Lula precisa demarcar terras indígenas
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- Roberto Liebgott e Ivan Cesar Cima
- 17/04/2024
Terceiro dia de atividade do 19º Acampamento Terra Livre (ATL) realizado entre os dias 24 e 28 de abril de 2023. Foto: Verônica Holanda/Cimi
Roberto Antônio Liebgott e Ivan Cesar Cima
Havia sobre o governo Lula III uma enorme expectativa em relação à garantia dos direitos indígenas. Os povos, os aliados da causa, organismos nacionais e internacionais, instituições das mais diferentes denominações vinculadas aos direitos humanos, confiavam nas boas intenções anunciadas – antes e durante a posse.
Como prometido, foi criado o Ministério dos Povos Indígenas e apresentou-se uma série de acordos para a composição da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), com lideranças indígenas ou pessoas de sua confiança, para, finalmente, executar políticas que atendessem às necessidades e aos direitos, há tantas décadas negados.
Pois bem, o tempo avança muito apressadamente e os caminhos se fecham densamente. Não se vislumbram alterações significativas no cotidiano das vidas indígenas. As terras, tão desejadas, sonhadas, ancestralizadas, rezadas e cuidadas, permanecem no limbo, à espera por demarcações. E as áreas demarcadas continuam, abusadamente, invadidas, deterioradas e consumidas pelos mercadores do ouro, do boi, da soja, da madeira, dos minérios, das barragens, do carbono e das inúmeras outras formas de esbulho e destruição.
É necessário superar a fase das promessas
E para piorar o drama da espera, as dores não cessam. Matam, agridem, ameaçam e segue-se a desassistência como marca estampada nos corpos e territórios. Em Roraima, o drama da invasão de garimpeiros persiste e eles continuam devastando e assassinando. As realidades de fome, desnutrição, malária e tuberculose são uma constante. Em Mato Grosso do Sul, permanece o drama de comunidades vivendo em minúsculos pedaços de terra, ou à beira de rodovias. E não vemos, no âmbito do governo federal, iniciativas no sentido de mudar essa realidade, assumindo que os povos têm direitos constitucionais e estes não podem ser relativizados ou negociados. Ou seja, é necessário superar a fase das promessas, das boas intenções, dos sorrisos e dos discursos para estrangeiro ver.
O presidente Lula, por exemplo, em discurso proferido aos ruralistas de Mato Grosso do Sul, onde também estava o governador Riedel, disse que é preciso recuperar a dignidade dos Guarani que vivem na beira da estrada – lá perto de Dourados – mendigando terra, direito e liberdade. E para dar uma solução a esse problema, o presidente propôs ao governador Riedel que entre eles se faça uma sociedade. Pediu ao governador que ele encontre fazendas que possam ser compradas e que ele, Lula, pagaria por elas e as destinaria aos indígenas.
Com esse discurso, Lula se coloca como alguém com posses ou poder para, de forma solidária, recuperar a dignidade daquela gente Guarani. O “nobre gesto” se concretizaria mediante uma sociedade com os ruralistas que governam Mato Grosso do Sul.
O presidente da República parece não entender que direitos não são negociáveis
Esse filme já passou outras vezes. Essas falas – falaciosas – já ocorreram entre os de cima da pirâmide. Mas nunca houve a tal compra de fazendas e não retiraram os Guarani da beira de estradas. Ao contrário, deixam morrer, assim como morreu a líder Damiana, do Apikay.
O presidente da República parece não entender que direitos não são negociáveis, não são comprados. Ele não entende, ou sequer sabe o que significa terra, território, tekó e tekohá para os Guarani. Ele acredita mesmo que os discursos entre os ricos e poderosos trarão uma solução aos Guarani e aos demais povos indígenas?
Presidente Lula, as comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul reivindicam terras ancestrais, terras onde seus antepassados estão enterrados. E não abrem mão delas. Presidente, as comunidades indígenas requerem ínfimas parcelas de terras naquele estado, assim como em outras unidades da federação. E, Vossa Excelência não é ingênuo, sabe que não há, da parte dos ruralistas, nenhuma intenção em ver as comunidades nos seus territórios demarcados.
Precisamos criticar, devemos protestar e dizer que esses arranjos com a bancada ruralista matam
Presidente Lula, lembremos o que disse Eliseu Guarani-Kaiowá: “No Mato Grosso do Sul, o boi vale mais que uma criança indígena, o pé de soja vale mais que o pé de cedro”. E, ainda, lembremos também do seu recado dado anos atrás: “Se eles não nos deixam sonhar, a gente também não os deixa dormir”.
No fundo, o presidente sabe, ou pelo menos deveria saber, que a proposta de compra de terras dá sustentação aos fundamentos da Lei 14.701/2023 – do marco temporal e da exploração indiscriminada das terras indígenas. Ele sabe que esse discurso será lido como um sinal aos ruralistas para pressionarem os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que não se apressem em julgar as ações que pedem a inconstitucionalidade da lei.
Precisamos também nós, apoiadores e apoiadoras da causa indígena, incidir, sem cessar, junto ao STF para que julgue a lei genocida do marco temporal. E precisamos criticar, devemos protestar e dizer que esses arranjos com a bancada ruralista matam, assim como mataram a líder Damiana que vivia na beira da estrada, perto de Dourados.
Que o STF tome para si, outra vez, o dever de solucionar a discussão jurídica relativa ao marco temporal, e declare a inconstitucionalidade da Lei 14.701
Devemos lembrar e enfatizar que os ministros da Suprema Corte do país julgaram como inconstitucional a tese do marco temporal. Que eles, numa ampla maioria, deram legitimidade ao indigenato – sustentando os argumentos de que os povos indígenas, primeiros habitantes destas terras, são originários, portanto, os direitos deles a terra e ao seu usufruto devem ser apenas declarados (Art. 231 da Constituição Federal de 1988), porque são pré-existentes, ou seja, existiam antes dos colonizadores chegarem com suas espadas, cruzes, doenças e ambição.
Urge, portanto, que o Supremo Tribunal Federal tome para si, outra vez, o dever de solucionar a discussão jurídica relativa ao marco temporal, declarando a inconstitucionalidade da Lei 14.701, dando à administração pública a segurança necessária para exercer seus serviços e a garantia aos povos indígenas de que poderão continuar sendo amparados pela Constituição, sem subterfúgios ou falsas soluções compensatórias aos seus direitos fundamentais.
Roberto Liebgott e Ivan Cesar Cima são membros do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.
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