Correio da Cidadania

Um fim do mundo sem colapso?

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Bom Dia, Fim do Mundo - Agência Pública
Fiquei muito animado quando ouvi, durante um episódio do podcast Pauta Pública, o anúncio de um novo projeto da Agência Pública. Gostei também do nome, Bom Dia, Fim do Mundo, e do tema, que me move há décadas: emergência climática. Sou fã da Pública desde sempre, não apenas porque estudei jornalismo com a grande Natália Viana na PUC, mas porque a agência é talvez o veículo que aborda com mais coragem a complexa realidade do mundo contemporâneo. Ao ouvir o primeiro episódio, mais uma grata surpresa: meu querido professor dos tempos de PUC, Júlio Wainer, tem ligação com o projeto.

À frente do programa, novas boas notícias: uma das principais jornalistas de meio ambiente da atualidade, Giovana Girardi, Ricardo Terto, uma das grandes mentes por trás dos podcasts da Pública, e Marina Amaral, fundadora da agência.

Assinar a coluna Ambiente e Cidadania aqui no Correio, em parceria com dois amigos biólogos, Rodolfo Salm e Rogério Grassetto da Cunha, foi durante muitos anos uma forma de aplacar parte do meu desespero com a caminhada suicida da humanidade, angústia que me acompanha desde criança.

Foi durante esses anos de coluna que Lula venceu pela primeira vez as eleições para o Planalto. Acreditei que ele e Marina Silva liderariam o mundo em uma nova era de uma economia verde que salvaria o clima e o planeta. Nada mais falso.

Hoje, tantos anos e tantas decepções depois, a Pública é uma das razões para manter viva a minha sofrida esperança. Assim, o anúncio do novo podcast me encheu de expectativa de finalmente ver uma abordagem corajosa e contundente, tocando de fato nessa ferida aberta que fingimos não ver.

Mas foi apenas mais uma decepção. O programa até que começou bem, mas foi se perdendo no decorrer das semanas e está se transformando em mais um podcast de política com um tempero ambiental. Nada mais que isso. Com todo o respeito aos jornalistas à frente do podcast, mas já temos vários podcasts sobre política brasileira muito bons, com gente muito bem preparada para falar disso. É um mercado saturado. O que não temos é gente falando do tema mais importante dos nossos tempos, meio ambiente, e indo direto ao ponto.

Qualquer pessoa minimamente informada sobre a realidade da questão climática sabe que as principais iniciativas em pauta para tentar frear ou reduzir a marcha da savanização da floresta Amazônica são lutar contra:

• O asfaltamento da BR-319;
• A construção da Ferrogrão;
• As hidrelétricas previstas para serem construídas no rio Tapajós;
• A exploração de petróleo na foz do Amazonas

O podcast Bom Dia, Fim do Mundo nunca toca nesses pontos ou os aborda apenas de forma marginal (como o faz toda a mídia). Para você ter uma ideia de como tudo ali é genérico, todo episódio apresenta um quadro chamado “Trombeta do Fim do Mundo”, no qual deveriam ser apresentadas informações que alertassem para a catástrofe da humanidade. Entre os temas recentes do quadro estão a contratação do influencer extremista Paulo Kogos para um cargo na Câmara dos Vereadores de SP, detalhes gerais sobre a escolha dos ministros de Trump e a política educacional de Tarcísio de Freitas. Concordo que a privatização e militarização das escolas de SP é “o fim do mundo”, mas não vejo relação disso com a emergência climática.

Não consigo entender como alguém que se preocupa verdadeiramente com a emergência climática, para além de outros interesses, pode ver o Lula anunciar o asfaltamento da BR-319, a construção da Ferrogrão, obras que vão rasgar áreas preservadas de mata e levar desmatamento para esses locais sem gritar em pânico e denunciar esse crime. Não entendo como, ao perceberem fortes sinais do governo de que sim, vão perfurar o oceano na foz do Rio Amazonas, ficam preocupados com o novo emprego de um influencer patético.

O time à frente do podcast tem uma sinergia muito boa, mas está na hora de prestarem mais atenção no título do podcast. Para estar à altura do nome do programa é preciso ter uma abordagem mais colapsista e mais focada na questão ambiental. Como pode haver fim do mundo sem colapso? Colapso climático, colapso civilizacional? Sugeri duas vezes no e-mail do programa que abordassem a emergência dos doomers, ou colapsistas, um movimento nascido nos EUA e que tem ganhado força no mundo todo. A resposta é sempre a mesma: “estamos avaliando a possibilidade”.

Danilo Di Giorgi é tradutor e jornalista.

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Danilo Di Giorgi

Jornalista e tradutor

Danilo Di Giorgi
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