Correio da Cidadania

“Nossa principal expectativa é que o novo presidente do IBGE atue para reconstruir o órgão”

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Márcio Pochmann e Simone Tebet têm primeira reunião
Foto: Davilym Dourado/MPO/divulgação

Chamou atenção a gritaria midiática em torno da nomeação de Marcio Pochmann à presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os mesmos que ficaram em silêncio com o desmantelamento de um órgão que ficou quase incapacitado de cumprir suas funções, com nomeações políticas e demagógicas para cargos-chave, abriram um fogo inclemente em relação a um economista cuja produção intelectual tem viés nacional-desenvolvimentista. Nesta entrevista ao Correio, Bruno Perez, analista do órgão e diretor do Sindicato dos Trabalhadores do IBGE, comenta o que interessa na condução do órgão e suas contribuições à sociedade.

Sobre a nomeação de Pochmann, o servidor e sindicalista destaca que o próprio processo de nomeação poderia ser diferente. “Nosso desejo é que o presidente do IBGE seja escolhido pelos próprios trabalhadores do Instituto, em um processo democrático, da forma semelhante ao que ocorre com os reitores das universidades federais ou na Fiocruz”.

No entanto, não tem dúvidas em criticar o caráter da condenação daqueles que defendem agendas de Estado mínimo e silenciaram para o aparelhamento e destruição do órgão sob influência de Temer, Bolsonaro e Paulo Guedes. “Foram posicionamentos desrespeitosos também com próprio IBGE. O IBGE, em seus principais indicadores, adota metodologias consolidadas e referendadas internacionalmente. Tem um corpo técnico que já resistiu diversas vezes a tentativas de manipulação. Alguns comentaristas da mídia pareciam ignorar tudo isso”.

Na entrevista, Bruno Perez conta como foi observar por dentro o desmonte do órgão e o desmantelamento de sua própria metodologia de pesquisa. Além disso, lembra que as políticas de austeridade vêm pouco a pouco enfraquecendo o IBGE e seu quadro de servidores, bastante precarizado nos últimos anos. Cabe a Marcio Pochmann e ao governo de modo geral prestigiar um órgão que produz informações essenciais para a organização de políticas públicas.

“A produção do órgão já é muito extensa e, dada a tendência de queda no número de funcionários, será um desafio, por si só, manter o que já é produzido hoje. Por outro lado, a sociedade brasileira demanda cada vez mais informações e com publicação mais ágil. Em especial, a demanda de produção de mais dados sociais (em temáticas como orientação sexual, população em situação de rua, entre outras) e ambientais (dada a crise climática global)”.

Confira a entrevista completa com Bruno Perez.

Correio da Cidadania: Primeiramente, como recebeu a nomeação de Marcio Pochmann à presidência do IBGE? Que tipo de contribuição pode se esperar do economista?

Bruno Perez: A ASSIBGE se posiciona historicamente em defesa da autonomia e da gestão democrática do IBGE, de maneira que nosso desejo é que o presidente do IBGE seja escolhido pelos próprios trabalhadores do Instituto, em um processo democrático, da forma semelhante ao que ocorre com os reitores das universidades federais ou na Fiocruz. Não é o que ocorre atualmente, nem nessa nomeação, nem nas anteriores, mas é o que gostaríamos para o futuro. Por conta disso, nós não expressamos apoio (e nem rejeição) a nomes específicos.

Em relação ao Márcio Pochmann, nós já temos alguma relação, enquanto sindicato, com ele. Ele já participou, antes, de eventos nossos, de apoio ao IBGE. Mais recentemente, chegamos a nos reunir com ele ainda em 2022, após as eleições, quando ele compunha o grupo de trabalho de planejamento da equipe de transição governamental, para apresentar nossas demandas. Na época ele expressou simpatia com o que colocávamos.

Mas não tivemos ainda oportunidade de nos reunir novamente com ele, após a nomeação, para debater mais especificamente o que pretende para o IBGE. O órgão vive uma crise, em vários sentidos, especialmente do ponto de vista do quadro de pessoal efetivo, que se reduziu drasticamente nas últimas décadas. Nossa principal expectativa é que o novo presidente atue para reconstruir o órgão.

Correio da Cidadania: Como vocês observaram a polêmica midiática em torno de seu nome, com fortes censuras e críticas de setores identificados com a orientação econômica liberal?

Bruno Perez: Entendemos que a preocupação com autonomia técnica do IBGE é legítima, mas nesse caso a polêmica tinha nítido enviesamento ideológico. Os questionamentos mais estridentes partiram de setores que nada haviam falado quando Paulo Guedes nomeou para presidência do IBGE uma senhora que era amiga da filha dele, que tinha ligações com o Partido Republicano dos EUA e nenhum relacionamento prévio com o IBGE. Também não falaram nada quando um blogueiro de direita foi nomeado para coordenar a comunicação do IBGE, desalojando uma servidora de carreira.

Além disso, as críticas foram formuladas de forma bastante rebaixada, a colocar em dúvida a idoneidade de Pochmann, e até com inverdades sobre sua passagem no IPEA.

Foram posicionamentos desrespeitosos também com próprio IBGE. O IBGE, em seus principais indicadores, adota metodologias consolidadas e referendadas internacionalmente. Tem um corpo técnico que já resistiu diversas vezes a tentativas de manipulação. Alguns comentaristas da mídia pareciam ignorar tudo isso.

Correio da Cidadania: O que você pode comentar, como servidor, sobre o IBGE dos últimos anos? Como foi a condução do órgão durante a presidência de Bolsonaro?

Bruno Perez: Em primeiro lugar, o IBGE passou nesse período por um processo de redução do quadro de funcionários efetivos – perdemos 20% dos nossos efetivos quadro em quatro anos. É um processo que vem de antes, mas se acelerou nos governos Temer e Bolsonaro.

Um segundo ponto é o congelamento salarial. Hoje, 60% da força de trabalho do IBGE são trabalhadores temporários que recebem um salário mínimo por mês. São trabalhadores que estão nas ruas coletando informações para produzir indicadores estratégicos para o país, como PIB, taxa de inflação, taxa de desemprego, e recebem um salário mínimo.

No aspecto mais institucional, como já mencionei, houve nomeação de pessoas externas ao órgão, não só para a presidência, mas também para outros postos estratégicos, como diretoria de pesquisa, de informática, coordenação de comunicação.

Por fim, havia uma hostilidade pública de Bolsonaro em relação ao Instituto, da mesma forma que em relação a outros órgãos produtores de conhecimento. Por diversas vezes ele espalhou desinformação sobre metodologia de aferição do desemprego, por exemplo.

Correio da Cidadania: Como explicar o processo de produção do Censo, prejudicado pela pandemia, mas por outro lado esvaziado por decisões da alta cúpula do governo, a ponto de ter sua realização até ameaçada?

Bruno Perez: Logo no início do governo Bolsonaro, na cerimônia de posse da presidente do IBGE, Paulo Guedes indicou o desejo de reduzir o Censo Demográfico, tanto em seu escopo temático como em seu orçamento. O objetivo explícito era produzir menos informação, simplesmente. Guedes chegou a dizer que “quem pergunta muito descobre o que não quer”.

Apesar da nossa mobilização e do apoio da sociedade civil, o governo conseguiu o que queria – o orçamento foi cortado em um 1/3 e o questionário, que já estava testado e consolidado, foi alterado com uma série de improvisos.

Como podíamos esperar, a operação censitária foi duramente afetada por essas intervenções. Foram elas, somadas à falta de pessoal efetivo, que levaram a coleta, que devia ter sido feita em 3 meses, a durar quase um ano. Ainda assim, o Censo terminou com uma cobertura muito inferior à de censos anteriores.

A imprensa tende a falar muito da resistência da população em colaborar, mas isso é secundário. Nosso principal problema foi a falta de recenseadores, e faltava recenseador porque o pagamento era baixo. A verba de divulgação também foi bastante reduzida quando houve o corte de orçamento.

Em relação aos adiamentos do Censo, primeiro de 2020 para 2021, e depois de 2021 para 2022, é preciso dizer que os mesmos foram, em ambos os casos, um consenso técnico e absolutamente necessários.

Inicialmente, o governo, dentro da sua postura negacionista em relação a Covid, insistia em realizar o Censo em 2021, em pleno auge da pandemia, mas a operação acabou sendo adiada por decisão do Congresso, que retirou as verbas naquele ano. O adiamento permitiu ao IBGE se organizar um pouco melhor. Se a operação foi conturbada em 2022, é certo que teria sido ainda mais em 2021.

Correio da Cidadania: Que outras contribuições o IBGE tem a dar além do Censo? Essas possíveis contribuições explicariam a grita de quem se opôs a Pochmann?

Bruno Perez: O IBGE produz todos os meses os indicadores que guiam toda a política econômica do governo: índice de inflação, taxa de desemprego, PIB, variações da produção industrial, agrícola, do varejo, entre outras.

Na área social, o Instituto produz estatística de pobreza, distribuição de renda, analfabetismo, condições de moradia, condições de saúde, transporte, entre outros. Há também toda a produção de dados geográficos, de indicadores de meio ambiente, de uso da terra.

A produção do órgão já é muito extensa e, dada a tendência de queda no número de funcionários, será um desafio, por si só, manter o que já é produzido hoje. Por outro lado, a sociedade brasileira demanda cada vez mais informações e com publicação mais ágil. Em especial, a demanda de produção de mais dados sociais (em temáticas como orientação sexual, população em situação de rua, entre outras) e ambientais (dada a crise climática global).

Cabe lembrar que nos próximos anos o Instituto deve levar a campo mais uma edição do Censo Agropecuário, um levantamento de grande importância econômica, social e ambiental.

Gabriel Brito é jornalista, repórter do site Outra Saúde e editor do Correio da Cidadania.

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