Reforço na concentração do capital levará a brutal ataque aos trabalhadores
- Detalhes
- Valéria Nader e Gabriel Brito
- 11/11/2008
A semana que passou foi movimentada nos corredores de algumas das grandes instituições financeiras que conhecemos. Enquanto Itaú e Unibanco selaram negócio que os faz, em conjunto, o maior banco do país, o governo federal já acertou com o paulista a aquisição da Nossa Caixa por parte do Banco do Brasil. E para analisar a venda do último banco público do estado, o Correio da Cidadania conversou com Dirceu Travesso, sindicalista ligado ao PSTU, demitido do banco em maio deste ano.
Para Travesso, o atual momento de crise financeira ensejaria ainda mais a manutenção da Nossa Caixa na condição de banco de fomento, pois serviria para fornecer crédito a grandes parcelas da população em época de escassez de crédito. Em meio a temas de conjuntura, Dirceu também prevê uma maior concentração do capital nos próximos anos, inerente ao capitalismo, acompanhada de um violento ataque aos direitos dos trabalhadores em geral.
Por fim, o sindicalista destacou que as medidas tomadas pelo governo, a exemplo da venda da Nossa Caixa, atendem somente às demandas financistas, em detrimento das necessidades da população, o que configuraria um chamado para que estas parcelas retomem as lutas sindicais e grandes mobilizações.
Correio da Cidadania: Em entrevista a este Correio em maio deste ano, você já destacava que o processo de compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil não seguia uma lógica de fortalecimento do banco público, mas a lógica de disputa de mercado. Ademais, São Paulo perderia definitivamente a possibilidade de ter um banco público de fomento. Agora Lula e Serra parecem já ter acertado a operação. Em meio à atual conjuntura de crise econômica e travamento do crédito, ela seria mais justificável?
Dirceu Travesso: Não, bem pelo contrário. A aparência da crise é de crédito fiscal e financeiro, mas estes são apenas uma parte da crise. Essa Medida Provisória (MP 443) é um escândalo. Em que sentido? Não que o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal não pudessem intervir no sistema financeiro, pelo contrário, é absolutamente necessário. A crise que vemos é o desdobramento da crise do capital potencializada pela concentração do capital financeiro, e pela especulação e o cassino em que transformaram a economia, tornando, em nível internacional, completamente irreal a relação entre emissão de papéis e especulação e economia real.
O que se vê hoje - o governo liberando bilhões para os banqueiros - é um escárnio. O que deveria estar em discussão no momento é a estatização do sistema financeiro. O que fez Bush nos EUA, Brown na Inglaterra, além de outros governos financeiros, não é a estatização do sistema financeiro, mas sim dos prejuízos da banca privada.
Ou seja, passamos duas, três décadas debatendo a necessidade de dinheiro para saúde, educação, para os problemas estruturais do povo brasileiro, e o argumento era o de que não havia dinheiro. Quando aparecem os banqueiros com uma crise gerada pela especulação e pela lucratividade estupenda que vinham tendo, tradicional problema da superprodução e queda da taxa de lucros exponencializada pela concentração, qual a resposta do governo? O dinheiro que não existia para resolver o problema dos trabalhadores aparece para "socializar" o prejuízo e manter o patrimônio e a propriedade dos banqueiros privados.
Dentro de tal lógica, mais do que nunca, se há algum banco seguro e que pode dar garantias de crédito e das necessidades da população, é um banco público, garantindo tudo isso a partir de políticas públicas. O que vale também neste momento, quando estão vendendo o último banco público de São Paulo, sob a mesma lógica.
É muito interessante ver que, não à toa, no momento em que aparece a fusão Itaú/Unibanco, a resposta é o Banco do Brasil rapidamente avançar na negociação da Nossa Caixa. Confirma aquilo que dizíamos: a lógica desta compra não é o fortalecimento do sistema financeiro público, pelo contrário, é fortalecer um pólo, dentro da lógica privada do sistema financeiro.
Portanto, creio ser o inverso. Mais do que nunca, deveriam estatizar os bancos privados e discutir no Conseg que não é o momento de se vender o banco público, mas sim de fortalecê-lo, ainda mais no estado de São Paulo. Em suma, manter o BB e fortalecer a Nossa Caixa, e não entrar numa lógica de enxugamento.
Simultaneamente, do outro lado, aparece essa lógica de concentração, o que configura uma hipocrisia total, pois agora escutamos o discurso de que é preciso regular o sistema financeiro, estabelecer regras, mas ao mesmo tempo o movimento subsidiado pelo dinheiro público é o da concentração. O Unibanco e o Itaú foram beneficiados, com dinheiro público, pela operação que realizaram, em R$ 8 bilhões segundo as contas já feitas. Para quê? Para ter um banco mais concentrado. E quanto maior a concentração do capital, menor a possibilidade de se exercer qualquer controle sobre ele.
CC: Desta forma, a fusão entre o Unibanco e o Itaú, tão saudada pelos mercados, é apenas o começo de uma fase de intensa concentração bancária, como uma nova onda de fusões e aquisições?
DT: A lógica do capital é aumentar a concentração. Em tempos de crise alguns ficam em dificuldade e, como é clássico, eles têm a necessidade de recompor sua taxa de lucros, tentando aumentar o nível de exploração. Enquanto isso, alguns deles de fato entram em dificuldades. Não estamos falando de passar fome, obviamente, mas que simplesmente perderão um pouco de seu patrimônio. Em momentos assim, a saída deles é mais concentração e fusões, o que vai na contramão do discurso difundido, que prega controle, democratização etc., pois a saída real é concentração maior de capital. E o sistema financeiro é a expressão disso.
Ea fusão é exatamente isso, saudada pelos mercados. Eles, durante anos, saudaram o liberalismo financeiro, a desregulamentação total, a fragilização das políticas de proteção do crédito nacional, das empresas públicas, enfim, durante anos os mercados cantaram, e alto, a lógica liberalizante, sem nenhum critério, e com regras subordinadas ao sistema financeiro.
E por que eles saúdam tanto este momento? Porque é a saída, na lógica do mercado. Essa discussão é importante pelo seguinte: na lógica dos capitalistas, tal saída é corretíssima, é o que garante a propriedade financeira e a lucratividade deles, o patrimônio.
Não está correto para aqueles que defendem outra lógica, aquela contrária à agiotagem e à especulação, e que busca a construção do mercado de crédito para a população, desenvolvendo a economia e gerando empregos.
Nossa lógica é outra, completamente diferente, e infelizmente o governo Lula reproduz a política dos grandes capitalistas internacionais – Bush, Brown, Sarkozy, qualquer um deles.
CC: Em sua opinião, a MP 443, através da qual o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal podem comprar ações de instituições financeiras em dificuldades sem abertura de licitação teria sido feita com o objetivo, entre outros, de facilitar a venda da Caixa ao BB?
DT: Acho que não foi este o elemento decisivo. Creio que o elemento fundamental foi o de jogar a bóia para os banqueiros privados. A negociação do Votorantim, e vários outros, serve para atestar. O buchicho vinha rolando, há pouco mais de um mês já havia a discussão de que alguns bancos brasileiros estariam quebrados. Os pequenos certamente, e entre os médios e grandes se falava do Unibanco - não é à toa que apareceu agora a fusão, que pode ser definida assim em sua fórmula, mas que na prática foi uma compra, com aumento de concentração.
Não creio que o centro da MP tenha sido a negociação da Nossa Caixa. O centro, o porquê de a editarem, é a necessidade que tinham de, agora que veio a ressaca, jogar uma bóia para salvar os agiotas, internacionais e nacionais, e os banqueiros depois da especulação e da farra do boi que promoveram.
Neste momento, a teoria do Estado-mínimo vai para o saco. Passam o tempo todo falando em Estado-mínimo, reivindicando o máximo para o mercado e o capital. No entanto, quando chega a hora do prejuízo, o Estado tem de ser máximo - para garantir o deles, não o da população. Para esta, deve continuar mínimo, cortando dinheiro de saúde, educação. Já para garantir às empresas privadas a lucratividade do grande capital, o Estado deve socorrer e intervir.
Esse elemento da Nossa Caixa até está presente na MP, mas não é o centro, infelizmente. Poderia até ser, na forma de o governo responder a algum problema específico, mas é bem pior, é para de fato garantir os banqueiros privados.
CC: Qual será a repercussão de um eventual reforço da concentração bancária nos índices de emprego?
DT: Não tenho dúvidas de que reflete em tudo. Não somente na categoria bancária, pois ela é decorrência do problema global. Falando na lógica neoliberal, de quem defende o capitalismo, para quem a livre concorrência e a disputa entre empresas são saudáveis, vai diminuir o crédito. E dentro disso, o que a concentração fará? Diminuirá a concorrência.
Portanto, é evidente que esses grandes monopólios que vão se constituindo - com o volume de dinheiro envolvido e a capacidade de manipular o mercado e estabelecer regras que ninguém consegue questionar nem debater -, crescendo até chegar num patamar que não se pode manter. Ao invés de dois bancos, fica um só. E muito maior, com capacidade de impor mais regras na medida em que diminuirão as alternativas disponíveis, algo matemático.
A conseqüência de tudo é mais exploração sobre o conjunto da sociedade com a taxa de juros elevada, diminuição do crédito e, por conseguinte, desemprego, no que se inclui a categoria bancária.
CC: Dessa forma, pode-se acreditar que essas taxas de juros cobradas aos usuários do sistema financeiro poderão ser fortemente incrementadas, não?
DT: O fato de haver concentração não quer dizer que necessariamente jogarão a taxa de juros lá no alto. Ao menos de forma imediata. Já aumentaram um pouco, mas, ao mesmo tempo, com o problema da recessão, há uma tentativa de minimamente aumentar o crédito.
Em relação ao crédito privado, não. Vai se retrair como aconteceu agora. Nesses dias já vimos a palhaçada. Depois o Lula fez beicinho por ter liberado todo aquele dinheiro para os bancos. Só que eles não repassam. Na verdade, pegam esse dinheiro e investem nos papéis do governo, que são garantidos. Melhor do que emprestar dinheiro por aí sem saber o que acontecerá com o crédito.
Mesmo que a crise ainda não tenha batido aqui de forma categórica, só o fato de começarem algumas férias coletivas fez os setores da classe se tocarem sobre o que está realmente por vir. Já começaram a aparecer indicativos de mudança no padrão do consumo, as pessoas já estão parando de comprar a crédito...
A política do governo é escandalosa. Na semana passada se anunciou que o Banco do Brasil vai liberar R$ 4 bilhões para as montadoras. Na mesma semana, a imprensa divulgou que as montadoras tinham enviado cerca de outros R$ 4 bilhões para o exterior como remessa de lucros. Assim, era melhor o governo enviar o dinheiro direto, ante a dificuldade das montadoras. Porque elas não seguraram esse dinheiro de seus lucros para investir no Brasil? Porque remeteram, como lucros, para o exterior, enquanto o Lula libera dinheiro para que eles tentem manter minimamente o patamar de crédito e desovar até o fim do ano tudo o que já produziram, já que começaram a sentir o baque.
CC: Sendo irreversível um aumento da concentração bancária nesse momento, o que poderia tornar mais palatável os processos de fusão? Haveria como adotar salvaguardas para os funcionários e para a população usuária do sistema financeiro?
DT: Na lógica do capital não há nada que vá tornar mais palatável o avanço de uma mudança como essa, pois sua lógica é de exploração e aumento da extração da mais-valia. Neste contexto, se colocam uma flor no meio do chiqueiro, ela parece mais bonita.
Dentro disso, vamos levantar nossas bandeiras. Precisamos mostrar de forma categórica que a saída para a crise não é o que está sendo feito. Para a nossa crise, a dos trabalhadores, para o desemprego, a fome, a miséria, a falta de dinheiro para saúde, educação e investimento público, não é essa a saída. A saída seria dinheiro para o âmbito das obras públicas, construção e geração de empregos, para a saúde, não para os bancos. Deixem os banqueiros quebrarem. Estatizem o banco e que esse dinheiro público que está sendo colocado para remediar a crise seja usado diretamente pelo Estado, investindo numa relação de prioridade e não com o objetivo de gerar lucro, ou seja, investimento para gerar empregos e políticas públicas para a população. Essa é a saída global, mas que não será implementada agora.
Neste marco, nós vamos lutar pela estabilidade, mas não fazendo acordos com o banqueiro em troca de estabilidade, pois isso é convidar as pessoas a acreditarem em Papai Noel e coelhinho da Páscoa. Não é da lógica deles. Dizer que é possível dar dinheiro ao banqueiro para que ele me garanta estabilidade não quer dizer que não devemos lutar por ela. Temos de batalhar, independentemente do que o Lula faz. Não podemos nos contentar em dizer "ah, tenho estabilidade, então podem dar 60, 70 bilhões para o banqueiro". Até porque este é um dinheiro do conjunto da sociedade. Ou seja, não posso dizer "não me mate aqui dentro da minha casa, mas pode exterminar a vizinhança inteira".
A única possibilidade de discutir a defesa do conjunto é nos colocarmos nos marcos de uma política que não aceita que este dinheiro vá para banqueiros, mas sim para o conjunto da população.
CC: Finalmente, está prestes a encerrar a greve bancária. Qual o saldo desse movimento, a seu ver?
DT: Creio que a greve teve conquistas parciais importantes, até pela situação da conjuntura. Mais uma vez a direção atrapalhou a luta da categoria, pois postergou e empurrou a possibilidade da greve. Acho que o ocorrido não estava na conta deles, que trabalhavam com o problema do calendário eleitoral e por isso foram postergando um processo mais intenso de luta.
Quando a greve explodiu, eles ficaram numa situação difícil, pois a crise econômica estourou na seqüência e evidentemente dificultou as negociações, endurecendo mais a conjuntura das concessões que vinham sendo feitas até então. Portanto, dentro deste contexto, ter arrancado reajuste é uma conquista da categoria. Parcial, mas ainda assim uma conquista, que foi a expressão da luta.
No entanto, mais uma vez se desnuda um debate importantíssimo. Para que se obtenham vitórias, os trabalhadores deste período têm colocada a necessidade de retomarem seus organismos de representação. De possuírem sindicatos independentes de governos e patrões, de uma organização democrática. Enfim, é o grande debate que deve ser feito.
O que se conseguiu foi uma vitória parcial importante, mas o que digo é que tal triunfo foi atenuado, pois, se a campanha salarial já tivesse se iniciado em agosto ou no começo de setembro, teríamos provavelmente saído da greve com um reajuste da proporção dos metalúrgicos ou das montadoras, cujas negociações atingiram cerca de 11%. Para os bancários ficou em 10% - para quem ganha até certo patamar, porque para os outros ficou em 8,5%. É uma vitória parcial considerando-se que já havia explodido a crise. E o elemento de parcialidade, essa limitação, é proporcionado mais uma vez por uma direção inconseqüente, que em função de seus interesses retardou a campanha e acabou prejudicando a categoria.
CC: E o que você vislumbra com relação aos próximos tempos de lutas para a classe?
DT: Imagino muitas dificuldades. Os ataques aumentarão a um nível e proporção cuja dimensão ainda não temos. Essa crise do capital é seríssima. Apesar de todas as declarações, não é só uma crise financeira, o centro dela é a crise de superprodução do capital e a saída clássica será, necessariamente, o aumento da exploração, em patamares muito elevados.
Creio que seria um tanto aventureiro querer anunciar todos os detalhes e prognósticos de evolução de tal processo. O que está claro é que virá um ataque brutal. Para aumentar a remuneração dos banqueiros, vão tirar de onde? Na semana passada, já se noticiou que as capitais começaram a discutir remanejamento de dinheiro. Significa liberar dinheiro público para garantir os banqueiros, tirando da saúde, da educação, como fizeram nos últimos anos, porém em níveis muito maiores.
Já vemos as férias coletivas sendo dadas, os cortes na produção de aço, enfim, isso é recessão. Dentro de tal quadro, é necessário buscar desde já um debate estratégico de saída para a crise.
Como se dará o processo ainda não sabemos, precisamos observar. Às vezes, num momento de crise, há uma retração dos movimentos por conta do problema do desemprego, enquanto em outros explodem grandes mobilizações. Já em algumas ocasiões, acontece uma diminuição da luta sindical que desemboca em organizações populares muito radicalizadas, conforme nos mostra a história.
O que precisamos fazer é evitar o apego a alguma fórmula. Ter a clareza de que os ataques aumentarão, assim como as contradições, e dentro disso teremos de estimular a possibilidade de luta de resistência e enfrentamentos ao aumento da exploração sobre o conjunto da população. Pela via que se nos apresentar.
Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.
{moscomment}
Comentários
Assine o RSS dos comentários