Transposição: o estupro da Caatinga
- Detalhes
- Roberto Malvezzi
- 03/12/2008
"É de cortar o coração". Foi dessa forma surpreendente que uma repórter – uma profissional - se referiu ao que viu nas obras da transposição em Cabrobó. Ela vira a devastação da Caatinga pelo Exército, as montanhas de árvores empilhadas, justamente numa região onde a desertificação mais avança no semi-árido brasileiro. E olha que o Exército é responsável por apenas 3% da obra e não fez muito mais que 1%. Portanto, o que ela viu é apenas um aperitivo.
Se a obra for à frente, aproximadamente 1000 km de canais cortarão a caatinga, sem falar no que vem depois em cada estado receptor. Com o propósito de isolar 2,5 km em cada margem, o resultado final do desmatamento será de pelo menos 2,5 mil km². Não é pouco para uma área já em processo de desertificação.
Some-se a esses dados iniciais toda a perspectiva que o aquecimento global traz para o semi-árido brasileiro. Segundo a Embrapa, haverá, no melhor dos cenários, a diminuição de 20% no regime das chuvas e também no volume atual do rio São Francisco. Mais: o nível de evaporação vai se intensificar a cada centígrado de elevação da temperatura.
É por aí que passa a encruzilhada da civilização brasileira, desde o Vale do Itajaí ao Vale do São Francisco. Para uns, a obra da transposição é desse tipo de "orgulho nacional", como nos tempos do regime militar. Para outros, não passa de um estupro da caatinga, do rio, de "cortar o coração".
Roberto Malvezzi, o Gogó, é coordenador da CPT – Comissão Pastoral da Terra.
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Comentários
Precisamos unir forças para direcionar o nosso governo a ouvir mais as pessoas que vive em cada habitat onde se tem pensado em desenvolvimento apenas seguido por orientações técnicistas, isso é muito perigoso. Os americanos sabem as catastrofes que já provocaram por atitudes assim.
Saudações nordestinas,
Valmir
Ao contrário de você, nasci no sul e moro há trinta anos no sertão da Bahia, trabalhando com comunidades com fome e sede. Temos já bastante soluções para resolver o problema da sede humana por aqui. É só fazer as adutoras previstas pelo próprio governo, captar a água de chuva devidamente. Nosso trabalho de cisternas já colocou água potável para 300 mil famílias. Uma simplea adutora - a do Sertão -, feita pelo governo do Pernambuco, colocou água em 11 municípios da região de Luis Gonzaga, como Ouricuri, Granito e Exu. Podemos dispensar toda mega obra e toda demagogia hídrica. Com metade do dinheiro da transposição, fazendo obras assim, poderíamos oferecer segurança hídrica para 44 milhões de nordestinos, quase quatro vezes o que diz oferece a transposição. Seria bom você vir ver o que está sendo feito pela ASA (Articulaçào do Semi-árido) na terra que você nasceu.
Aí você vai entender melhor o que estamos dizendo.
Roberto.
Saudações
FM
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