Milícias e Estado: reflexões sobre nossa sociabilidade renovadamente violenta
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- João Vitor Santos e Patricia Fachin, IHU Online
- 06/09/2023
A violência que perpassa todas as esferas da vida social brasileira “nasce de um projeto colonizador que se perpetua, nunca foi alterado, se mantém, se aprofunda e foi calcado, desde o começo, na violência”, resume José Cláudio Alves na entrevista a seguir concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU e republicada pelo Correio da Cidadania. “Ou seja, vive-se uma realidade política na qual o Estado, que vem de Lula, passa por Bolsonaro e volta a Lula – pouco importa – mantém uma estrutura de funcionamento extremamente violenta, desigual e que não consegue incorporar as massas populares que nunca foram incorporadas à sociedade. Desde a ditadura esses grupos sociais continuam buscando sobreviver – sabe-se lá como – com políticas compensatórias, com todo tipo de bolsas, que não resolvem a estrutura de vida deles, enquanto a estrutura do crime organizado resolve”, observa.
Se na década de 1980 os movimentos sociais e a sociedade reivindicavam um Estado que atendesse aos anseios sociais, lamenta, “o ponto é que a situação não é mais tão simples, não é mais preto no branco. Existe uma grande contradição porque o Estado que financia a escola, o SUS, a segurança pública, é o Estado que negocia tudo isso com os grupos armados”.
O sociólogo critica a aproximação de políticos brasileiros com grupos milicianos, a fim de extrair benefícios políticos e eleitorais dessas relações. “Aproxima-se, faz-se um discurso e nada é resolvido – como Bolsonaro não resolveu e como acredito que Lula não resolverá porque essa estrutura permanece intocada. Ela é intocável porque dá projeção, voto e controle territorial para essas áreas como um todo e ninguém quer disputar com ela. Querem ter o apoio dela. Ou seja, estamos na mão desses grupos”, adverte.
Alves também comenta as semelhanças e diferenças entre a violência praticada no Brasil e em outros países da América Latina, como o Equador, onde há um ingresso do narcotráfico. “Inúmeros grupos, relacionados aos cartéis, que estão disputando dentro da Colômbia, entram no Equador porque o país não é só um território de passagem, ele é, a partir da sua economia, um ambiente muito bom e importante para a estrutura do narcotráfico”.
No caso brasileiro, acentua, a predominância das milícias fez com que o terror alcançasse outro patamar: “Existe um número crescente de desaparecidos. Esses casos explodiram no Rio de Janeiro e ninguém sabe o que é isso porque não existem dados nem corpos nem crimes; ninguém explica nada. Esse é o grande fenômeno. O terror alcançou outro patamar dentro destas regiões; é o que estamos assistindo agora”, informa.
No próximo dia 14 de setembro, José Cláudio Alves ministrará a videoconferência “Sociabilidade violenta e América Latina. Intersecções e organizações multidimensionais da violência”. O evento será transmitido na página eletrônica do IHU, no canal do IHU no YouTube e nas redes sociais.