Os ‘valores’ da sociedade moderna: que atire a primeira pedra
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- Venceslau Alves de Souza
- 14/04/2009
Pesquisa da PUC-SP confirma aquilo que todos já sabíamos: mais da metade dos jovens paulistanos entre 11 e 19 anos, independentemente da condição social, não estão nem aí para os valores familiares e escolares e acham uma caretice essa história de conversa franca e aberta com os pais. Apenas 3% dos entrevistados apresentaram algum grau satisfatório de influência positiva de casa ou da escola em seu comportamento. Os pesquisadores atribuem o fenômeno às contradições do mundo contemporâneo.
Não é preciso ser um exímio conhecedor das teses de Zygmunt Baumann e de outros pensadores pós-modernistas para se compreender por que estamos tão angustiados e ambíguos na atualidade. Dizem-nos na infância para não agredirmos uns aos outros, para sermos bons meninos e meninas e tentam convencer nossos instintos mais animalescos de que a solidariedade deve ser a base da vida humana. Tudo muito lindo, não fosse a realidade moderna (ou pós-moderna) nos aporrinhando e nos dizendo que essa coisa de dependência recíproca é conversa fiada.
A verdade é que nos colocam na escola para aprender cedo a competir com nossos pares, para adquirir logo as ferramentas adequadas para massacrar e humilhar nossos rivais no mercado e garantir as melhores oportunidades para nós mesmos. Para ganhar tempo com os arranjos do trabalho, levam-nos para passear no Shopping Center e para agredir nossos estômagos com um "número 1", "número 2", "número 3", número 1000. Mas, você era o que você comia; não é mais?
Sim, parece conversa de surdos, e os exemplos são inexauríveis. Mas seria desonesto culpar os pais e a escola pela sina dos jovens.
A pesquisa verificou que se trata de um mal-estar da própria sociedade, que está sem rumo. O próprio Baumann chamou o fenômeno de "mal-estar da modernidade" cerca de duas décadas atrás. Esta modernidade diz que é errado "beber demais", enquanto nega a virilidade do jovem que não bebe! Ora, com quem ele (e eu, e o leitor) gostaria de se identificar? As "gostosas" estão com quem bebe nas propagandas de cerveja que a TV despeja no colo passivo de seus telespectadores! Talvez o êxtase do tesão imaginado permita ao jovem idealizar um mundo menos contraditório, e cuja ação analgésica, hipnótica e alucinógena lhe traga algum sentido para a vida. Fora desse mundo, não há tesão!
Quem já foi a uma festa rave pôde constatar como aquilo que os psicanalistas de botecos gostam de chamar de "vazios internos" se transformou em confusão mental. Um ácido apenas pode não valer mais do que uma resposta que nunca vem. Dois ou três ácidos, no entanto, parecem ajudar o jovem a entender por que seus pais são fiéis seguidores do "faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço": são crianças, como ele, e estão sem direção frente aos valores contraditórios da sociedade do consumo pós-moderno; todos estamos. A angústia é semelhante! Arrisco dizer que, se a pesquisa for aplicada a um grupo de gente de 20, 30 ou até mesmo de 40 anos, os resultados não se distanciarão significativamente: é gente confusa e angustiada de lá que não se mistura com a gente confusa e angustiada de cá.
Os adultos servem de modelo positivo de comportamento para apenas 17% dos entrevistados, diz a pesquisa. Ainda assim, o problema não é de homogeneidade na construção do jovem, mas de uma crise dos valores apresentada pela sociedade moderna, que não se resolve com os arquétipos que tínhamos. Gilberto Dupas já chamava a atenção para o problema há uns quatro anos. O fato é que as sociedades modernas ou pós-modernas, ou como se queiram chamá-las, desenvolveram instrumentos de sociabilidade que não permitem acreditar que os estímulos familiares e escolares que tínhamos ontem ainda tenham validade na sua totalidade. Mas, o que ainda tem validade?
Roberto Malvezzi, embora não nos diga como sair do imbróglio, sinaliza para a resposta, no excelente artigo que escreveu em 26.02, para o Correio, intitulado "A crise é do modelo civilizatório". O resto é postergação da angústia. Que atirem as primeiras pedras os felizes e realizados na sua plenitude.
Venceslau Alves de Souza é professor de Comunicação Social na PUC-SP e pesquisador do NEAMP – Núcleo de Estudos de Arte, Mídia e Política.
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Comentários
Adorei o questionamneto, agora vamos ver quem tem carapaça suportavel
VALEU AMIGO , PELOS NOSSOS IDEAIS
Realmente a temática que o Sr aborda no artigo é muito pertinente. Fiquei me perguntando: existe cura para esse mal?
Obrigada por compartilhar conosco suas idéias.
Abraços!
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