Belém, Brasil, Babel
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- Lucio Carvalho
- 30/01/2009
Feira livre das esquerdas, vitrine social mundial ou simplesmente o último suspiro socialista antes do fim da História. Muitas são as denominações pejorativas debitadas ao Fórum Social Mundial por seus detratores, mas nenhuma delas consegue traduzir o que está ali mais que evidente: a multiplicidade de experiências, expectativas e esperanças de quem tenta tramar uma lógica eqüidistante de um mundo que na atualidade se coloca por conta e risco numa crise que evidencia em definitivo a fragilidade de um modelo social e econômico avesso a priorizar o ser humano, incapaz de oferecer estrutura que suporte suas aventuras desmedidas em direção ao lucro e à especulação sobre o capital.
Como não poderia deixar de ser, o pano de fundo do Fórum Social Mundial de 2009, realizado em Belém do Pará entre 27/01 e 1º/02, é a crise econômica que se estabeleceu no mundo a partir de 2008 mas que bem antes de 2001 (data em que realizou-se o primeiro Fórum Social Mundial, em Porto Alegre) já insinuava-se nos altos índices de degradação social, econômica e ambiental que assolavam o planeta sob os olhos e mãos impassíveis de organismos multilaterais, governos e megacorporações multinacionais.
Também se deve lembrar a ascensão da primeira pessoa negra ao cargo de presidente dos EUA, Barack Obama. E ainda nesse mosaico, a ocupação militar israelense em Gaza e o horror que há muito extrapola a decência e que o mundo inteiro assiste como a um mero espetáculo televisivo. Esse pano de fundo deveria ser o suficiente para que os participantes do Fórum Social Mundial de Belém declarassem estar satisfeitos com a derrocada do modelo econômico preconizado em Davos e enfim parafraseassem os cartazes que se veem costumeiramente nos estádios de futebol, em que se lê: "eu já sabia".
Mas esse parece definitivamente não ser o espírito do Fórum, como aponta Boaventura de Sousa Santos (1): "Se não dermos a solução, ela virá de Davos, com mais capitalismo e menos direitos. São eles que estão pensando uma solução. Reunimos-nos (no Fórum) desde 2001 e não fomos nós que derrotamos o neoliberalismo, ele cometeu suicídio. Eles estão lá (em Davos) pensando o que vai ser o capitalismo depois da crise. E nós, o que estamos fazendo?".
Por certo, um fórum que trata de temas como o desenvolvimento sustentável, a educação em direitos humanos, a biodiversidade, o direito à saúde, os investimentos sociais, a transversalidade étnica, de gênero e cultural, o acesso a condições dignas de ocupação do espaço urbano e rural, inclusão social e a participação civil democrática, dentre muitos outros, está fazendo mais pela construção de um outro mundo possível do que um encontro apenas preocupado em salvar os lucros e preservar a especulação do capital. Mesmo que para isso utilizem-se recursos destinados por princípio ao desenvolvimento de serviços e programas sociais de primeira necessidade, tais como a erradicação da pobreza e o desenvolvimento de padrões dignos de saúde e educação para a população de países inteiros, que direta ou indiretamente financiam e alimentam a circulação do capital em escala global.
De certo modo a indagação de Boaventura é injusta, mesmo que sua intenção seja provocativa. Por conta de interesses diversos não se deve procurar unificar um discurso e uma prática, pois o conteúdo final muitas vezes é interpretado como se coubesse ao Estado e aos governos reunir e perpetrar o desejo de movimentos sociais complexos, os quais têm origem diversa e visam objetivos muitas vezes discordantes. Pretender entregar a diversidade dos movimentos que integram o Fórum a governantes é tão perigoso quanto precário. Perigoso porque não há garantia alguma de que os governantes possam ou queiram manter uma fidelidade de princípios. Já está mais que provado que o interesse dos governantes é governar, mesmo que ao custo de fugir a princípios que deveriam ser o seu norte inabdicável. E precário porque revelariam movimentos sociais tutelados.
A ideia de que o Estado seja um fim em si mesmo e de que ele responda em última análise pela sociedade está vinculada a um modelo político que muito pouco tem a ver com o espírito do Fórum Social Mundial. E a oportunidade do Fórum é a mais clara demonstração de que os movimentos sociais têm muito mais a contribuir à sociedade se respeitados em sua autonomia e sua história*. É bastante claro para a opinião pública que os governos têm suas próprias oportunidades de criar condições e investimentos em áreas sociais e as executa de acordo com suas opções políticas.
Ao diversificar os espaços de interlocução (entre as atividades paralelas ao Fórum Social Mundial estão ocorrendo o Fórum Mundial de Educação, o Fórum Mundial de Saúde, o Fórum de Autoridades locais, o Fórum Mundial de Mídia Livre, entre outros), fica demonstrada a capacidade de levar as questões de fundo do Fórum a debates mais particulares e a construir a partir daí um mais amplo painel de propostas e experiências, evidenciando a grande diversidade de espaços e atores sociais envolvidos.
Se as experiências e os movimentos reunidos no Fórum de Belém darão uma resposta a altura da crise mundial, se eles têm mesmo esse dever, se eles resistirão ao apelo dos governos que os querem sob sua vista, se manterão os princípios originais preconizados por Bernard Cassen, Ignácio Ramonet, Oded Grajew, João Pedro Stédile e tantas outras lideranças que muito se empenharam em constituí-lo, se eles terão condições de ter sua própria sustentabilidade e se poderão multiplicar-se através do próprio exemplo e fazer valer sua trajetória, não é uma resposta que se encontrará nas ruas de Belém durante estes dias.
O que encontraremos são pessoas e grupos de pessoas com muita disposição de conhecer-se e averiguar as formas mais efetivas com que a proposta fundamental do Fórum possa ser concretizada, mesmo que ainda não se consiga antever plenamente isso, como quer dizer Boaventura (2) ao afirmar que outro mundo é possível, mesmo que não saibamos ainda exatamente como ele possa ser. Desprezar tais expectativas é um grande risco. Mantê-las e revigorá-las ao ponto de que apontem pistas e/ou forneçam respostas a indagações simples como essa pode ser considerado um dos maiores méritos do Fórum Social Mundial.
* Durante os dias que antecederam o início do Fórum, um debate sobre esta questão de autonomia dos movimentos e políticas governamentais aconteceu entre alguns dos criadores do Fórum e políticos do atual governo. Nos links abaixo é possível acompanhar a cobertura jornalística sobre este debate:
- Edição atual não deve ser usada como palanque eleitoral, diz fundadora do evento.
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/01/23/materia.2009-01-23.8446567652/view
- Encontro está "atrasado" e precisa de atualização, diz sociólogo. http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/01/23/materia.2009-01-23.5422969957/view
(1) http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/01/29/materia.2009-01-29.1603948280/view
(2) http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?id_artigo=5874
Lucio Carvalho é editor-chefe da Inclusive - Agência para Promoção da Inclusão
Website: http://agenciainclusive.wordpress.com
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Comentários
Estive em três versões do FSM (exceto da India)e o que pode-se constatar é que embora exista toda a diversidade brilhantemente relatada em seu artigo, declaro que fiquei espantado com a burocratização do de Belém.
A UFBA fica ao lado de uma comunidade muito pobre a policia Militar e as forças especiais do governo Federal,ocupou o lugar e todas as recomendações é que se evitassem o bairro chamada \"Terra Firme\".
O preço cobrado poelo crachá R$ 30.00 era o muro de contenção para que os pobres fossem excluidos e não foram poucos.
Estivemos em uma atividade na UFRA sobre a criminalização da pobreaza e deicidmos quebrar o muro, saimos em passeata até o bairro t\"Terra Firme\".
Um bairro muito pobre, esgoto a céu aberto, crianças sem nehum espaço de lazer e uma população muito receptiva.
A atividade foi acompanhada por pouca gente, dentre eles Padre Amado de ANAPU Pará, este personagem trabalhou por 15 anos e denúnciou o descaso do governo com a matança no campo e a impunidade.
Veja bem , salvo melhor juizo nehum do0s organizadores denunciou a \"faixa de gaza\" de belem chamada bairro da \"Terra firme\", nem pelo que eu saiba a exclusão de todos os trabalhadores e estudantes pobres que não tinham 30 reais para compar um crachá.
Bem são só sintomas de que quem se arroga querer representar uma saída para o povo, não pode ter um extrutura que não caiba todo o povo, repito todos o povo, sem exclusão e sem guetos criados para que o sistema não mostre suas podridões.
Estou de alma lavada por ter poddido ir ao FSM e ir no \"Gueto de Teera Firme\", no entanto os turistas do FSM sertamente não conseguiram exergar o mundo real daquela terra e a vontade que os jovens da perifieria passaram, por não ter como pagar 30 reais, que lhes custaria a metade da bolsa familia que recebem dfo governo Federal.
Assim estou refeltindo se caso não aja uma mudança radical da forma de participação popular se vale a pena continuar inveistindo num evento que não consegue ir além da relação formal das organizações.
Saudações
Jorginho.
Saudações
O FSM quer diaslogar prioritariamente com a Sociedade, ou com os Governantes? Se for este último caso, com que "autoridade"?
Se for com a Sociedade, terá de abdicar da presença de QUAISQUER Governantes ou Partidos Políticos, assim como0 REPRESENTAÇÕES de Governos e Pasrlamentares. Um Fórum com Livre Participação, mas como representantes ou promotores e protagonistas, só o Movimento Social e Congênres.
Ao meu ver, esta edição do FSM, apesar da oposição de malguns bravos, inclusive do núcleo gestor, foi aparelhado pelos governos, do ponto de vista midiático (= para a maioria da população), além de ter sido palanque para lançamento de candidaturas, pelo próprio presidente Lulla que, mesmo com pequeno percalço, desfiliou com desenvoltura e foi ARTICULADAMENTE aplaudido, por gente preparada para tal.
O FSM não pode sucumbir a Governos. O FSM tem de dialogar PRIORITARIAMENTE com ma Sociedade e não com os Governos. O FSM tem de ser desaparelhado politicamente!
A "proteção" dos participantes do FSM, contra os Pobres e Favelados de Belém, com o ultrajante reforço de cerca de mil homens (aparentes) das Força Nacional e PM, além do esquema presidencial e ministerial, é o emblema do grande Rubicão que separa os que participam e os que têm de ser atingidos e incluídos, pelas ações do próprio FSM.
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