Correio da Cidadania

Clamores dos migrantes

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O Fórum Mundial das Migrações, realizado na Espanha na semana passada, quis conferir de perto "as vozes e os direitos" dos migrantes, e seus sonhos de "um mundo sem muros".

 

Algumas constatações emergiram com evidência, e mostraram como o fenômeno migratório é o termômetro mais sensível para medir as tensões existentes hoje no mundo.

 

Os milhões de migrantes, forçados a deixar seus países em busca de sobrevivência em outros lugares, mostram com toda a clareza que não é mais possível construir ilhas de riqueza, enquanto permanecem continentes inteiros de pobreza.

 

Ou se busca um desenvolvimento que beneficie o mundo todo, ou as desigualdades irão provocar tensões crescentes que inviabilizam a convivência entre os países.

 

Aos poucos vai ficando indispensável cultivar a dimensão planetária de todos os avanços. Os benefícios das novas tecnologias precisam ir se estendendo ao mundo todo. Assim eles encontram o seu ponto de equilíbrio, e descobrem sua verdadeira finalidade, na medida em que se mostram compatíveis com sua propagação a todos os países.

 

Assim, o planeta se torna referência indispensável para aquilatar a validade da intervenção humana sobre a natureza. Esta é outra constatação que o Fórum enfatizou: a vinculação do fenômeno migratório com o meio ambiente. Todo o planeta precisa se tornar habitável. Quando massas humanas abandonam o lugar onde vivem, é sinal de que seu país vai ficando fora do circuito vital, por motivos que precisam ser identificados, para que se corrijam os equívocos cometidos.

 

A vinculação das migrações com o meio ambiente traz, ao mesmo tempo, uma severa advertência. Se confirmados os efeitos do aquecimento global, em breve espaço de tempo acontecerão, inevitavelmente, as "migrações climáticas", como advertiu o famoso sociólogo belga Padre François Houtart em sua intervenção na abertura do Fórum.

 

Em todo o caso, uma coisa é evidente: a humanidade nunca constatou tantas mudanças climáticas em tão pouco espaço de tempo. O sintoma mais evidente é o degelo polar e o derretimento das geleiras nas montanhas.

 

A urgência de estender a todo o mundo os benefícios equilibrados do desenvolvimento encontrou, nos fóruns até agora realizados, uma expressão utópica, em forma de anseio pelo estabelecimento de uma "cidadania universal". Lançada no primeiro fórum das migrações realizado em Porto Alegre, a idéia vai tomando consistência, ao mostrar que os direitos de qualquer pessoa não decorrem do lugar onde ela nasceu, mas de sua própria condição humana.

 

O Fórum denunciou com veemência os muitos muros que estão sendo construídos, como tentativa inglória de impedir as migrações ou ignorar suas causas. O mais escandaloso deles é o muro de milhares de quilômetros que os Estados Unidos estão erguendo em sua fronteira com o México. Mas, além dele, existe o mundo entre judeus e árabes, os muros que demarcam as fronteiras dos enclaves de Ceuta e Melila no norte da África, e os muros das embarcações que tentam impedir a entrada de africanos no continente europeu. Não é construindo muros que se resolve o problema dos migrantes, mas diminuindo as desigualdades entre os países, e fortalecendo a solidariedade entre os povos.

 

Outro desafio é a integração dos migrantes. Não basta fazer como a Inglaterra, que os cataloga, os diferencia, e os mantém segregados. A humanidade precisa encontrar os caminhos de sua progressiva integração racial. Neste sentido, surpreendeu a colocação de Sami Naïr, cientista político francês, ao apontar o Brasil como o exemplo mais promissor de integração racial, pela "mestiçagem" aqui realizada. E não duvidou em desafiar a Europa, para que se torne "um imenso Brasil", através da progressiva integração dos migrantes em sua população.

 

Em todo o caso, não faz mal perceber que temos um recado importante a dar ao mundo, apesar de nossas desigualdades sociais: nossa válida experiência de integração racial. Sem esquecer as condições históricas em que ela se realizou.

 

D. Demétrio Valentini é bispo de Jales.

 

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