Somos resistência
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- Iáris Ramalho Cortês
- 11/03/2024
Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo
Este slogan é apropriado para um 8 de Março, data que a sociedade reflete sobre o papel da mulher no mundo. Não é por acaso que a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1975, estabeleceu o Dia Internacional da Mulher, buscando mostrar a importância que a mulher tem na sociedade e que seus direitos devem ser respeitados, de forma equânime com os dos homens.
A data também é propícia para relembrar e falar sobre nossas conquistas desde a época em que a humanidade vivia nas cavernas. A década de 70 marca o início da desmistificação da visão que a sociedade mundial tinha com relação às mulheres do Paleolítico, como passivas e submissas. Ao contrário, elas caçavam, pescavam e eram exímias artesãs e foram pioneiras na agricultura, em especial na cultura de ervas medicinais, tudo isso além dos cuidados com as crianças, os idosos e os próprios homens. Estas revelações foram possíveis desde que as mulheres se formaram pesquisadoras e antropólogas e dedicaram suas buscas aos possíveis vestígios da vida das mulheres daquela época, esforço não feito pelos homens, talvez apenas por desinteresse do tema. Assim a desmistificação desta posição da mulher ruiu e hoje podemos acreditar que as mulheres das cavernas foram pioneiras na luta pela igualdade de gênero que hoje já alcançamos.
Devemos também citar mulheres valorosas que enfrentaram a sociedade para participarem da vida pública em busca da igualdade, como Joana D’Arc, Olympe de Gouges, Virgínia Woolf, Simone de Beauvoir; Marie Curie; Coco Chanel e Frida Kahlo, sem esquecer as brasileiras Ana Neri, Carmem Miranda, Cora Coralina, Irmã Dulce, Maria Quitéria, Nise da Silveira, Tarsila do Amaral, Leila Diniz, entre tantas outras, incluindo as potiguares que se destacaram pelo pioneirismo: Clara Filipa Camarão (indígena/guerreira), Nísia Floresta Brasileira Augusta (educadora, escritora e poetisa), Auta de Souza (poetisa), Celina Guimarães Vianna (a primeira eleitora do Brasil - 1928), Alzira Soriano Teixeira (primeira prefeita - 1929), Joana Cacilda Bessa (primeira vereadora - 1928), Maria do Céu (primeira deputada estadual - 1934). Fora do Rio Grande do Norte tivemos a paulista Carlota Pereira de Queirós (primeira deputada federal e constituinte em 1934).
As conquistas alcançadas pelas mulheres são bastante empolgantes, por outro lado, vem também a vontade e necessidade de mostrar o que ainda falta para sermos, realmente, equiparadas em direitos com os homens. Assim, a luta continua e as mulheres unidas, em organizações sociais ou mesmo no Serviço Público, trabalhando de uma forma geral ou em questões específicas focadas na raça/etnia, discriminação, trabalho, saúde, homofobias entre outras.
Três temas são pungentes: o aborto, a violência contra a mulher e a educação sexista na família e na escola.
Com relação ao aborto, começo com uma frase que para mim representa a verdadeira verdade (é isso mesmo): “Não tem padre, nem pastor; delegado ou juiz que impeça uma mulher de abortar se é este o seu desejo”.
É bom olharmos um pouco para a história do aborto na sociedade: na época mais remota, o aborto era praticado pelas mulheres, de forma natural, sem culpa, sem medo e, no tempo da minha avó, era uma prática simples e entre comadres.
De uma forma imaginativa, sem buscar o lado científico, ouso dizer que, com o advento do patriarcado os homens começaram a perceber que eram as mulheres que decidiam sobre a composição da família. Perceberam também que quanto maior a prole, maior o poder. Assim, começaram a querer controlar o útero da mulher para que elas parissem o máximo possível para aumentar a família e assim aumentar o seu poder.
Os setores religiosos, a princípio, defendem a vida desde a concepção, tendo, entretanto, em alguma época, afirmado que o início da vida era a partir dos 120 dias de gerado. No início do cristianismo, a Igreja via o aborto como uma prova contra o casamento monogâmico.
Pelo olhar da justiça brasileira, nosso Código Penal diz que o aborto é crime, quando provocado pela gestante ou com seu consentimento (Art. 124), com pena de detenção, de um a três anos. Quando é provocado por terceiro (Art. 125), sem o consentimento da gestante a pena é reclusão, de três a dez anos. E se o aborto é provocado com o consentimento da gestante (Art. 126), a pena é de reclusão, de um a quatro anos. Esta pena é também aplicada se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Mesa: procuradora da República e professora de direito da Universidade de Brasília (UnB), Ela Wiecko de Castilho; defensora pública do Distrito Federal, Dulcielly Nóbrega de Almeida; representante do Consórcio de ONGs Feministas pela Lei Maria da Penha, Iáris Ramalho Cortês; representante do Consórcio de ONGs Feministas pela Lei Maria da Penha, Rubia Abs Cruz. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado - 2018
Temos ainda a forma qualificada (Art. 127) se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave. Nestes casos as penas são duplicadas e se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte são aumentadas de um terço.
O nosso Código estabelece que não se pune o aborto praticado por médico: (Art. 128) se não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal - Aborto necessário e Aborto no caso de gravidez resultante de estupro.
Um terceiro motivo para a não punibilidade da prática do aborto foi estabelecido pelo Superior Tribunal Federal – STF, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, em abril de 2012, quando deu liberdade à gestante decidir se interrompe a gravidez caso seja constatada, por meio de laudo médico, a anencefalia do feto - condição caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana.
O segundo tema que proponho é a violência contra a mulher. Por mais campanhas que sejam feitas, por mais legislações que sejam promulgadas, a violência contra a mulher persiste, em especial a violência doméstica.
A Lei 11.340/2006 seria fundamental para, se não a eliminação, pelo menos a diminuição deste tipo de violência, mas a vontade política não é suficiente para implantar os serviços apontados na Lei.
A legislação penal brasileira qualifica e penaliza este tipo de crime e o coloca na categoria de crime hediondo, como feminicídio, com penas de até 30 anos.
Pelas estatísticas oficiais, como a divulgada pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), em 25 de novembro de 2023, a violência contra a mulher no Brasil aumentou nos últimos anos.
Só uma educação não sexista poderá fazer com que os homens se coloquem na posição das mulheres e esta educação deve ter início na família, quando mãe e pai dão o exemplo de uma divisão de trabalhos domésticos equitativos, sem aquele apelo de “ajuda” e sim de participação efetiva. O estímulo a brincadeiras que não coloquem as meninas com as bonecas ou fogões e panelas e os meninos com as bolas ou carrinhos também ajuda.
Esta educação deve se estender na escola, onde professoras e professores também respeitem essa proposta não sexista.
Ser mulher não é viver em um mar de rosas com água de lavanda. Ser mulher é ser resiliente.
Barra do Rio – Extremoz/RN, 7 de março de 2024
Iáris Ramalho Cortês, Advogada, Feminista, Artesã e integrante do Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria.
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