Exploração do confronto entre polícias mascara abandono estrutural das corporações
- Detalhes
- Gabriel Brito
- 21/10/2008
Na semana passada, mais precisamente no dia 16 de outubro, um fato inédito marcou o protesto dos policiais civis de São Paulo: pela primeira vez na história, duas polícias se enfrentaram e chegaram ao choque físico. De um lado, uns queriam protestar por seus direitos e melhores condições de trabalho. Do outro, uma corporação que dispõe de condições estruturais ainda mais precárias, designada para combater e reprimir a manifestação grevista.
Para tratar do assunto, o Correio da Cidadania entrevistou o deputado estadual do PSOL Carlos Gianazzi - um dos três parlamentares presentes nos enfrentamentos no bairro do Morumbi -, que acusa o governo de forte intolerância para com o movimento, recusando-se a negociar cordialmente e a aumentar a folha de pagamentos, o que encontraria amparo até na famosa Lei de Responsabilidade Fiscal. De acordo com Gianazzi, tal comportamento não pode ser visto com surpresa, pois se aplica por igual a todos os outros tipos de manifestações e reivindicações dos trabalhadores.
Para ele, a Polícia Civil é apenas mais uma das categorias de servidores públicos vitimadas por uma política de desvalorização desses funcionários promovida pelo governo estadual. O deputado afirma ainda que o abandono estrutural da corporação também tem influência direta em operações policiais mal-sucedidas, como, por exemplo, na recente tragédia em Santo André, na qual foi flagrante a falta que fizeram equipamentos de maior tecnologia e adequação para operar em situações-limite.
Correio da Cidadania: Por que a greve dos policiais civis se estende há tanto tempo, com tamanha dificuldade em se chegar a um acordo e culminando em graves confrontos entre as polícias?
Carlos Gianazzi: Em primeiro lugar, a duração da greve é conseqüência do não atendimento às reivindicações salariais e trabalhistas dos integrantes e servidores da Polícia Civil, que a nosso ver são justas, legítimas e democráticas.
Em segundo lugar, porque também não há abertura ao diálogo. Sendo assim, as causas da crise passam pelo fato de o governo não dar espaço a essa via e não receber a comissão negociadora. A polícia, no que dependesse dela, já teria encerrado a paralisação há muito tempo.
CC: Aprofundando-se nas reivindicações, quais são as mais imprescindíveis para a categoria?
CG: As reivindicações salariais - de reajuste, não de aumento -, pois há mais de 13 anos que a polícia – os servidores em geral, na verdade – não tem reajuste. O estado de São Paulo paga um dos menores salários da federação para a Polícia Civil.
Além disso, há a situação de abandono, de penúria; não há equipamentos, viaturas, coletes à prova de balas, armamento, enfim, eles reivindicam o básico para estar em condições de atender a população. Eles pedem também algumas coisas interessantes, como a aposentadoria especial – que o governo mostra disposição em atender – e a eleição direta do delegado geral da Polícia Civil.
CC: No que se refere à folha de pagamento, o que leva São Paulo, estado mais rico da federação, a pagar os piores salários, em escala nacional, para algumas de suas categorias de policiais?
CG: Tem a ver com a falta de uma política de valorização dos servidores públicos. Acontece também com os professores, médicos, Polícia Militar, estão todos na mesma situação. Tem a ver com a opção que o governo Serra fez em relação aos servidores públicos.
Existe superávit, excesso de arrecadação, e há dinheiro para se investir na valorização dos servidores, mas simplesmente não o fazem. Inclusive, o limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal nem foi atingido ainda, que é de 49%. Aqui em São Paulo, o governador só gasta 38% com a folha de pagamento. Portanto, se houvesse o mínimo de vontade política, ele (Serra) poderia realizar tais investimentos, até porque há espaço legal nesta Lei de Responsabilidade Fiscal para que se invista mais.
CC: A forte repressão vista em frente ao Palácio era realmente necessária, a fim de que se evitassem desdobramentos mais graves, ou houve abuso de poder e força por parte do governo?
CG: Desnecessário. Estive lá e presenciei todos os acontecimentos. Na verdade, aquilo só aconteceu por dois motivos: primeiro, porque o governador não recebeu a comissão que representa os servidores, negando o diálogo, a negociação. Não deixaram nem o assessor do assessor recepcioná-la. Houve total desprezo pelas entidades, que ao todo eram 16, todas representativas, e pelos três deputados presentes, que queriam intermediar uma abertura de diálogo. Houve um desprezo tanto pela categoria quanto pela Assembléia Legislativa. O governo foi irredutível, não conversou, não teve competência de fazer a gestão de um conflito, que era o mínimo que poderia fazer, através da abertura de diálogo.
Depois, jogou a PM, na verdade a tropa de choque, contra os manifestantes, que se revoltaram quando souberam da notícia de que não seriam recebidos. Queriam fazer um protesto até a porta do palácio, sendo impedidos pela tropa de choque, que por sua vez jogou bombas de gás lacrimogêneo, atirou balas de borracha... Em seguida, o Garra e o GOE, que estavam ali fazendo o balizamento da manifestação, reagiram em defesa dos policiais civis. Ou seja, nem sequer foram os manifestantes que reagiram. Foram designadas umas 50 viaturas do GOE e do Garra, mais umas 70 motos dessa polícia de elite, a fim de balizar a manifestação. Porém, quando a tropa de choque começou a agredi-los, houve esse confronto de uma polícia contra a outra. E agora tentam desviar a atenção dizendo se tratar de uma briga entre as polícias. Não tem nada disso, foi algo episódico, pontual, entre a tropa de choque e parte da policia civil, mas não existe essa briga.
CC: E são válidas as acusações do governador Serra, de definir as atitudes dos manifestantes como político-eleitoreiras?
CG: Não, mas querem também partidarizar a manifestação, dizendo que o PT, a CUT e a Força Sindical estão controlando o movimento. No entanto, o movimento é independente, são 16 organizações sindicais arquitetando-o conjuntamente, sem influência nenhuma dos parlamentares.
Por exemplo, nós do PSOL não estamos na CUT e nem na Força sindical, não somos do PT e tampouco estamos nas eleições municipais. Portanto, isso que o Serra diz não procede, tenta apenas desviar a atenção do movimento. Como ele não quer atender às reivindicações, fica jogando uma cortina de fumaça, enganando a opinião pública.
O movimento é independente, o PT não exerce nenhum comando, e nem a CUT ou a Força. Eles dão apoio, do mesmo jeito que várias pessoas também fazem, diversas entidades. Mas não possuem influência e tampouco determinam seus rumos. Nós do PSOL não estamos envolvidos em nenhuma disputa e apoiamos mesmo assim.
Portanto, gostaria de deixar claro e ressaltar que não há crise entre as polícias e tampouco partidarização do movimento dos policiais. Isso é uma tentativa do governo, e de alguns setores da grande imprensa, de desviar o foco, que passa pelo não atendimento às reivindicações, pelos baixos salários e pela criminalização dos movimentos sociais e sindicais no estado de São Paulo. Essa tem sido a tônica do governador Serra: criminalizar, reprimir e desqualificar todos os movimentos.
Os defensores públicos se manifestaram, ficaram em greve uma semana e também foram desqualificados e criminalizados pelo governo, como acontece sempre.
CC: Por quais razões o movimento não se estende e encontra adesão nos policiais militares, que têm piores salários e condições de trabalho mais precarizadas?
CG: Na verdade, há apoio sim da PM, mas, como eles não podem se manifestar – existe uma legislação federal que impede a PM de fazer greve, manifestações ou críticas públicas –, ficam amordaçados. A legislação é que impede, pois se fosse depender da polícia militar ela estaria paralisada também, ela é solidária. Inclusive, há militares aposentados apoiando o movimento, assim como mulheres de militares da ativa.
Já temos várias reivindicações, moções, para que esta lei seja revogada. O policial militar também é cidadão, que tem direito a fazer greve, se manifestar e expressar críticas.
CC: Considerando a estrutura de trabalho da polícia, excluindo-se uma dose de imponderável, comum em situações como a recém ocorrida com o seqüestro de uma jovem de 15 anos por seu ex-namorado, você acredita que o desfecho trágico dos acontecimentos em Santo André estaria também vinculado a estas precárias condições de atuação do aparelho policial?
CG: Acho que sim, pois se trata de uma polícia que não possui aparato eletrônico e equipamentos adequados para poder fazer uma intervenção como aquele caso exigia. Os equipamentos eram extremamente primitivos, temos uma polícia extremamente precarizada do ponto de vista das condições de trabalho. O salário de um daqueles policiais de elite é quase o mesmo que o de um PM, não se difere em nada, inclusive em condições de trabalho. Isso certamente influencia em situações de tal tipo.
CC: Você seria favorável à fusão entre Polícia Civil e Militar? Qual seria a justificativa para essa mudança?
CG: É viável uma unificação, penso que deve haver uma integração do trabalho entre a Policia Militar e Civil – de dados, ações -, isso é possível e importante. Fusão é difícil, porque são polícias de características e histórias diferentes.
CC: E quanto à questão da desconstitucionalização das polícias, sob o argumento de que cada estado é que deveria estipular a melhor forma de funcionamento de seu aparelho de segurança pública, o que você pensa?
CG: Estamos discutindo, nos informando a respeito. Creio que ainda devemos nos aprofundar na discussão, ver experiências de outros países. Ainda estamos sem uma posição definida.
CC: E depois desses acontecimentos no Palácio, você acredita que a discussão ficará ainda mais travada ou poderá se acelerar em alguns pontos?
CG: O governo continua intransigente, não quer receber a comissão. Os trabalhadores da Polícia Civil se reuniram para analisar o que será feito e organizar os rumos do movimento. Recebi a informação de que haverá nova manifestação na quarta-feira, 22, em frente à Assembléia Legislativa, para pressionar os deputados a intervirem no processo. Agora só depende do governo, que tem de atender minimamente às demandas dos trabalhadores. Pelo menos por um dia em relação à comissão negociadora.
Gabriel Brito é jornalista.
{moscomment}
Comentários
É impressionante, mas, é um fato verdadeiro: a mídia paulista está articulada com a candidatura de Serra pra 2010, e AS EMISSORAS DE TV NÃO MOSTRARAM EM SÃO PAULO, as manifestações dos policiais na Sé. Ele só mostraram no interior:
http://www.tvtribuna.com/videos/default.asp?idVideo=19018
Agora, a pergunta que não quer calar: ESTA NOTÍCIA NÃO É IMPORTANTE, PARA O POVO DA CAPITAL DE SÃO PAULO????
Isto não é de utilidade pública??? Como um Governador pode ser blindado a ponto de prejudicar uma população inteira???
Onde está o caráter, a ética e o profissionalismo destas emissoras de TV???
Agora sim, isto virou uma questão POLÍTICA E SINDICAL, pois serão os únicos que poderão intervir nesta questão, ou não???
Espero que a mìdia alternativa DENUNCIE ESTE ABUSO!
abraços!
Odete Soares
Na verdade sei sim. TODAS as vezes que necessitei do serviço prestado pela instituição (de um simples Boletim de Ocorrência por extravio de documentos à questões ligadas ao Detran) fui, no mínimo, tratato com desrespeito e falta de educação. E não foi uma única vez que, direta ou indiretamente, fui surpreendido com pedidos de propina para resolver ou agilizar processos corriqueiros à instituição. Sei que há pessoas honestas e de bem (embora nunca vi um), mas não consigo acreditar na instituição.
Assine o RSS dos comentários