Correio da Cidadania

A crise é do modelo civilizatório

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É comovente – sem nenhuma ironia – o esforço de Obama de reerguer os Estados Unidos. As propostas no campo das energias limpas, prometendo milhões de empregos e propondo novas tecnologias são saídas inteligentes, para o futuro. O próprio presidente americano já admitiu que "talvez não voltemos a ser mais o que éramos". Mas, partiu no rumo certo.

 

É comovente também Lula, extremamente preocupado com o desemprego dos brasileiros. Nesse sentido, Lula é sincero. Sua visão de mundo gira no sentido de alavancar o capital e, assim, gerar empregos. Mas ele não consegue visualizar outra possibilidade de sociedade. Por isso, o Brasil, ao contrário de caminhar na direção de seu potencial eólico, solar, de biodiversidade, incorporando as populações num novo processo civilizatório, onde o Brasil pode ser a ponta de novas tecnologias, de uma nova ciência e de uma nova economia, insiste em rumar ao passado, com um programa energético absolutamente vencido, baseado na energia nuclear, termoelétricas, petróleo da camada pré-sal e grandes obras que não se sustentam em si mesmas. É pena, mas, mesmo que Mangabeira se considere o grande estrategista no "vazio das idéias brasileiras", ele mesmo pensa na lógica de prosseguir nos moldes da civilização decadente.

 

É comovente ver gente das esquerdas lamentar que "o neoliberalismo está em crise e as esquerdas não têm plano de saída". Não têm porque também as esquerdas tradicionais são tributárias desse modelo de desenvolvimento produtivista e predador. Quando o muro de Berlim caiu, os países do Leste Europeu estavam numa situação ambiental mil vezes pior que os de tradição capitalista. Portanto, só as esquerdas que entenderem que a crise é do modelo, não apenas do neoliberalismo, poderão contribuir na construção de um novo modelo civilizatório.

 

A crise do modelo prevista – é preciso, sim, ressaltar - não será apenas "longa e prolongada" como afirma João Pedro Stédile, mas irreversível. Mesmo que haja espasmos mais serenos – mais ou menos emprego, economia mais dinâmica ou mais estagnada -, ao avançarmos para o esgotamento total do petróleo (instransponível), o escasseamento dos solos agrícolas, da água, da biodiversidade, com a agravante do aquecimento global, a humanidade terá que se reinventar porque os impasses serão objetivos e intransponíveis. Impossível uma transição sem sofrimento. Porém, toda crise traz em sua essência a dor e a nova possibilidade de modo inseparável.

 

Que sociedade e que planeta nos aguardam num breve futuro? Não sabemos. Até o final do século, a sociedade e o planeta serão completamente diferentes do modo como hoje os conhecemos. O pior dos cenários é projetado por James Lovelock – 4 bilhões de pessoas morrerão por conta do aquecimento global e o planeta será tórrido, com vida apenas nos pólos. Impossível prever o que sobrará da atual sociedade humana. Mas ele mesmo admite que Gaia é maior que nossa compreensão e que o melhor agora seria uma "retirada sustentável", enquanto Gaia nos permite diálogo. Um cenário menos dantesco a FAO nos ofereceu esses dias: a população do mundo vai chegar a nove bilhões em 2050 e a produção de alimentos vai cair 25%.

 

O Brasil poderia sair na frente com uma "CHESF EÓLICA", uma "CHESF SOLAR", uma grande empresa de pesquisa da biodiversidade, uma reforma agrária ampla para ampliar o lastro produtivo de alimentos – numa crise civilizatória, energia e alimentos são as bases imprescindíveis da transição -, um novo campo de tecnologias para energias limpas, transportes coletivos, assim para frente. Mas o que temos é o PAC nos moldes do regime militar, embora ele tenha a dimensão positiva – que poderia avançar – do saneamento ambiental. Essa sim, uma dimensão também do futuro.

 

Enfim, nem a esquerda e nem a direita têm a solução porque simplesmente ela não existe. Não há carta na manga e nem coelho na cartola. Mas precisamos de lideranças que tenham uma visão consistente da crise civilizatória e decidam dar passos para o futuro, conclamando não só os "cérebros", mas o conjunto organizado, inconformado e criativo da sociedade. Esse é o vazio.

 

Roberto Malvezzi (Gogó), ex-coordenador da CPT, é agente pastoral.

 

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Comentários   

0 #8 Manoel Augusto Dias Soares 04-05-2009 17:33
Enfim, nem a esquerda e nem a direita têm a solução porque simplesmente ela não existe." Isto é, não há mais solução para o modelo que está aí, mantendo o status quo. O mundo chegou a um impasse: precisa dar um passo à frente, um salto como o que o fez mudar da escravidão para o feudalismo, do feudalismo para o capitalismo. E é para isto que "precisamos de lideranças que tenham uma visão consistente da crise civilizatória e decidam dar passos para o futuro, conclamando não só os "cérebros", mas o conjunto organizado, inconformado e criativo da sociedade". É aí que a porca torce o rabo, pois os donos do mundo, que desde o começo do séc. XX fomentam o caos que se aproxima, não vão entregar fácil a rapadura. Mas, como bem diz o autor deste brilhante texto:"Impossível uma transição sem sofrimento. Porém, toda crise traz em sua essência a dor e a nova possibilidade de modo inseparável." Socialismo? Não importa o rótulo, mas, sim, a necessidade de se preparar para uma longa e dolorosa luta na busca de um salto certeiro para futuro da humanidade. Parabéns ao Sr. Roberto Malvezzi pela sua lucidez e pela sua capacidade de, num pequeno texto, demonstrar toda a sua sabedoria
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0 #7 Paulo 04-03-2009 14:27
A direita liberal ja ressuscitou Keynes. A esquerda arrependida felizmente esta ressuscitando Marx .
Com a atual degradacao ambiental e o agravamento do desemprego com essa crise, nao sera tao ma ideia ressuscitar tambem Malthus .
Estou brincando , mas junto com uma nova visao de desenvolvimeto social e integrado ao meio ambiente ,tambem devemos pensar na questao demografica .E impossivel pensar em sustentabilidade com altas taxas exponenciais de aumento da populacao .
{Claro sei ,que os problemas socias atuais sao resultado do modelo capitalista } .
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0 #6 Hailton F. Araújo 02-03-2009 13:45
As soluções são óbvias, mas as pessoas como o próprio Lula, vivem em um mundo diferente, anestesiados e coberto por uma névoa de pessoas que compõem uma cúpula, como a do vaticano, que realmente governa, que só pensa no poder, no dinheiro, na manutenção de seu status. Em relação à crise econômica mundial, uma curiosidade. Parece que, acostumados com a necessidade de enganar a população do mundo, fatos óbvios passam despercebidos aos mentores do capitalismo neolibeal: Uma conta simples, se os 800 bilhões que obama quer partilhar com os causadares da crise e das outras mazelas que vivemos, fossem partilhados com 800 mil desempregados daquele pais, ($800.000.000.000/800.000=$1.0 00.000)poderiam gerar 800 mil novas empresas, cada uma com o capital de 1 milhão de reais) ou 8 milhões de empresarios cor $100.000,00.
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0 #5 hHailton F. Araújo 02-03-2009 13:45
Realmente, existem alternativas, mas quem as poderia executar, como o Lula, vivem em um mundo diferente das origens, cercado de uma núvem de fumaça representado pelo circulo de pessoas que o cercam, com interesses diversos, desde manter o status, cargos, até o compromisso com a manutenção e aprofundamento do modelo neoliberal. Em relação à crise, uma curiosidade: Obama quer partilhas $ 800 bi com quem causou e mantém a crise,(só algumas montadoras querem 60 bi) se dividisse com os 800 mil desempregados geraria 800 mil empresas com $ 1 milhão de capital, ($800.000.000.000/800.000=$1.0 00.000)ou 8 milhões de pequenas empresas com $ 100 mil cada.
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0 #4 guimarães s.v. 01-03-2009 19:52
gostei! Gogó, cê põe o dedo na ferida, em particular, das esquerdas. a maioria dos analistas ainda não se deram conta de que a dita "civilização ocidental cristâ" apodreceu e uma nova civilização se gesta sob seus escombros. a questão não é só de se criar outro mundo possível, mas de "limpar", oxigenar, a mente e alma das pessoas com cerca de dois séculos de contaminação pelo capitalismo. assino em baixo. parabéns.
sérgio guimarães.
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0 #3 A crise é do modelo civilizatórioRoberto Malvezzi 01-03-2009 07:38
Antônio,

De fato temos muitas possibilidades, mas dispersas, sem fazer uma articulaçào que se transforme numa estratégia de futuro para o país. É nesse sentido que a "solução não existe". Mas, pode mesmo existir até com relativa facilidade. Aí entra o desafio para uma esquerda inteligente, arejada, capaz de ler o mundo contemporâneo e interferir no processo histórico.
Roberto.
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0 #2 Antonio Julio de Menezes 27-02-2009 21:25
Parabéns pelo artigo. Porém, fiquei um pouco sem entender quando você disse que nem a esquerda e nem a direita têm a solução porque simplesmente ela não existe". Como, se você mesmo apresenta diversas e excelentes alternativas?
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0 #1 Professorvenceslau alves 27-02-2009 13:05
Excelente reflexão! Concordo com todos os argumentos do autor, particularmente aquele que enxerga um "vazio" na carência de "lideranças que tenham uma visão consistente da crise civilizatória e decidam dar passos para o futuro, conclamando não só os "cérebros", mas o conjunto organizado, inconformado e criativo da sociedade.
concernente à nossa necessidade de líderes". Essa é a mudança de que precisamos, se queremos continuar a existir!
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