FAO: mais livre comércio, mais fome
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- Esther Vivas
- 09/06/2008
No Dia 5 de maio, terminou a Cúpula de Alto Nível sobre Segurança Alimentar da FAO (Organização para Alimentação e Agricultura da ONU), que foi celebrada neste dias em Roma. As conclusões do encontro não indicam uma mudança de tendência nas políticas que vêm sendo aplicadas nos últimos anos e que têm conduzido à situação de crise atual.
As declarações de boas intenções e as promessas de milhões de Euros para acabar com a fome no mundo realizadas por vários governantes não vão pôr fim às causas estruturais que têm gerado essa crise. Além disso, as propostas realizadas pelo Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon, de aumentar em 50% a produção de alimentos e rechaçar as limitações impostas à exportação por parte de alguns países afetados parecem reforçar mais as causas da crise do que conduzir a saídas reais que garantam a segurança alimentar da maioria das populações no Sul.
O monopólio de determinadas corporações multinacionais de cada um dos trechos da cadeia de produção de alimentos, desde as sementes passando pelos fertilizantes até a comercialização e distribuição do que comemos, é algo que não se tratou nessa cúpula. No entanto, e apesar da crise, as principais companhias de sementes, Monsanto, DuPont e Syngenta, reconheceram um aumento crescente de seus lucros e o mesmo ocorreu com as principais indústrias de fertilizantes químicos. As maiores empresas processadoras de alimentos como Nestlé ou Unilever também anunciaram um aumento em seus lucros, embora abaixo dos lucros das empresas que controlam os primeiros trechos da cadeia. Do mesmo modo, as grandes distribuidoras de alimentos como Wal-Mart, Tesco ou Carrefour afirmam seguir aumentando seus lucros.
Os resultados da cúpula da FAO refletem o consenso alcançado entre a ONU, o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) para manter políticas econômicas e comerciais de dependência Sul-Norte e de apoio às multinacionais da agroalimentação. As recomendações lançadas a favor de uma maior abertura dos mercados no Sul, de subsidiar as importações de alimentos a partir da ajuda ao desenvolvimento e a aposta por uma nova revolução verde apontam nesta direção.
Aqueles que trabalham e cultivam a terra, nas mãos de quem deveria estar nossa alimentação, os camponeses e as camponesas, foram excluídos do debate. Quando representante de organizações camponesas tentaram apresentar suas propostas, coincidindo com a abertura oficial da cúpula, foram retirados à força. Em reuniões anteriores de alto nível, havia sido permitida uma maior participação dos coletivos sociais e agora, diante da gravidade da situação, as portas se mantiveram fechadas, como denunciou a rede internacional Via Campesina.
Acabar com a situação de crise implica pôr um fim no modelo de agricultura e de alimentação atual que coloca os interesses econômicos de grandes multinacionais acima das necessidades alimentares de milhões de pessoas. É necessário abordar as causas estruturais: as políticas neoliberais que vêm sendo aplicadas de forma sistemática nos últimos 30 anos, promovidas pelo BM, FMI, e pela Organização Mundial do Comércio (OMC), com os Estados unidos e a União Européia à frente. Políticas que significam liberalização econômica em escala global, abertura sem freio dos mercados, privatização de terras dedicadas ao abastecimento local e sua reconversão em monocultivos de exportação, conduzindo-nos à grave situação de insegurança alimentar atual. Segundo o BM, calcula-se que a cifra de 850 milhões de pessoas que hoje padecem de fome aumentará nos próximos anos até 950.
A saída para a crise passa por regular e controlar o mercado e o comércio internacional; reconstruir as economias nacionais; devolver o controle da produção de alimentos às famílias camponesas e garantir seu acesso livre à terra, às sementes, à água; tirar a agricultura dos tratados de livre comércio e da OMC; e pôr um fim na especulação com a fome.
O mercado não pode resolver o problema. Diante das declarações do número dois da FAO, José Maria Sumpsi, afirmando que se trata de um problema de oferta e de demanda, devido ao aumento do consumo em países emergentes como Índia, China ou Brasil, há de se lembrar que nunca antes se havia dado uma maior produção de comida no mundo.
Hoje se produz três vezes mais que nos anos sessenta, enquanto a população mundial somente duplicou desde então. Não há uma crise de produção de alimentos e sim uma impossibilidade de acesso aos mesmos por parte de amplas populações que não podem pagar os preços atuais. A solução não pode ser mais livre comércio porque, como se tem demonstrado, mais livre comércio implica mais fome e menor acesso aos alimentos. Não se trata de colocar mais lenha na fogueira.
Tradução: ADITAL
As matérias sobre Segurança Alimentar são produzidas com o apoio do Banco do Nordeste do Brasil.
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