Discurso à parte, preservação ambiental continua sendo preterida por agronegócio
- Detalhes
- Gabriel Brito
- 09/12/2008
Com a entrada em cena do mês de dezembro, começa no país a contagem regressiva para os recessos de fim de ano, inclusive em nossa vida política. No entanto, talvez com a intenção de aproveitar o momento de menor efervescência dos debates, pode-se notar uma nova ofensiva dos projetos defendidos pela bancada ruralista no Senado e na Câmara dos Deputados.
Em um ano recheado de discussões em torno de planos, leis e medidas de conservação da Amazônia, e quando o Brasil divulga um projeto de redução do desmatamento, chega a impressionar a quantidade de emendas e projetos de lei que vão em direção aparentemente oposta a qualquer política de preservação da floresta. Obviamente, o governo divulga-os como medidas benéficas para a região. Porém, todas, ou quase, são logo rechaçadas por ONGs, ambientalistas e especialistas independentes.
"Enquanto não se tomar uma atitude objetiva e concreta de retomada das terras públicas na Amazônia, não há qualquer possibilidade, qualquer que seja a política, de frear o desmatamento", afirmou o geógrafo Ariovaldo Umbelino a este Correio no mês de outubro. E não são poucas terras, algo em torno de 210 milhões de hectares. "Toda ação pública deveria começar pela questão fundiária", completa o pesquisador Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em entrevista ao Repórter Brasil.
A iniciativa é defendida pelo próprio governo, como já manifestou o ministro Mangabeira Unger. No entanto, é nos detalhes que mora o demônio. Sob a justificativa de acelerar a regularização de terras, o ministro da agricultura Reinold Stephanes propôs alterar o código florestal e anistiar quem ocupou e desmatou terras ilegalmente em áreas de preservação, pois de outra forma o agronegócio ficaria inviabilizado.
Além do mais, os ministros voltam a convergir quando defendem a regularização de terras de até 1500 hectares sem a necessidade de licitação, medida já popularizada como Plano de Aceleração da Grilagem, numa política que para Mangabeira não precisaria estar diretamente associada aos Zoneamentos Ecológicos Econômicos (estudos que cada estado ocupante do bioma amazônico deve fazer em seu território).
"Só quando for feito o zoneamento de cada região é que vão aparecer as diferenças sub-regionais de cada uma delas. A parte científica e técnica é a mais importante: fazer um detalhamento em termos de seu desenvolvimento internalizado", já dissera o também geógrafo Aziz Ab’Saber a este Correio. "O conhecimento dessas realidades regionais, tanto em pequenas como em grandes cidades, é muito importante para identificar os problemas de vários setores", explica.
Jogo duplo
Tal fato pode ser encarado como mais uma demonstração da ambigüidade do governo brasileiro em relação aos temas ambientais em todo o decorrer do ano. Na Europa, Lula apresenta um plano de mudanças climáticas que pretende reduzir o desmatamento em 40% por dois quadriênios seguidos até 2017. Mas dentro do país do presidente, o que se vê é o avanço em bloco de projetos defendidos pelos ruralistas e parlamentares defensores de seus interesses.
"O próprio Plano exalta o papel do agronegócio. O governo está consciente de que o agronegócio vai continuar pressionando a floresta. O país já fez a opção pelo agronegócio. O controle do desmatamento é apenas um aspecto desse plano. O país quer fazer a proteção ambiental, mas não está mexendo na matriz econômica que é a geradora do desequilíbrio ambiental", critica Umbelino.
Essa submissão das políticas ambientais e econômicas aos interesses do agronegócio adquire tons preocupantes quando se verifica que mais uma vez cresceram os índices de desmatamento no país. De acordo com o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a quantidade de floresta que desapareceu subiu 3,8% no último período de 12 meses avaliado, entre julho do ano passado e agosto deste.
A isso se soma a nova ofensiva ruralista em aprovar a alteração de lei que permite desmatamento de até 50% da propriedade, reduzindo drasticamente a área obrigatória de preservação, por ora em 80%. Como em outros casos, a justificativa é a de que, com tal redução do limite, o pequeno proprietário se beneficiaria.
A seqüência de tentativas de aprovação de medidas que atendam aos interesses deste setor de nossa economia é na opinião de muitos uma estratégia para obter pelo menos parte delas. Explica-se: perto de perdoar as dívidas de quem ocupou e desmatou ilegalmente, baixar a área de preservação da propriedade de 80% para 50% parece menos comprometedor. Assim, o agronegócio iria conseguindo, uma a uma, as concessões que deseja do governo.
Entretanto, e até pelo histórico brasileiro da luta por terra, é bom ficar atento quando os grandes proprietários bombardeiam de lobbies o governo em nome dos pequenos produtores. "A elite brasileira raramente botou a mão no bolso para comprar a terra. Ela sempre criou instrumentos legais para se apropriar gratuitamente de vastas extensões de terras no Brasil", lembra Umbelino.
Desmatar em nome da crise?
Num momento em que os tempos se anunciam mais difíceis a partir da crise financeira, é aconselhável olhar para o meio ambiente sem descolar o olhar do grande crash que assolou a economia mundial em 2008. Políticas vantajosas a um agronegócio estritamente exportador podem cruzar ainda mais o caminho da defesa do meio ambiente.
Contando com legislações ambientais mais rigorosas, os países europeus poderiam buscar em outros locais os produtos dos quais precisam, como os biocombustíveis, bandeira de Lula em suas excursões, e fonte de energia renovável. Tal equação resultará inexoravelmente no aumento dos plantios em território nacional, o que aumentaria sensivelmente as repercussões ambientais negativas em solo pátrio, fazendo a pecuária adentrar ainda mais a região amazônica.
"O histórico do Brasil não confere muita credibilidade ao país, qualquer coisa que eles prometerem é visto como tática de negociação". É assim que pensa o presidente da ONG Global Forest Coalition, Miguel Lavera, em declaração à BBC em meio à reunião da ONU sobre o clima, em andamento na Polônia, quando questionado das intenções brasileiras de redução do desmate.
Postas as cartas na mesa, o tempo dirá se o governo blefa para o povo e joga para o agronegócio ou o contrário. Dirá também se nossos planos para a Amazônia são realmente sustentáveis ou se o são somente para quem a põe no chão.
Gabriel Brito é jornalista.
{moscomment}
Comentários
Concordo com a sua desconfiança frente aos beneficios prometidos devido ao Agronegocio. Vejo que nao só na regiao Amazonica como também em nossa regiao Sudeste, o tao declamado desenvolvimento sustentavel seria obtido com simples ações como: Incentivar e desenvolver junto as comunidades locais, cooperativas e pequenas industrias de produtos Alimenticios caseiros. Assim, motivando o pequeno agricultor e moradores de cidades interioranas a continuarem em sua terras e nao aumentar o crescimentos de favelas nas metropoles. Muitas familias veem mais beneficios ao venderem suas terras a grandes empresas pois o pequeno produtor nao tem incentivo nem apoio para crescer e se sustentar.
Há pouco menos de quatro anos escrevi o primeiro artigo com o título acima.
Denunciava as más práticas agropecuárias, a intensa dependência de insumos tóxicos e aos mercados internacionais de “commodities”. Criticava a falácia dos “muitos” empregos gerados no campo (2,5 empregos a cada 400ha de terra), e concluía afirmando a mais completa insustentabilidade deste sistema agropecuário extremamente intensivo e monocultural, tanto sob os pontos de vistas ambiental e econômico, quanto relativo à qualidade dos alimentos produzidos. A tragédia dos transgênicos também foi apontada, naquele artigo.
Logo em seguida à sua publicação, lembro-me que o presidente Lula optou por liberar um crédito para pagamentos, principalmente, de insumos (fertilizantes, sementes e venenos) devidos pelos agricultores às empresas multinacionais que dominam o setor. Esta atitude apenas expôs, ainda mais, a transferência de nossos recursos naturais, para os cofres destes verdadeiros sanguessugas de nossa agropecuária.
Para o leito de empresas como a Monsanto, Rhodia, Bayer, Roche, Novartis, Syngenta, entre outras escorrem os benefícios advindos de nosso ciclo natural que se inicia com a alta insolação que acomete ricamente o nosso país, a abundância (ainda) de água e solos férteis, e consolida-se com a portentosa capacidade de produzir seja lá o que for e municiada pela maior biodiversidade animal, vegetal e de microorganismos, constituindo assim o Brasil, na maior usina de fotossíntese do planeta.
O emérito cientista e professor Bautista Vidal fala linda e verdadeiramente sobre esta capacidade de geração de energia produtiva da biomassa, em nosso país. A maior do mundo.
Mas, tudo isso está em risco! As sucessivas crises, agora permanentes, nos mostra isso, com clareza. Senão vejamos.
1)O Brasil detém a maior parte da água doce potável e utilizável na agropecuária do planeta. Mas a água doce representa apenas 3% da água existente na Terra. Destes 3% de água doce, 2/3 (66%) são utilizadas e contaminadas por fertilizantes nitrogenados e fosforados, além de venenos e medicamentos tóxicos de toda a sorte, nesta agropecuária predatória que chamamos vulgarmente de agronegócio corporativo, principalmente na produção de “commodities” como soja, milho, arroz, algodão, boi e fumo. Todos estes artigos com preços determinados por bolsas internacionais, no tal “comércio globalizado”.
2)As empresas que implantam seus “ovos de serpentes” aqui, são as mesmas que fazem o mesmo na Argentina, Tailãndia, Países Africanos, México, e outros, enfim podendo estas corporações manipularem seus preços ao seus bel prazer (e interesses).
3)Este é o jogo. Estimulam de forma insustentável uma super produção das matérias primas em vários países para poderem vender seus insumos patenteados e jogar com os preços, em função de uma rentabilidade determinada previamente com as vendas para os mercados do primeiro mundo, que as industrializam, agregando os valores necessários para sustentarem as suas insustentáveis práticas agropecuárias “modernas” (animais em confinamento, cultivos transgênicos, entre outros).
4)Assim, as crises vão se sucedendo em nosso campo, não só pelo conservadorismo e tacanhez dos ruralistas (com honrosas exceções), mas também pela própria natureza das relações comerciais entre um setor que produz matérias primas de forma totalmente dependente dos insumos industriais que, por sua vez, são patenteados e produzidos pelos mesmos que nos compram a preço vil, os ingredientes para a ração de seu gado, fumaça de seus cigarros, cafezinho, tecidos e toda a sorte de iguarias para consumo, fartos lá e escassos aqui.
5)A perda de substância e fertilidade de nossos solos, além da devastação da quase totalidade de nossas áreas com ecossistemas nativos também é causada por estas práticas agropecuárias insanas. A lixiviação de macro e micro elementos minerais e matéria orgânica, de permanência impossível em solos degradados leva nossa pujança produtiva literalmente para o ralo, ou rios. Junto com toda a sorte de resíduos tóxicos persistentes na natureza por séculos.
6)A transfiguração da homeostasia climática para regimes de verdadeiras catástrofes de toda a sorte, como secas intensas ou enchentes diluvianas. Tivemos uma extensa seca na região dos igarapés amazônicos, nos brindando macabramente com imagens que nunca imaginamos que veríamos. Leitos de rios totalmente secos dentro da maior reserva de água doce do mundo! E dizem que Deus é brasileiro...!
7)A conseqüente debacle na produção de grãos e outras “commodities” agropecuárias de exportação, a pressão para a importação de derivados lácteos já industrializados, a falta de proteção governamental, a incapacidade dos ruralistas diversificarem seus produtos, o impasse da reforma agrária e insuficiência técnica e conservadorismo dos seus projetos. Todas estas causas juntas promovem a maior crise já vista no setor, pelo seu caráter permanente no campo. Com todos os seus reflexos na vida e economia das cidades.
E o que faz o mal informado, e por isso alienado, presidente Lula? Num arroubo de meia generosidade oportunista e eleitoreira libera mais um pacote para o setor, desta vez no valor de R$60 Bilhões, em meio a ameaças reais de paralisação da vida do país e não pelo PCC paulista, mas sim pela interrupção de nossas vias rodoviárias por produtores e ocupações de prédios públicos e terras improdutivas, pelos Sem Terras.
E para quê estas verbas? Novamente para saldar dívidas passadas dos produtores com bancos e cooperativas relativos aos mesmos insumos agropecuários (fertilizantes, sementes e venenos, além de algumas máquinas e equipamentos), acentuando a transferência de recursos do campo para as cidades (dos países dos outros...).
Assim vemos a recorrência deste círculo vicioso de nossa agropecuária dependente e monocultural e pouco audaciosa na agricultura familiar e reforma agrária. E em um cenário de forte queda dos preços agrícolas e flutuação descendente do dólar, descapitalizando ainda mais o setor.
Deste montante liberado, o agronegócio corporativo fica com cinco vezes mais numerário do que a agricultura familiar. É uma relação perversa. Não importando aqui os números absolutos do crescimento das verbas para a agricultura familiar. A relação ainda é muito desvantajosa. Principalmente porque pouco avança as compras públicas dos produtos deste setor, de forma encorajadora para os pequenos produtores, ainda despossuídos dos meios de produção agroindustrial e, por isso, dependentes de indústrias corporativas que os exploram vilmente e sob a placidez e abulismo (des)governamental.
Pera lá! Mas não era para mudar este cenário que o presidente Lula foi eleito? Não era ele que dizia que faria uma reforma agrária pacífica? Que apoiaria a agricultura familiar e combateria os transgênicos? Que faria o Fome Zero e daria o primeiro emprego a milhares de jovens? Afinal, o único jovem empregado até agora foi o seu próprio filho, o novo empresário fraudulento do Brasil.
O que aconteceu? Alguém pode me explicar?
Assine o RSS dos comentários