Correio da Cidadania

Confissões de um golpista

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O motivo real da micareta do último dia 25, quando Jair Bolsonaro fingiu estar propondo anistia em nome da pacificação nacional e por compaixão pelos vândalos que barbarizaram a sede dos Poderes da República, em 08.01.2023, foi de imediato decifrada pelos analistas políticos minimamente perspicazes.

Como a única paz que dele provém é a paz dos cemitérios (as vítimas de sua sabotagem vacinal na pandemia aprenderam isto da pior maneira) e compaixão ele só tem por sua solerte famiglia, saltou aos olhos que estávamos presenciando apenas a súplica pessoal de um criminoso apavorado com a perspectiva da porta de uma cela se fechando com ele do lado de dentro.

O porquê da data escolhida pelo golpista amarelão para tal chororô repulsivo também já não é segredo nenhum. Como tudo se sabe nos bastidores de Brasília, Bolsonaro decerto tinha conhecimento de que a Polícia Federal estava prestes a fechar o círculo da comprovação jurídica de que era ele quem estava à frente da conspiração golpista. O que equivalia a barrar sua saída costumeira, de transferir as responsabilidades criminais para os cúmplices, atirando-os no mar para salvar-se sozinho.

Assim, na sexta-feira passada (dia 1º), apenas cinco dias depois da opera bufa na avenida Paulista, o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, passou algo entre 8 e 11 horas depondo à Polícia Federal, tendo respondido a todas as perguntas que lhe foram feitas.

Ele confirmou haver participado de uma reunião com Bolsonaro e os comandantes da Marinha (almirante Almir Garnier) e da Aeronáutica (brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Jr.) em que foi discutida uma minuta de decreto golpista preparada por Filipe Martins.

Gomes, portanto, veio ao encontro da delação do ex-ajudante da presidência Mauro Cid, a qual não deixa nenhuma dúvida sobre qual era a mão que movimentava os cordéis.

[Circula em meios bem informados que idêntica confirmação consta do depoimento de Baptista Jr.; ou seja, dois dos três comandantes militares teriam corroborado o relato de Cid. Bolsonaro pode haver tido sua escada removida e, pendurado na brocha, estar prestes a esborrachar-se no chão do presídio, daí sua iniciativa desesperada e humilhante do último dia 25.]

Gomes foi convocado para depor como testemunha e não como golpista exatamente por Cid haver garantido que ele e Baptista Jr. se opuseram à virada de mesa, ao contrário de Garnier, que a apoiou.

A partir daí, o então ministro do Exército passou a ser malvisto por conspiradores como o general Walter Braga Netto, que o qualificou de omisso, indeciso e cagão.

E, como se encontrava abalado pela morte de sua mãe (e provavelmente querendo ficar bem longe da encrenca), Gomes não participou de uma reunião seguinte, sobre a qual Mauro Cid lhe fez um relato por telefone, cuja gravação, apreendida pela PF, virou prova importante contra Bolsonaro. Eis a transcrição do início:

"Bom dia, general! Sei que o momento não é o apropriado, mas só pra atualizar o senhor. O presidente vem sendo pressionado aí por, por vários atores a tomar uma medica mais, mais radical, né? Mas ele ainda tá naquela linha do que foi discutido, que foi conversado com os comandantes, né, e com o ministro da Defesa. E ele entende as consequências do que pode acontecer. É... hoje ele, ele, ele... ele mexeu naquele decreto, né. Ele reduziu bastante. Fez algo muito mais direto, objetivo e curto, e limitado, né..."

O limitado provavelmente é uma alusão à dúvida sobre se seriam presos:

— também o ministro do STF Gilmar Mendes e o presidente do Senado Rodrigo Pacheco, como constava da minuta de Martins apreendida pela PF;

— ou apenas aquele que Bolsonaro considerava o seu maior perseguidor, o ministro do STF Alexandre de Moraes (tanto que, naquela minuta, teria riscado pessoalmente os nomes de Mendes e Pacheco, deixando só o do Xandão).

Agora a situação se inverteu e estamos prestes a ver a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar, como cantou o Vandré dos bons tempos.

Celso Lungaretti é jornalista e ex-preso político.

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