Correio da Cidadania

A tragédia no Sul e a mobilização popular pela sobrevivência

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resgate - Gustavo Ghisleni/AFP - Gustavo Ghisleni/AFP
Preste atenção no seguinte: toda a tragédia que estamos assistindo no Rio Grande do Sul e todas as tragédias e eventos climáticos extremos que estamos enfrentando mundo afora estão ocorrendo em um contexto de aumento médio da temperatura do planeta de 1,5ºC em relação à média de 1850 a 1900 (1).

Agora acrescente a seguinte informação: James Hansen e outros dos maiores climatologistas do planeta afirmam que já é impossível evitar que a temperatura média ultrapasse a marca dos 2ºC (2).

Isso significa que tudo o que está ocorrendo até agora é apenas o início, provavelmente uma transição para um mundo mais hostil. Ainda é possível evitar o pior, mas não é mais possível evitar uma duríssima travessia.

Para conter o aquecimento em 2ºC precisaríamos limitar os Gases de Efeito Estufa na atmosfera a 400 partículas por milhão (ppm) de metros cúbicos de carbono. Já ultrapassamos 420 ppm! E os planos de investimentos das corporações e dos estados indicam que as emissões vão continuar a subir nas próximas décadas.

Para retornarmos a uma atmosfera “segura” precisamos que a concentração de GEEs desça a 350 ppm (3). Um desafio e tanto!

Qual o papel dos socialistas neste momento?

Tentando ser realistas, podemos esperar o seguinte:

Considerando que vivemos o colapso das condições ambientais de reprodução do modo de produção capitalista;

Considerando que a manutenção da taxa de lucro do capital exige cada vez mais, e não menos, exploração da força de trabalho e da natureza;

Considerando que aparentemente não há no horizonte a expectativa de superação do capitalismo:

Podemos concluir que, mantidas as tendências atuais, seguiremos avançando em direção ao colapso ambiental até o limite da capacidade de funcionamento da economia de mercado e dos Estados nacionais, ameaçando a sobrevivência da humanidade e de inúmeras outras espécies.

Portanto, a classe trabalhadora precisa entrar em campo com seu próprio programa e auto-organização e alterar as tendências atuais. “É preciso arrancar alegrias ao futuro! (4)”, disse o poeta. É preciso arrancar o futuro da tristeza, talvez dissesse hoje.

Na minha coluna anterior, Programa da Classe Trabalhadora pela Sobrevivência: um debate necessário, tratei da importância do debate programático. Agora, gostaria de falar um pouco sobre a auto-organização.

Se consideramos que o capitalismo é insustentável, “[…] se ainda resta alternativa, ela exige, de maneira incontornável, a radical subversão da lógica do capital e de todo o ordenamento social que a ela corresponde” (5), citando novamente Eduardo Sá Barreto em O Capital na Estufa.

Precisamos sobreviver aos desafios de hoje, aos maiores desafios de amanhã, e quem sabe em algumas décadas poderemos falar seriamente em reconstrução.
O capital e as instituições que o sustentam e legitimam são e continuarão a ser incapazes de agir contra a necessidade de crescimento permanente da economia, inerente a este modo de produção, e contra a necessidade, para manter as taxas de lucro, de intensificar a exploração da natureza e da força de trabalho.

Caberá à Classe Trabalhadora e seus aliados historicamente oprimidos fazer o básico para enfrentarmos os desafios do futuro: contrariar os interesses da burguesia.

Não só dos bilionários, mas os interesses de todos os proprietários do capital de maneira geral, pois para vencermos o colapso ambiental todas as decisões sobre a utilização das forças produtivas precisam estar submetidas a este desafio. Não podemos mais permitir que essas decisões tenham como objetivo aumentar o capital de seus proprietários.

Tarefa difícil, impossível dirão muitos, mas impossível neste momento é falharmos e ainda assim sobrevivermos, ou pelo menos termos uma vida que valha a pena viver.

Não há condições para realizar esta estratégia neste momento? Verdade, mas ela é tão imprescindível que deve orientar todas as nossas movimentações táticas. “[…] a tática deve estar subordinada à estratégia. A pergunta que estrutura a tática não pode ser ‘O que eu posso (ou tenho que) fazer hoje?’. A pergunta que estrutura a tática tem que ser ‘O que posso (ou tenho que) fazer hoje a serviço da estratégia?’” (6).

No momento em que escrevo esta coluna, é possível observar inúmeros exemplos de auto-organização popular para responder ao sofrimento que se abateu sobre a população do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Auto-organização para efetuar resgates, recolher doações, cuidar dos atingidos. Precisamos apoiar estas ações e ir além.

Ordem do Dia dos socialistas: a mobilização popular pela sobrevivência!

Em cada local de trabalho, estudo e moradia, na esfera das direções dos sindicatos e movimentos sociais, construir comitês, comissões, grupos de trabalho etc., com o objetivo de organizar a luta pela sobrevivência. Sobrevivência hoje, para os atingidos pelos desastres tanto “naturais” quanto econômicos. Sobrevivência amanhã, no confronto com o capital pela superação deste modo de produção que a natureza já condenou à destruição.

A história é imprevisível e, por mais difíceis que sejam as tarefas, a necessidade de sobreviver costuma impor reviravoltas inesperadas. Precisamos sobreviver. Para sobreviver, precisamos derrotar o capital e suas instituições. Mãos à obra!

Referências

1. https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2024/02/10/pela-1a-vez-aquecimento-anual-bate-marca-dos-15-oc-e-o-que-isso-significa.ghtml 
2. HANSEN, James et al. How We Know that Global Warming is Accelerating and that the Goal of the Paris Agreement is Dead https://www.columbia.edu/~jeh1/mailings/2023/Acceleration.2023.11.10.pdf  
3. https://350.org/pt/about-page/science-page/ 
4. “A Sierguéi Iessiênin”, Vladimir Maiakovski.
5. BARRETO, Eduardo Sá. O Capital na Estufa: para a crítica da economia das mudanças climáticas. Ed. Consequência, 2018.
6. BARRETO, Eduardo Sá. Ecologia Marxista para Pessoas Sem Tempo. Usina Editorial, 2022.


Renato Cinco é sociólogo e ex-vereador pelo PSOL-RJ.
Fonte: Contrapoder.

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