Mais do que nunca, Fórum Social pode influenciar e mudar a política
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- Gabriel Brito e Valéria Nader
- 12/02/2009
Encerrado no último dia 1, o Fórum Social Mundial (FSM), desta vez realizado em Belém do Pará, encontra-se em um momento que pode ser uma grande oportunidade para começar a provocar mudanças no modelo de desenvolvimento global, arruinado com a presente crise econômica e cada vez mais contestado pelas populações.
Para analisar tal contexto, e também fazer um pequeno balanço de sua nona edição, Oded Grajew concedeu esta entrevista ao Correio da Cidadania, destacando que mais do que nunca as proposições do FSM se justificam. O que para o presidente da organização Nossa São Paulo, e um dos idealizadores do encontro, torna importante a presença de políticos dispostos a ouvir novas propostas de superação do neoliberalismo e do mercado auto-regulado.
Após refutar a opinião de quem vê o FSM mais elitizado, pois daria espaço maior a entidades mais expressivas socialmente, Grajew afirma que os processos políticos são mudados somente, ou mais eficazmente, através da articulação da sociedade civil e organizada. O empresário ainda acredita ser falsa a divisão entre partidários de ações concretas e aqueles que vêem o Fórum apenas como mesa de discussões. Afinal, todos querem que dali saiam idéias que sejam levadas à prática pelos governos. "Trata-se de uma falsa dicotomia. Que eu saiba, ninguém pensa que se deva apenas debater, sem pensar em ações, ou, por outra, fazê-las às cegas, sem antes discutir nada".
Confira abaixo entrevista completa.
Correio da Cidadania: Qual o sentido de um evento como o Fórum Social Mundial na atual conjuntura, à luz dos objetivos e conjuntura inicial na qual foi idealizado e realizado? Reforçou-se o significado desse evento ou, porventura, estaria perdendo algo de sua essência?
Oded Grajew: O FSM foi criado como contraponto ao Fórum Econômico de Davos, que é o defensor do atual modelo de desenvolvimento, que a nosso ver gera desigualdade social, destruição ambiental ameaçadora à nossa existência e conflitos, por se basear na competição econômica e no mercado, que por sua vez tem necessidade até de vender armas para se manter em pé.
Nada disso mudou, pelo contrário, esse modelo se aprofundou, inclusive provocando e aumentando as diferenças entre ricos e pobres, promoveu guerras ainda mais agudas e a degradação ambiental está mais presente do que nunca, já que longe de ser revertida foi aprofundada. Por conta disso, Belém, na Amazônia, foi escolhida para abrigar o Fórum pelo significado simbólico daquela região, onde se vê presente muita riqueza cultural, ambiental, social, ao mesmo tempo em que esse enorme patrimônio da humanidade sofre ameaças.
Portanto, mais do que nunca, é necessário tal tipo de mobilização, porque o atual modelo de desenvolvimento causa todas as degradações citadas e escasseia os recursos naturais. Estamos correndo contra o tempo, pois já há muitas previsões alertando que, se em 15 anos não houver uma reversão drástica desse modelo predador, o processo se tornará irreversível. É como um câncer: você pode tratar até certo ponto, mas uma hora ele pode se tornar irreversível. Dessa forma, mais do que nunca, esse tipo de mobilização é necessário.
CC: Tem havido algumas observações salientando uma possível ‘elitização’ na organização do Fórum, com variadas dificuldades de acesso por parte de grupos sociais, comunidades menos organizados. Como é o diálogo e o espaço que o Fórum oferece a estes grupos, a seu ver, ainda que menos representativos socialmente?
OG: O comitê organizador do Fórum não trata de nada que não seja a abertura de espaço a quem queira organizar suas atividades, pois não há inscrição oficial. O comitê não escolhe os participantes e, além do mais, não é necessário pedir licença para participar. Basta concordar com a carta de princípios e inscrever a atividade. A única coisa que resta é alocar espaços para as atividades. A organização se registra, informa o tema e a expectativa de público, para que a partir disso tente se designar um local para sua apresentação.
Não sei o que significa essa elitização. Não é preciso apresentar recursos nem nada. Em segundo lugar, qualquer entidade, bairro ou região pode organizar o seu fórum social. Não precisa pagar taxa, preencher requerimentos. Qualquer lugar pode organizar seu fórum. Belém foi o encontro anual unificado, mas ao longo do ano podem ser feitos diversos encontros.
Portanto, não compreendo essa história de elitização. Não é um grupo de Estados que se reúne, convida quem quer e faz o que quer. Essa é a diferença do Fórum, um espaço aberto autogestionado. E cada organização faz do seu jeito.
CC: Tocando nesse ponto da organização, como você avalia o funcionamento, no sentido logístico, do Fórum? Muita gente reclamou das dificuldades de deslocamento, que complicavam por demais a chegada aos locais de atividades.
OG: A maior dificuldade foi a falta de informação. Realmente, tivemos problemas de informação quanto à localização de cada espaço, programações falhas que apontavam lugares equivocados de eventos, e que às vezes mudavam de local no último momento etc. De fato, houve falhas nesse sentido e claro que precisam ser corrigidas.
CC: É correta a impressão de que o Fórum estaria muito influenciado por políticos, carismáticos inclusive, e que isso tiraria o foco dos reais objetivos do encontro?
OG: Quem convida governos, políticos, são as organizações sociais participantes. Os governos não fazem nenhuma atividade, comparecendo apenas como convidados.
E é bom que estejam lá, pois o objetivo, evidentemente, da sociedade civil – e quem está na coordenação são entidades dessa sociedade civil, sendo que algumas convidam políticos – é influenciar as políticas de governo. Melhorar a educação, saúde, distribuição de renda, sistema fiscal e tributário, o modelo econômico, cada item passa por políticas públicas. E para efetuá-las é necessário influenciar políticos.
Sendo assim, o Fórum Social Mundial não é um fim em si mesmo, mas, sim, um meio. Se quiser influenciar nas políticas, é bom que receba políticos.
CC: Existem condições efetivas para que as proposições do Fórum se massifiquem e, de fato, influenciem mais em nossa política - de alguma forma, portanto, adquirindo concretude?
OG: Sim, vejo essas condições. Até porque só acredito que as coisas mudem através da articulação da sociedade civil, que passa por políticas públicas, evidentemente. A maioria de nossos políticos tem levado em conta os interesses dos financiadores de campanha, não os da população. E a única maneira de se contrapor a isso é a mobilização da sociedade.
Desde que o Fórum se iniciou aqui no Brasil mesmo, o mapa político da América Latina, de 2001 para cá, mudou muito. Vários presidentes de hoje eram freqüentadores do Fórum. E cada um, à sua maneira, incorporou idéias aqui discutidas.
Portanto, várias coisas aconteceram em termos de mudança na América Latina, além da resistência à guerra, que influenciou muito a Alemanha e a França em suas participações na invasão do Iraque. Vale registrar a presença da delegação norte-americana, também muito grande no Fórum. Não à toa nos EUA se viu um presidente eleito muito por conta do movimento da sociedade civil, como foi o caso de Obama, que era azarão até para ganhar as prévias do Partido Democrata, sendo que não venceria se dependesse dos votos tradicionais. E há ainda a questão ambiental, pois cresceu muito a preocupação com o tema, que entrou fortemente na agenda internacional nos últimos anos.
Creio que tudo tem a ver com processos da sociedade civil, para os quais o FSM é um dos espaços.
CC: Há uma polêmica, já de longa data instaurada, entre aqueles que consideram que o Fórum deve ser um espaço de debates, sem necessariamente caminhar para o estabelecimento de proposições concretas, e outros que vêem como imperativo – especialmente considerando o atual cenário de crise econômica internacional – que se caminhe para objetivos reais a serem atingidos. O que você pensa desse ‘conflito’?
OG: Nunca houve esse debate. Existe um debate de formação de consciência e para planejar ação, o que, aliás, é muito importante mesmo que pareça supérfluo, pois é através de discussões e troca de informações que as pessoas formam suas consciências. E é o que fazemos neste momento: tentamos formar consciência para que esta possa inspirar ações.
No entanto, o que não falta são propostas (ações são feitas depois) das articulações da sociedade civil. Entrando no site do Fórum, podem ser vistos uns 30 documentos que foram resultantes de várias assembléias. O que não faltam são propostas e calendários de ação e mobilização resultantes do FSM.
Trata-se de uma falsa dicotomia. Que eu saiba, ninguém lá pensa que se deve apenas debater sem pensar em ações, ou, por outra, fazê-las às cegas, sem antes discutir nada. Qualquer ação demanda uma preparação.
CC: O FSM caminha para uma alternativa socialista a seu ver?
OG: O Fórum é social mundial, ou seja, o social predomina. E dentro disso, existem modelos diversos, defendidos por diferentes correntes, com suas respectivas visões de sociedade.
De toda forma, a ênfase mais forte é no social; há os que defendem o modelo social-democrata; os partidários do modelo dos países escandinavos (o que não estaria mal); e outros são favoráveis à eliminação da propriedade e da empresa privada.
Enfim, há de tudo. E tamanha diversidade constitui uma das grandes riquezas do Fórum.
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
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