Correio da Cidadania

São Paulo precisa enfrentar o capital e a especulação imobiliária

0
0
0
s2sdefault

 

O Correio da Cidadania conversou com Ivan Valente, candidato do PSOL à prefeitura da maior cidade do país. Na contramão das candidaturas ‘da situação’, ele afirma ser necessário um novo projeto para a cidade, não apenas um novo administrador que esteja disposto somente a dançar a mesma a valsa, ou seja, manter o padrão de exclusão social e inviabilidade urbana.

 

De acordo com o também deputado federal, não se resolverá nada em relação ao trânsito da capital paulista sem que se combata o uso excessivo do automóvel, através de investimentos maciços nos transportes coletivos, especialmente de trilhos. Suspender, averiguar e renegociar o pagamento da dívida pública é outro caminho obrigatório para quem pretende governar para a maioria. Na opinião de Valente, a cidade precisaria ainda passar pela municipalização de sua infra-estrutura e por um combate radical da especulação imobiliária, a fim de oferecer bons serviços à população em detrimento da busca por lucratividade das empresas privadas.

 

A seguir, a entrevista completa.

 

Correio da Cidadania: Como você enxerga hoje a cidade de São Paulo e quais os problemas que mais carecem de soluções?

 

Ivan Valente: Acho que a cidade de São Paulo precisa de outro projeto para garantir direitos aos seus cidadãos, distribuir renda etc. A propaganda eleitoral diz que ela precisa de um novo gerente. Porém, precisamos é de outro projeto, não outro gerente. Isso porque a cidade se encontra privatizada. Quem comanda a cidade são as grandes corporações e o capital financeiro, que inclusive são os responsáveis pela especulação imobiliária, um gravíssimo problema de São Paulo.

 

Nossa proposta é inverter prioridades e universalizar direitos. O problema grave da cidade se manifesta em privatizações, terceirizações, especulação imobiliária, que precisam de uma resposta por parte de quem tem coragem política de enfrentar o poder econômico nas áreas de transporte, saúde, moradia, educação e assim por diante.

 

CC: Qual a sua visão sobre esse período pré-eleitoral na capital? A população não lhe parece muito desinteressada no atual momento?

 

IV: A população fica cética em relação às políticas que vão sendo implementadas, com casos de corrupção e por aí afora. E também pelo fato de serem muito iguais as propostas apresentadas.

 

O PSOL procura apresentar algo diferenciado. Por exemplo, na saúde: enquanto todos defendem a terceirização, a transferência de recursos públicos para o setor privado, através das Organizações Sociais, temos defendido claramente a implantação definitiva do SUS, público, gratuito e universal, que garanta atendimento imediato e de boa qualidade, em vez de repassar 1/3 do orçamento da saúde para entidades privadas, que sucateiam ainda mais a saúde pública. Se a população percebe que essa é uma saída, ela se mobiliza e passa a acreditar. Portanto, esse descrédito atual e a tendência em aceitar migalhas de políticas assistenciais, eficientes do ponto de vista do voto, é que precisam acabar.

 

Nossa campanha tenta também mudar o sistema de transportes, que em São Paulo se transformou no capitalismo sem risco para as empresas de ônibus. Enquanto não se investir em transporte público de massa e sobre trilhos, vai se alimentar a indústria automobilística, que, por meio de subsídios (chegam a 3 bilhões de reais ao ano), estimula de vez o uso do carro ao invés de subsidiar o trabalhador que paga caríssimo por uma passagem de ônibus e é explorado; R$ 2,30 é caríssimo e muitas vezes a pessoa precisa tomar mais conduções. Por conta disso, somos rigorosamente o único partido que propõe a municipalização do transporte. Vamos criar uma empresa pública municipal, responsável pela regulação e controle do sistema, e acabar com as arbitrariedades daqueles que detêm as concessões. É uma proposta diferenciada, que, se for compreendida pela população, terá efeito muito positivo.

 

Outra coisa é a especulação imobiliária: enquanto temos três milhões de pessoas morando mal em São Paulo - em favelas, cortiços e habitações precárias -, há 440 mil imóveis desocupados, dos quais 50 mil somente na região central. Ou seja, a especulação imobiliária espera a valorização enquanto as pessoas não têm onde morar, sendo que a prefeitura não atua no sentido de promover uma política habitacional. E ela tem os instrumentos para tal, seja no Estatuto da Cidade, que ordena o cumprimento da função social da propriedade, seja no Plano Diretor estratégico. Porém, isso significa enfrentar poderosos grupos econômicos, donos da especulação da terra e dos imóveis da cidade.

 

Portanto, esperamos que a população desperte para defender seus direitos. Nossa campanha é voltada a universalizar os direitos e a garantir de onde o dinheiro sairá, a fim de inverter as prioridades. Em particular, defendemos a suspensão do pagamento dos juros da dívida e uma auditoria pública sobre ela. Depois disso, renegociaríamos a parte que considerássemos legal, pois essa dívida foi contraída de forma ilegítima e imoral.

 

CC: A propósito da dívida pública, como considera que os candidatos devam lidar com o orçamento dos municípios e com a Lei de Responsabilidade Fiscal?

 

IV: Essa é a questão. Temos um engessamento enorme nas prefeituras. A de São Paulo, particularmente, é obrigada a gastar 13% do orçamento pagando juros dessa dívida, o que deu R$ 2,3 bilhões em 2007. Com isso, daria para construir 10 km de metrô, uns 100 km de corredores de ônibus, 60 mil casas populares ou zerar o déficit de creches na cidade.

 

Como pode haver um engessamento desses, via Lei de Responsabilidade Fiscal, no orçamento, em que não se permite gastar com contratação de médicos, professores, auxiliares, guardas municipais por haver um teto de gasto? Por outro lado, para os juros da dívida pública não há teto.

 

Estamos pagando juros sobre 45 bilhões de reais. Existe uma lei federal que reza que não se pode pagar sobre mais de 120% do orçamento, que hoje é de 25 bilhões. Rigorosamente, pagamos mais do que a lei permite. Mas isso quando se trata de juros, pois, quando se trata de gastar para o social, não há sequer uma lei de responsabilidade social.

 

O prefeito de São Paulo deve consultar a população, suspender o pagamento da dívida, auditá-la e renegociá-la no plano federal.

 

CC: O que pensa das propostas para a resolução dos problemas do trânsito em São Paulo? Há quem diga que são todas fantasiosas, pois o caos do tráfego paulistano teria chegado a tal ponto que não se equacionaria todas as suas necessidades em apenas um mandato.

 

IV: Sem dúvida alguma, quem disser que resolverá o problema da cidade - dentro do colapso a que se chegou, do infarto que a cidade teve - não fala a verdade, pois são muitas as medidas. Porém, a chave é desestimular o uso do automóvel e investir pesado no transporte público de massas, particularmente sobre trilhos, associadamente aos governos estadual e federal, além da criação de uma empresa municipal de transporte que exista para servir ao bem público, não ao lucro das empresas de ônibus.

 

Com essa empresa controlando todos os corredores e somente ela os operando, aumentaríamos, e muito, a velocidade dos corredores, o que significaria um grande alívio no tráfego, além de se reduzir a poluição, melhorar as condições de saúde e a mobilidade urbana. Portanto, estamos associando esse projeto ao direito à mobilidade.

 

Nosso partido defende o subsídio ao transporte até que se chegue à tarifa zero. O problema do trânsito é de planejamento, estando também ligado ao problema do local de trabalho. É preciso descentralizar as fontes de trabalho. Em segundo lugar, é necessário repovoar o centro, evitando que as pessoas sejam empurradas para a periferia e lá reivindiquem infra-estrutura, que já existe e fica ociosa no centro. Isso evitaria mais deslocamentos, pois o planejamento urbano tem tudo a ver com a sistemática de transportes, a questão do trânsito e da poluição.

 

É um planejamento estratégico que leva em conta o interesse cidadão, não o do lucro, isto é, da especulação imobiliária, da indústria automobilística... Tudo isso é possível numa prefeitura que tenha o aval popular e, digamos assim, se submeta à participação e ao controle público, colocando as questões com muita transparência para a sociedade.

 

CC: Como você enxerga a possibilidade de uma candidatura de outro viés político prosperar em meio ao monopólio da mídia e às disparidades financeiras de campanha, especialmente em uma cidade como São Paulo?

 

IV: Essas são exatamente as maiores dificuldades. É uma luta contra o poder econômico e o monopólio da mídia de São Paulo, que tenta transformar a disputa eleitoral da cidade numa eleição americana, com somente dois blocos competindo. Isso prejudica a democracia na hora de apresentar as propostas. Além de tudo, há o financiamento privado de campanhas, em que se contratam milhares de cabos eleitorais - financiados por bancos, construtoras, enfim, monopólios - e também marqueteiros, por milhões de reais, para maquiar programas de governo em programas televisivos.

 

Portanto, claro que as dificuldades nesse campo são muitas. Temos feito contraponto com uma visão diferenciada, à medida que conseguimos furar o bloqueio da mídia, e também através da campanha de rua de nossa militância generosa, voluntária e consciente.

 

CC: O que vê para o futuro da cidade de São Paulo com a vitória de algum dos candidatos de maior poder?

 

IV: Vamos ter continuidade na concentração da renda e na eliminação de direitos. Numa cidade em que os ricos estarão em bairros cada vez mais bem servidos de infra-estrutura, a grande massa da população estará morando na periferia, longe do trabalho e sem acesso aos serviços e infra-estrutura públicos, num processo de afastamento periférico, a marca do crescimento de São Paulo.

 

O conservadorismo da cidade de São Paulo, governada por elites que alargaram o fosso social, inclusive com propostas discriminatórias, precisa passar por uma reversão.

 

Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

 

{moscomment}

Comentários   

0 #2 Política como construção do bem comumYANG CHUNG 26-09-2008 11:38
Parabéns Ivan Valente, creio que você é uma figura que orgulha a todos do PSOL!
Recuperar o significado originário da política como construção da bem comum, da vontede popular e do exercício da cidadania, de forma deliberativa, deve ser uma das nossas tarefas prioritárias.
Citar
0 #1 Renegociação da dívida pública.Nelson Breanza 24-09-2008 12:56
Muito bom o posicionamento do Ivan, contudo na questão da dívida pública deve-se afirmar e reafirmar o carater da AUDITORIA "SOCIAL" DA DÍVIDA PÚBLICA, pois houve num passado recente uma CPI da dívida pública em SP e constatou-se que a maior parte dela, além de ilegal é imoral e ilegítima. Portante uma auditoria de cunho "legalista" legitimaria o imoral e o ilegítimo.
Sei que o Ivan, a APS e o Psol pensam desta forma, só precisa clarear a posição.

Sds.
Nelson Breanza
Citar
0
0
0
s2sdefault