O Sentido Histórico de 1968 (1)
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- Mário Maestri
- 11/06/2008
Desde inícios de 2008, sobretudo na Europa, realizam-se encontros, seminários, palestras, lançamentos de livros e de documentários sobre 1968. Essas atividades alcançam seu apogeu no presente mês de maio, devido aos célebres sucessos de Paris, há quarenta anos, que, em geral, tendem, por sua relevância, a obscurecer o caráter multinacional daquelas jornadas. No Brasil, as celebrações programadas foram igualmente diversas, sobretudo porque os fenômenos que estremeceram boa parte do mundo expressaram-se poderosamente entre nós, com ápice nos meses de junho-julho daquele ano germinal.
Existe já uma enorme produção bibliográfica sobre os acontecimentos que cumprem quatro décadas, referentes, sobretudo, aos países em que eles expressaram-se mais poderosamente, como a Alemanha Federal, a China, a Espanha, os Estados Unidos, a França, a Itália, o Japão, o México, o Paquistão, a Tchecoslováquia etc. Há também valiosos ensaios de interpretação do fenômeno como um todo. Lamentavelmente, mesmo com as atuais celebrações, apenas uma muito pequena parte dessa produção encontra-se traduzida ao português, ainda que já haja considerável bibliografia nacional sobre aqueles acontecimentos.
Como ocorre no Brasil, comumente os atos comemorativos em curso dedicam-se prioritariamente à apresentação histórica dos sucessos de 1968, pois já fazem parte de um passado relativamente distante, que obriga necessariamente a sua recuperação histórica, para ser apropriado pelas novas gerações que nasceram após os mesmos. Uma recuperação facilitada, nesse transcurso das quatro décadas de 1968, pela presença ainda significativa de protagonistas daquelas jornadas, o que certamente não ocorrerá, quando das celebrações do cinqüentenário, em 2018.
Significados profundos
Ainda que em geral se discuta quase obsessivamente as influências das jornadas de 1968, sobretudo no que se refere às modificações culturais e comportamentais da sociedade contemporânea – liberdade sexual, crise do autoritarismo familiar etc. –, o grande debate explícito ou implícito que organiza a reflexão em curso, que poderíamos definir de mais fina, centra-se na tentativa de explicação das razões e significados profundos daqueles acontecimentos, e, sobretudo agora, de sua validade programática ou superação, esgotamento e crise.
Apresentam-se comumente em forma analógica os sucessos ocorridos há quatro décadas como o ápice de cataclismo geológico que, após forte acumulação de forças, iniciou processo de liberação das fortes tensões anteriormente reprimidas, em 1967, seguindo-se a essa pré-convulsão fortes e variados abalos tectônicos com um principal e grande epicentro, em 1968, e movimentos secundários posteriores, durante 1969.
Ainda que essa comparação circunscreva a importante sucessão e ritmos dos acontecimentos ocorridos, com grande destaque sobretudo nos EUA, na Itália, na Alemanha Federal e na Espanha, em 1967, e a seguir principalmente na França, México, Brasil, Polônia, Paquistão, já em 1968, ela sequer esboça as razões e significados profundos dos fatos em discussão, já que não elucida minimamente as origens e singularidades das fortíssimas tensões e sucessivas distensões sociais vividas em importantes regiões da Europa, América e Ásia e, principalmente, as causas da extenuação, dissolução ou frustração daquele movimento.
Expansão e Crise
Na segunda metade dos anos 1960, iniciava-se o esgotamento da longa expansão de pós-guerra, vivida com destaque pelos EUA e pela Europa Ocidental, nos anos 1947-1973, já definidos como "os anos dourados" do capitalismo. Nesse período, sobretudo o mundo do trabalho europeu, fortalecido pela expansão econômica conhecida após o conflito mundial, seguia mantido em forte subordinação política, social e econômica – desigualdades salariais; jornadas de trabalho longas e duras etc. –, realidade apresentada pelas direções políticas e sindicais social-democratas, socialistas e stalinistas como parte da própria natureza social, capaz de ser gradativamente reformada, mas já não mais superada.
Mesmo concretizando-se nacionalmente, a crise capitalista em desenvolvimento assumia caráter, ritmos e expressões crescentemente mundiais, devido ao aumento da internacionalização da economia. Porém, um significativo fenômeno subjetivo imbricava-se a essa tensão objetiva vivida com destaque pelo mundo do trabalho. Importantes sucessos enfraqueciam o controle e o monopólio político-ideológico dos trabalhadores pelas direções comunistas, socialistas e social-democratas hegemônicas, realidade muito viva na França, na Itália, na Alemanha, países de forte e organizado proletariado.
A luta de libertação nacional do pequenino povo vietnamita, primeiro contra a França, a seguir contra os EUA, potência capitalista hegemônica após a 2ª. Guerra Mundial, ensejava poderoso crescimento da consciência mundial da possibilidade-necessidade da derrota do imperialismo, já fortalecido pela vitória da Revolução Argelina, em 1962, após oito anos de lutas e 200 mil mortos. Esse impulso fortalecera-se já significativamente não apenas na América Latina, com a vitória paradigmática da revolução cubana em 1959, seguida dois anos mais tarde por sua definição socialista. A possibilidade de derrota do imperialismo e do capitalismo, pelo confronto social direto, caso fosse necessário, apresentava-se como importante saída para significativos setores do movimento socialista, sobretudo após a importante derrota sofrida no Brasil em 1964 e a hecatombe da Indonésia, no ano seguinte.
Jovens Brancos e Negros
Nos Estados Unidos, a crescente mobilização da juventude pobre branca, arrastada à força para a carnificina imperialista, alimentava a ruptura já iniciada nos anos anteriores e convergia com a organização e radicalização da luta pelos direitos civis, por importantes setores da comunidade negra, sobretudo pobre e trabalhadora estadunidense, que desvelaram diante dos olhos do mundo a hipocrisia da pretensa democracia social e política norte-americana, sob a vigência plena do capitalismo. Também essas mobilizações e suas formas de luta influenciavam fortemente a consciência das novas gerações estudantis e operárias, principalmente da Europa, América e Ásia, nascidas após o grande conflito.
Na Europa Ocidental, os influxos da revolução na Argélia, em Cuba e na Indochina e da crise de hegemonia estadunidense refletiram-se, inicialmente, no estudantado da Alemanha e da Itália, em 1967, e a seguir da França, em 1968. Por suas características estruturais, os estudantes eram o setor que melhor expressava as profundas tensões sociais nacionais e que mais facilmente podia independentizar-se política e ideologicamente das direções social-democratas, socialistas e stalinistas tradicionais.
Ainda que originário especialmente dos segmentos sociais médios, que ingressavam em instituições de ensino superiores que mantinham sua organização destinada aos segmentos sociais dominantes, principalmente o estudantado alemão, italiano e francês mantinham reais vínculos orgânicos com as classes trabalhadoras, através dos jovens aprendizes e dos estudantes-operários. Esses contatos davam-se também através das organizações políticas populares, social-democratas, socialistas e stalinistas, organizações que os jovens integravam, em bom número, através dos organismos destinados aos jovens e aos estudantes, dos quais se afastariam no desenvolvimento da crise daqueles anos.
Mário Maestri, rio-grandense, historiador, é professor do programa de pós-graduação em História da UPF.
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Leia também : O sentido histórico de 1968 (2)
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