Correio da Cidadania

Vende-se: São Paulo

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A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal aprovou no último dia 26 um projeto cuja continuidade arrisca tornar a cidade de São Paulo um nefasto modelo de urbanismo onde tudo é possível, desde que seja para satisfazer os lucros do mercado imobiliário.

 

No processo de revisão do Plano Diretor, que vem sendo tocado de forma polêmica pelo Executivo Municipal – dada a absoluta ausência de processos efetivamente participativos, como manda o Estatuto da Cidade –, propõem-se agora alterações pelas quais o mercado imobiliário reinará absoluto na cidade, tomando decisões que deveriam ser do Poder Público. Vale dizer que a revisão já vinha sendo muito questionada pela Comissão Municipal de Política Urbana, desde 2007, porém sem nenhum efeito, já que o papel de tal comissão é absolutamente inócuo.

 

O favorecimento ao mercado imobiliário na urbanização da cidade já estava presente – porém de forma mais discreta – no Plano Diretor de 2002, em que se propuseram inúmeras Operações Urbanas. A lógica dessas operações, simplificadamente, é a seguinte: em perímetros determinados, permite-se a construção de edifícios com área maior do que o limite originalmente estabelecido pela lei, desde que se pague por isso à prefeitura. O dinheiro arrecadado deve ser destinado a melhorias urbanas na própria área, capacitando-a a receber esse excedente de área construída.

 

O problema das Operações Urbanas é que elas subordinam o planejamento urbano – uma atribuição pública, que deveria guiar-se pelas necessidades urbanísticas de toda a cidade – aos interesses do mercado. A prefeitura não mais planeja suas intervenções urbanas onde seja eventualmente necessário (melhorando ruas e construindo equipamentos na periferia, por exemplo), mas sim onde ela acredite que o mercado terá interesse em pagar para construir a mais. Como é pouco provável que as construtoras se interessem em construir altas torres, pagando por isso, em regiões como o Jardim Damasceno ou o Jardim Ângela, onde a necessidade de melhorias urbanísticas é premente, as operações urbanas acabam canalizando os investimentos urbanísticos para áreas já ultra-privilegiadas – aí sim onde o mercado se interessa – como, por exemplo, a Faria Lima.

 

Pois bem, se esse aspecto do Plano Diretor de 2002 já era interessante para o mercado, agora na sua revisão a prefeitura escancara de vez os mecanismos de favorecimento ao mercado imobiliário. Propõe que se adote nas áreas dessas operações e nas chamadas "áreas de intervenção urbana" o mecanismo da "Concessão Urbanística". Por meio deste, na interpretação juridicamente um tanto duvidosa do executivo municipal, transfere-se simplesmente ao mercado imobiliário a prerrogativa de desapropriar terrenos nas áreas em que este queira investir, e tenha adquirido o "direito" para tal.

 

A coisa funciona mais ou menos assim: a prefeitura decreta o "interesse público" das áreas, repassando a grupos privados o poder de desapropriar terrenos e de exercer o direito de preempção, a saber, de ter prioridade garantida na compra de qualquer imóvel à venda na área em questão. Assim, um grande grupo imobiliário poderá legitimamente desapropriar terrenos para ali incorporar seus projetos imobiliários e, supostamente, realizar melhorias urbanas públicas. Se nas Operações Urbanas as decisões de urbanização ficavam subordinadas a um eventual interesse do mercado, agora com a Concessão Urbanística quem decide essa urbanização é ninguém menos que o próprio mercado, em nome de um "interesse público" bastante duvidoso. Na prática, a prefeitura está não só abdicando de sua prerrogativa de planejar a cidade, como está repassando tal função a grupos privados cujo interesse – o lucro – evidentemente está longe de ser público.

 

O Ministério Público e a Defensoria Pública de São Paulo já se levantaram frente a tal aberração, apontando a inconstitucionalidade da idéia. O Defensor Carlos Loureiro chama a atenção para o fato de que apenas a exploração de serviços públicos pode ser concedida por meio de operações público-privadas e não a realização de obras públicas, como seria o caso nas áreas desapropriadas. Além disso, a concessão urbanística fere a Constituição Federal, que estabelece que a política urbana pode prever a cooperação público-privada, porém apenas para atender ao interesse social, e não, como é o caso, para atender aos interesses de lucratividade de corporações privadas.

 

Em suma, o que estamos assistindo em São Paulo é um repasse sem precedentes do papel e das prerrogativas do Estado sobre a urbanização da cidade para grupos da iniciativa privada, em áreas determinadas em que evidentemente há suposto interesse do mercado imobiliário em promover tais incorporações. Em uma cidade que tem quase metade da sua população vivendo na precariedade de favelas, loteamentos clandestinos, cortiços ou mesmo na rua, é estarrecedor pensar que sua urbanização ficará à mercê, em um número significativo de regiões, aos ditames do mercado imobiliário, cujo único interesse para com as populações que deveriam ser assistidas pelo poder público é vê-las cada vez mais longe, na periferia. Triste horizonte para uma cidade que foi posta à venda.

 

João Sette Whitaker Ferreira é arquiteto-urbanista e economista, mestre em Ciência Política e doutor em Urbanismo. É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e da Universidade Mackenzie, e membro do Conselho Municipal de Políticas Urbanas.

 

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Comentários   

0 #2 hemerson mendes vieira 10-04-2009 20:19
Interessante perceber que tais fatores expõem a dialética territorial cada vez mais evidente e quanto mais os pontos se distanciam o atrito futuro será cada vez mais inevitável. Depois está sociedade de antíteses não deseja o confronto, ora ele é inevitável pela própria construção desenvolvida pelo processo mercadológico. Coisa parecida acontece em minha cidade, São José dos Campos. Bairros que foram planejados para terem somente casas , erguem-se edifícios , favelas são destruidas e colocam a população em lugares distantes dos centros , mesmo eles desejando ficarem por ali, onde é mais fácil adquirir o sustento para suas familias. A longo prazo teremos "guerras" territoriais criadas pelos opostos que o sistema tem gerado no campo territorial com suas barreiras de miséria.

Hemerson Mendes
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0 #1 passeata contra pl 87Paulo Garcia 10-04-2009 17:22
Dia 14/4 a partir das 9:00 hs,
(partindo da Rua Santa Ifigenia esquina com Duque de Caxias), iremos em passeata até a Câmara Municipal. Lá chegaremos às 11:00, hora do início da segunda audiência pública acerca do pl87. Protestaremos contra esta perversidade que pretendem cometer com São Paulo. Agradecemos sua participação, mesmo que indireta, em nossa luta para evitar esta "aberração jurídica" que se aprovada nos remeterá aos tempos das sesmarias.
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