Concessões de estradas são mais um capítulo das privatizações por decreto
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- Gabriel Brito
- 05/11/2008
Na semana seguinte às eleições municipais e em meio à crise mundial, o governo de São Paulo deu mais um passo em sua política de privatizações. Foram concedidos cerca de 1.700 km de estradas (Marechal Rondon Leste, Marechal Rondon Oeste, Carvalho Pinto/Ayrton Senna, Dom Pedro 1º. e Raposo Tavares) para cinco consórcios administrarem, em troca de investimentos de 8 bilhões de reais pelas próximas três décadas.
Para tratar do tema, que passou praticamente incólume pelo debate cotidiano, o Correio da Cidadania entrevistou o deputado federal Raul Marcelo, do PSOL - para fazer-nos entender as políticas do governo Serra, o deputado recordou a edição do Plano Estadual de Desestatização logo no início de seu mandato, que ressuscita programa de seus antecessores privatistas. E para que se leve tal objetivo adiante, diz Raul, o governo atropela a discussão com a sociedade, ignorando inclusive a Assembléia Legislativa, impondo seus interesses através de decretos pura e simplesmente.
Na opinião do parlamentar, além de lesar sua população com a venda do patrimônio do estado, o governo adota um modelo ‘draconiano’ nas concessões, pois entrega rodovias já prontas, e não a serem construídas, permitindo ainda que as empresas estipulem pedágios (em valores e quantidade) extremamente abusivos. Em linhas gerais, proporciona bons negócios para os mesmos grupos de sempre e onera os bolsos dos mesmos de sempre também, pois já se calculou que, com a construção prevista de mais 61 postos de cobrança, nem o argumento do deságio para o motorista mantém alguma validade.
Correio da Cidadania: Você acredita que o governo tenha realizado os leilões de estradas em meio à crise mundial e logo após as eleições de maneira estratégica, de forma a chamar menos atenção?
Raul Marcelo: O Serra editou o PED (Plano Estadual de Desestatização) logo no começo de seu mandato, através de um decreto. Isto é, o programa que foi inventado no governo Covas, quando Alckmin era vice – processo ligado ao início das concessões das estradas, privatização do Banespa etc. -, tem continuidade agora na gestão do Serra.
Já houve uma movimentação para tentar vender a CESP, depois o governo recuou, e agora está em tratativas para também vender a Nossa Caixa, numa negociação com o Banco do Brasil. Portanto, em nossa avaliação, a questão da concessão das estradas já está dentro de um planejamento do processo de privatização do que restou no estado de São Paulo de patrimônio público.
No entanto, concordo com o ponto de vista de que tenha sido estratégico o governo fazer o leilão quando há outros assuntos na pauta, diminuindo assim a sua repercussão. De fato, a crise econômica e as eleições municipais também ajudam a tirar bastante o foco das concessões, além da greve da Polícia Civil, que já passa de 50 dias e tem consumido muito da agenda da Assembléia Legislativa - basta ver que estamos há duas semanas discutindo somente ela.
É uma tristeza que não esteja na grande pauta uma questão de tamanha importância, que é o processo de entrega do patrimônio do estado.
CC: E essas concessões de estradas serão minimamente oportunas para quem for utilizá-las, isto é, os motoristas?
RM: Para o motorista não há nada de oportuno. Ele já paga o IPVA, que embute os recursos para que o governo faça manutenção, recuperação e ampliação da malha viária do estado. Na verdade, trata-se de bi-tributação, que é o significado do pedágio.
Na campanha eleitoral, falam que são contra o aumento da tributação no Brasil, mas, no governo Fernando Henrique, e mesmo no início de Lula, ampliaram de forma absurda a carga tributária. E aqui em São Paulo, particularmente, os pedágios são um abuso.
Em suma, são os motoristas que ficam com a conta. Já pagam o IPVA e, quando passam no pedágio, são tributados novamente. Portanto, não há vantagem nenhuma, principalmente para os caminhoneiros, responsáveis por escoar a produção do estado.
CC: Com o processo de concessões já encerrado, o governo ressaltou o deságio que se concretizaria em todos os pedágios. Porém, com a informação de que serão construídos 61 novos postos de pedágio, constatou-se que em 4 dos 5 trechos leiloados o que ocorrerá de fato é um aumento no custo das viagens para todos os motoristas. Desta forma, quem sai ganhando com todo o negócio?
RM: Esse deságio serve na verdade para gerar a cortina de fumaça sobre o que de fato vai acontecer, no caso, a cobrança de valores absurdos nos pedágios. Temos hoje 13 postos de pedágio. Com essas novas concessões, chegaremos a 74 pedágios até o final de 2009. E são contratos ‘espelhados’, ou seja, paga-se na ida e na volta. Se a pessoa mora em um município, mas trabalha todos os dias em outro, paga duas vezes. O mesmo para os caminhoneiros.
Uma questão muito grave é sobre o encarecimento do trajeto. Na Raposo Tavares, um caminhoneiro paga para rodar 457 km - em toda aquela região de Bauru, Ourinhos, Presidente Epitácio – R$ 9,20; agora vai pagar R$ 43,80. O caminhão de nove eixos pagará cerca de 400 reais. Quer dizer, aumentará o custo, como sempre. Portanto, para os cinco grupos que pegarão essas estradas por 30 anos, é ótimo, esse grupo de interesse está realmente se beneficiando.
Outra coisa: na maioria dos países do capitalismo central desenvolvido, cerca de 70% do transporte é realizado por ferrovia. No Brasil, essa cifra se refere às rodovias, o que é um problema grave de estrutura. O pedágio agrava tal quadro e acaba transferindo os custos para os preços.
Muitos economistas prevêem que, em 2009, com a intensificação da crise mundial, aumentará também a inflação, o que, aliado ao crescimento do número de pedágios, promoverá um repasse de contas ao consumidor.
CC: Os valores do negócio anunciados pelo governo são realmente vantajosos (investimentos de 8 bilhões em 30 anos) ou no longo prazo podem se revelar defasados?
RM: Isso é outra tristeza. Em 2009, o governo gastará, segundo proposta de orçamento que debatemos aqui, 8 bilhões de reais para o pagamento de juros da dívida pública do estado. O governo está entregando o patrimônio estadual, 1.700km de rodovias e estradas vicinais, baseado numa tese de que em 30 anos se conseguirá investir 8 bilhões de reais, a serem financiados por essas empresas (claro que só depois de contabilizarem seus polpudos lucros).
Somente no próximo ano, o governo já pagará esse valor ao governo federal, porque a dívida pública é federalizada. É um absurdo o governo de São Paulo queimar patrimônio em troca de umas migalhinhas de investimento, quando o problema não é de recursos para investimento, mas sim de política econômica para o estado.
CC: Como avalia o modelo de concessões de estradas aplicado em São Paulo e defendido pelo secretário dos Transportes Mauro Arce?
RM: O Mauro Arce tem uma tese absurda. Ele tem defendido explicitamente que o aumento no número de postos de pedágio é uma boa, pois significa ‘democracia no pagamento’, já que, quanto mais pedágios existirem, mais gente pagará. É uma tese absurda. Já se paga o IPVA do carro e ainda se obriga a pagar outra vez uma taxa, através de pedágio.
Quanto ao modelo de concessão, diria que ele é draconiano, pois dá uma estrada, já pronta, para ser explorada por 30 anos só com cobrança de pedágio e colocando meia-dúzia de funcionários para ficarem lá capinando. O que poderia ser discutido é a liberação por parte do governo da construção de novas estradas por meio da iniciativa privada, ainda assim após debater a idéia a fundo com a sociedade.
Pegar estradas prontas e simplesmente entregá-las para a iniciativa privada explorar é um modelo draconiano, sem contar os valores, que são absurdamente caros. Nas áreas concedidas, todas as taxas aumentarão, como se vê clamorosamente no caso do trecho leste da Marechal Rondon.
Em suma, as cinco estradas já estão prontas, serão entregues para cinco grupos as explorarem por 30 anos e, ainda por cima, as pessoas terão de pagar tarifas que sofrerão aumentos de até 400%.
O Mauro Arce é um legítimo representante dos interesses desses grupos econômicos, infelizmente.
CC: O presidente do sindicato dos caminhoneiros autônomos reclama, realmente, que o governo ignorou a opinião da classe, contrária às concessões.
RM: Uma coisa importante é que o Serra reeditou o PED do estado de São Paulo. E ele quer vender o que se chama de ‘as três jóias da coroa’, no caso as três maiores empresas públicas paulistas: a Sabesp, a CESP e o Banco Nossa Caixa. Já vem tentando vender a CESP, agora está tramando a venda da Nossa Caixa e, na nossa avaliação, a próxima infelizmente será a Sabesp. E, para completar, também entrega todo o setor de infra-estrutura do estado, incluindo-se as estradas.
É claro que tudo isso foi feito sem debate com a sociedade, mas sim através de decreto. Nem pela Assembléia Legislativa passou, para que se tenha uma idéia. É através de decreto que o governo de São Paulo conduz a privatização. Começou no governo Covas, o Alckmin continuou e agora o mesmo se dá com o Serra.
É uma tristeza, porque o que diz a Constituição? Que aqueles que estão no poder representam o povo e que este é o soberano. Ou seja, o governador defende o interesse desse povo. Sendo assim, se o governador quer vender o patrimônio que não é dele deveria no mínimo consultar o seu titular. Mas não consulta, apenas entrega as estradas, construídas com dinheiro e trabalho do povo paulista, nas mãos de cinco grupos econômicos.
E com certeza prejudica demais os caminhoneiros, ainda mais os autônomos que, aliás, dão um duro danado para pagar o IPVA e os demais impostos que lhes permitam trabalhar. Para se ter uma idéia a respeito de uma questão muito séria, volto a dizer que, na região de Ourinhos e Presidente Prudente, o pedágio vai saltar de R$9,20 para R$ 43,80. E caminhão de nove eixos, como dito também, pagará 400 reais para circular. Imagine o impacto na vida dos caminhoneiros.
CC: Como enfrentar esse processo?
RM: A nossa bancada na Assembléia não consegue sozinha reverter esse processo, que deveria sofrer pressão externa da sociedade.
A esquerda socialista e combativa de São Paulo deve conseguir organizar movimentos e setores a fim de enfrentar o processo de venda do patrimônio público estadual. Imagine perder a Sabesp, responsável pelo abastecimento de mais de 300 municípios no estado...
Certamente é tarefa nossa fazer pressão sobre tal movimento, antes que o Serra e quem o cerca entreguem todo o nosso patrimônio.
Gabriel Brito é jornalista.
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Comentários
É inaceitável e revoltante o que vêm acontecendo no estado, não podemos deixar que uma gestão dita democrática ceda a concessão de um patrimônio PÚBLICO ao capital privado sem a consulta popular.
É necessário urgentemente que nós paulistas e todos os brasileiros contrários a políticas governamentais como essas ajamos em afirmação dos nossos direitos.
Sim, direitos! E ainda um dos mais básicos, o de ir e vir sem que necessário a escravidão monetária de enriquecer os cofres de empresas privadas.
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