Correio da Cidadania

Tragédia intelectual e ideológica é anterior e agrava a catástrofe ambiental no RS

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Não há dúvidas de que o Rio Grande do Sul precisará ser reconstruído. O inventário da devastação ainda está por ser feito, sobretudo porque ainda não baixaram todas as águas e centenas de milhares de pessoas continuam longe de casa. Os professores de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS estimam investimentos da ordem dos R$ 150 bilhões nos próximos anos.

“Quando pensamos nesses números grandes pensamos em ‘gasto’; sim é verdade, são gastos, e temos de pensar como financiar esse gasto. Mas o que esse gasto cria ali adiante? Pode criar uma infraestrutura melhor, mais moderna e resiliente, empresas mais eficientes, capacidade logística melhor, que podem garantir no futuro que a economia cresça mais”, explica André Moreira Cunha, professor e pesquisador da UFRGS, em entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

A projeção do pesquisador é muito mais robusta do que foi até agora anunciado pelo governo gaúcho, com uma visão de curto prazo e com uma mentalidade de “tapa buraco”. “Se ficarmos na ‘operação tapa buraco’, o que o governo tem sinalizado pelos números estimados, pela falta de uma reação estratégica e contundente, até agora, continuaremos vulneráveis. No Vale do Taquari, as estruturas foram reconstruídas com esse tipo de ‘operação tapa buraco’ e o que aconteceu pouco mais de seis meses depois? Tudo foi destruído de novo”, recorda.

A falta de visão estratégica e vulnerabilidade do RS não é mero acaso, mas resulta de uma incapacidade de planejamento de longo prazo ocasionado com o desmonte de estruturas de inteligência fundamentais. “O Estado tinha uma capacidade para isso e desmontou, que eram as fundações, como a Fundação de Economia e Estatística – FEE e outras, e desmontou por razões ideológicas. Boa parte dos servidores seguem trabalhando no Estado, só que desviados desta missão nobre de serem centros de excelência para pensarem aspectos do Estado”, ressalta Cunha. “Não faltam recursos humanos qualificados, mas falta visão de futuro e liderança política; isso tem de vir dos atores políticos”, complementa.

Embora o desafio dos recursos financeiros não seja pequeno, quando observamos os vultuosos valores destinados à amortização de juros do agronegócio, percebemos que a questão não é financeira, mas política. “Se olharmos os subsídios do governo federal, que são chamados de gastos tributários, eles são da ordem de 5% do PIB brasileiro, o que equivale a mais de R$ 500 bilhões por ano e o maior beneficiário individualmente é o agronegócio, por meio do subsídio de juros”, demonstra o entrevistado.

Quanto ao futuro, por outro lado, cabe à sociedade fazer sua escolha. Dobra-se a aposta e segue-se confiando no discurso negacionista ou se encara o novo regime climático global em sua complexidade. “Não sabemos qual vai ser a crise do amanhã. Mas sabemos que temos de ter alguma instituição dentro do Estado que não fique no dia a dia da gestão para apagar incêndios. Essas pessoas vão estar permanentemente articuladas, analisando os vetores de risco, verificando oportunidades, para quando ocorrer uma crise, saber mobilizar”, frisa o pesquisador.