Correio da Cidadania

Política de titulação de Bolsonaro agrava problema da concentração de terras no Brasil

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Ideia é privatizar os assentamentos e acabar com as políticas de Reforma Agrária no país. Mulheres Sem Terra denunciam programa Titula Brasil e privatização dos assentamentos, em São Paulo. Foto: Comunicação MST Pontal do Paranapanema (SP)

A chamada Lei de Terras, de 18 de setembro de 1850, foi criada para regulamentar a propriedade privada no país, definindo sobre as formas de aquisição das terras devolutas. Modelo determinante para a consolidação da concentração de terras no Brasil; primeiro com as sesmarias, depois com o latifúndio improdutivo, violento e destruidor, que impede a realização de uma reforma agrária para o desenvolvimento no campo e da cidade até hoje.

Não há como discutir a Lei de Terras de 1850 sem relembrar que em seguida, 38 anos depois, o Brasil promulgou a Lei da Abolição da Escravidão, de 13 de maio de 1888, com a função de ‘libertar’ os negros da escravidão. Porém, o que não se efetivou de fato, pois até hoje na sociedade brasileira convivemos com resquícios da escravidão, que se traduz no racismo estrutural, em que jovens negros são exterminados nas periferias, mulheres negras seguem sendo as mais atingidas pela pobreza, a fome e os feminicídios, somente para citar alguns exemplos dessa herança.

Assim, quando o escravo se torna ‘liberto’ em 1888, em todo Brasil a terra já estava cativa, pois a Lei de Terras de 1850 garantiu que as terras, invadidas pelos europeus, só poderiam ser adquiridas por aqueles as pudessem comprar. O resultado disso na atualidade, é um país com uma das concentrações de terras das mais desiguais do mundo.

“Em 1850 compraram (a preço baixo, diga-se), e vários deles foram só invadindo mesmo e aguardando uma regularização. Para se manterem nas terras, compravam o silêncio do Estado, apresentando documentos falsificados, envelhecidos por excremento de grilo”, denuncia a dirigente nacional do MST, Kelli Mafort, em artigo sobre PL da grilagem de São Paulo.

Estatuto da Terra

No golpe de 1964, que instalou uma ditadura civil-militar no Brasil, a concentração de terras foi um dos planos de fundo. Após o surgimento das Ligas Camponesas no Nordeste e de vários sindicatos de trabalhadores rurais pelo país, que defendiam a realização de uma reforma agrária, essa bandeira é integrada à plataforma de governo do presidente João Goulart (1961-1964), com as chamadas reformas de base.

Porém, com a instalação da ditadura, os militares se apressaram para aprovar o Estatuto da Terra em 1964, de caráter reformista, e com a intenção de sufocar a pauta da reforma agrária. Para Mendonça e Stedile (2010), o Estatuto foi usado para estabelecer um modelo de agricultura voltado para a manutenção da grande propriedade e sua modernização no Brasil, e não representou nenhuma ameaça ao latifúndio.

Enquanto isso, a ditadura reprimiu e perseguiu os movimentos sociais populares de orientação populista e socialista, que lutavam por terra e reforma agrária, torturando e assassinando suas lideranças.

Por outro lado, o Estatuto da Terra cria a definição da função social da terra: “§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais; d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem”, informa a integra da Lei.

Assim, diante da obrigação do uso racional da terra, definido pela Lei buscou-se combater o latifúndio improdutivo. E a partir disso, a grande propriedade que não respeita a função social da terra pode ser destinada para fins de reforma agrária.

Nesse contexto, surgem vários movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores rurais, entre eles o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), criado em 1984, no estado do Paraná. O MST é resultado de uma conjuntura histórica de processos de luta pela terra dos movimentos sociais rurais no Brasil na década de 1960, bem como de uma política de expulsão dos camponeses e trabalhadores rurais do campo, principalmente na região Sul do país; criado pelo regime militar, com a mecanização da agricultura e o fortalecimento do latifúndio na década de 1970, chamada pelo regime de “Revolução Verde”.

Ocupação de terras como tática central de luta

Em 38 anos de luta pela terra, por um programa de Reforma Agrária Popular e a transformação da estrutura social, o MST mantém como tática central de sua luta a ocupação do latifúndio, que atua como instrumento de pressão para a conquista de assentamentos e a realização de um programa de reforma agrária no país.

Assim, no processo histórico de luta, o MST ocupa a terra que não cumpre a função social definida pelo Estatuto da Terra de 1964, para cobrar dos governos, que esta terra seja democratizada e destinada para as famílias camponesas e de trabalhadores rurais, que trabalham e produzem alimentos na terra para alimentar suas famílias e a população; democratizando o acesso à terra, mantida pelo latifúndio improdutivo.

Ao contrário de como, muitas vezes, o MST é mostrado à sociedade, principalmente pelos conglomerados da mídia brasileira, que em sua maioria apoiam o latifúndio e o agronegócio, o Movimento não pode ser visto como um grupo de “invasores” de terras, pois ocupa terras improdutivas que não cumprem a sua função social de produzir alimentos.

A partir da ocupação de terras improdutivas, os Sem Terra reivindicam a democratização de áreas ociosas, que não estão sendo utilizadas para a finalidade pela qual foram criadas, ou apresentam irregularidades no respeito aos direitos trabalhistas, com trabalhadores em situações análogas à escravidão, são usadas pelo tráfico de drogas e/ou contam com crimes ambientais em seu interior. Compreenda melhor porque o MST ocupa e não invade AQUI.

Porém, o governo de Bolsonaro, em mais de três anos na presidência, não criou nenhum assentamento e adotou uma política de ataque e criminalização do MST, retomando com força e vários recursos públicos o incentivo à concentração de terras no país e buscando ampliar o domínio do latifúndio improdutivo, consolidado pela Lei de Terras de 1850, com a criação do programa Titula Brasil.

O objetivo deste programa é privatizar os assentamentos e acabar com as políticas de Reforma Agrária no país, como o MST denuncia em coletiva de imprensa. Além de promover a desestruturação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), estimular o aumento da violência no campo e a destruição do meio ambiente, tentando de diversas formas sufocar a luta pela democratização da terra e fortalecer o latifúndio improdutivo no país.

Referências:
BRASIL. Lei nº 4.504. Brasília: 30 nov. de 1964.
MENDONÇA, S. R. de; STEDILE J. P. (Org.). A questão agrária no Brasil: a classe dominante agrária – natureza e comportamento 1964-1990. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

Por Solange Engelmann, na página do MST.

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