até porque Bolsonaro passou grande parte de sua gestão atacando diversos setores de grande poder econômico, a exemplo dos bancos e da mídia privada.

Ao ser solto e ter suas condenações judiciais canceladas pelo Supremo Tribunal Federal (numa decisão tão política como foi a de sua prisão), Lula voltou a ser uma opção burguesa responsável, papel inverso ao que Bolsonaro representa. O lulismo promove um terrorismo eleitoral contra todos que resistem a votar em seu líder (um candidato de rejeição eleitoral que não é baixa), tendo em vista o mal maior que sem dúvida Bolsonaro é. Mas parte da sociedade não se anima com as opções colocadas nas eleições.

Quais são os problemas mais importantes que o novo governo enfrentará?

Vai enfrentar uma situação internacional muito complexa, de grande instabilidade política, econômica, ambiental e até militar. O neodesenvolvimentismo lulista vai novamente apoiar – e se apoiar – na grande burguesia brasileira (agronegócio, mineração, empreiteiras), de modo que a renda advinda desses grandes mercados, com uma suposta retomada econômica após o caótico governo Bolsonaro, permita ao Estado fazer políticas sociais para os mais pobres.

Ocorre que esses mesmos setores – soja, pecuária, metais, construção civil – são superexploradores do trabalho, facilmente convertendo-se em reacionários em momentos de crise como foi a do governo Dilma a partir de 2014.

Cabe à esquerda, que resiste ao lulismo, produzir novas alternativas políticas, verdadeiramente socialistas, e promover um novo ciclo de lutas sociais no Brasil, para que um futuro se abra para os trabalhadores e a juventude.

Entrevista publicada no jornal grego Epohi e editada por Gabriel Brito, do Correio da Cidadania.

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