Em defesa da vida
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- Gilvan Rocha
- 03/06/2008
Está em andamento a discussão sobre o aborto. Infelizmente, ela não transcorre de modo honesto. Criam-se movimentos que levantam a bandeira de defesa da vida, insinuando, maldosamente, que quem se coloca pela legalização do aborto estaria atentando contra a existência humana. Ora, ninguém em sã consciência poderia se colocar contra a vida.
Em princípio, somos todos contra o aborto, como somos contrários à amputação de uma perna ou de um braço. A questão, portanto, não é dividir a opinião pública em duas grandes correntes: os que são a favor da vida e os que atentam contra ela. Esse dilema é falso, é desonesto e não seria, a rigor, tão cristão, pois escamoteia a verdade.
Quando se defende o aborto assistido, pretende-se evitar a hipocrisia e defender a vida de milhares de mulheres pobres que, por várias razões, são levadas a esse extremo. Legalizar o aborto é evitar a carnificina que se pratica diuturnamente contra a mulher desprovida de recursos, quando são submetidas a incursões nada profissionais dos charlatães do ofício. É, sim, uma atitude humanitária que se quer levar a cabo, superando a hipocrisia reinante por conta de uma cultura que, há milênios, está a serviço do atraso, do obscurantismo e da injustiça social.
Caso, na verdade, esses senhores e piedosas senhoras, que se arvoram defensores da vida, quisessem realmente lutar por ela, deveriam cerrar fileiras na luta explícita contra o capitalismo, esse, sim, destruidor de vidas.
Mas como o problema é esse, nenhum protesto, nenhum murmúrio. Aliás, a nossa milenar cultura se omite diante da questão maior e desvia as atenções para os efeitos, escamoteando as causas e investindo na salvação de suas almas. Diante da fome, organiza-se uma sopinha. Diante do frio, faz-se uma campanha pelo cobertor. Diante das drogas, salvam-se uns poucos através da dança, da música, do trabalho manual e das orações.
Termina-se praticando o varejo, quando necessitamos combater no atacado, denunciando o capitalismo.
Gilvan Rocha é presidente do Centro de Atividades e Estudos Políticos (CAEP). E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
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Comentários
Por isso, o seu artigo coloca \\\"o bode na sala\\\" quando denuncia a hipocrisia da prática no varejo. Mas ele também nos serve de alerta (a todos nós e principalmente às feministas anticapitalistas) para que também não pratiquemos \\\"o varejo da luta pela legalização (algumas defendem apenas a descriminalização) do aborto\\\", deixando-nos confundir com aquelas ou aqueles que não querem combater o atacado da subserviência ao capitalismo em suas facetas mais cruéis: pagamento dos juros da dívida ilegítima, superávit primário, agronegócio, projetos que depredam o meio ambiente (como o PAC na Amazônia), desrespeito à soberania de países irmãos na América Latina (como é caso do Haiti, Bolívia), etc. Tudo isso em detrimento da saúde pública e gratuita para não morrer, do trabalho não precarizado para se ter vida digna ao invés de sobrevida, da vida dos mananciais e das florestas, da vida de animais ameaçados de extinção e de populações indígenas remanescentes, enfim, em detrimento da vida em sua forma mais plena, tal qual nós a defendemos.
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