FAO deve reconhecer que plantações não são florestas
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- Correio da Cidadania
- 25/03/2017
Em 21 de março, Dia Internacional das Florestas, 200 organizações relembraram à Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) de que sua enganosa definição de floresta, datada de 1948, deve ser alterada. Essa definição ultrapassada permitiu que a indústria de madeira, celulose, embalagens e papel escondesse os impactos ecológicos e sociais devastadores das grandes plantações de monoculturas de árvores, que estão por trás de uma imagem florestal positiva.
A definição de floresta da FAO permitiu que a indústria chamasse desonestamente de “florestas plantadas” aquilo que, na verdade, são suas monoculturas de espécies de árvores de rápido crescimento, como eucalipto, pinus, seringueira ou acácia. Isso porque define uma floresta apenas em função de altura mínima, área coberta e porcentagem de cobertura de copa. Essa definição equivocada de floresta da FAO também foi usada como modelo para mais de 200 definições nacionais e internacionais desde 1948.
Sob o disfarce dessa definição, e usando nomes diferentes como “florestas plantadas”, “florestamento”, “plantações florestais” para fazer a lavagem verde de suas atividades, a indústria tem conseguido se expandir em ritmo acelerado, principalmente no Sul global, onde as plantações de monoculturas de árvores agora cobrem várias dezenas de milhões de hectares. Essa expansão rápida trouxe miséria para inúmeras comunidades camponesas e povos indígenas. Famílias perderam seus meios de subsistência onde as monoculturas de árvores tomaram suas terras, secaram suas nascentes e cursos d’água, envenenaram seus cultivos alimentares com agrotóxicos e destruíram seu modo de vida.
“Por quase 70 anos, a definição enganosa de floresta da FAO serviu bem à indústria de plantação de árvores, que conseguiu esconder a destruição ecológica causada quando florestas, campos e turfeiras biodiversas são convertidos em amplos ‘desertos verdes’ feitos de árvores clonadas da mesma espécie e de idade semelhante, plantadas em fileiras retas, por trás da imagem positiva da floresta fornecida pela FAO”, diz Winfridus Overbeek, coordenador internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais.
A proposta de “restauração da paisagem florestal” para a proteção do clima torna urgente a obtenção de definições corretas
“Com a adoção do Acordo de Paris das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a revisão dessa definição de floresta da FAO adquire uma nova urgência”, diz Guadalupe Rodríguez, da Salva la Selva/Rettet den Regenwald: “Seria uma tragédia se a definição equivocada da FAO tornasse a expansão dessas monoculturas de árvores nocivas elegíveis para receber fundos climáticos destinados a “reflorestamento” e “restauração da paisagem florestal”.
Isso prejudicaria ainda mais não só as comunidades locais, das quais as plantações de árvores tomam a terra usada para subsistência, mas também a verdadeira proteção climática: florestas e pastagens ricas em carbono poderiam ser destruídas e substituídas por plantações de monoculturas de árvores, e os países poderiam afirmar que, com base na definição de floresta da FAO, nenhuma “área florestal” teria se perdido, apesar da imensa perda de carbono, biodiversidade, recursos hídricos e meios de subsistência locais quando as florestas são substituídas por monoculturas.
Um exemplo de onde a designação errônea deliberada de plantações como florestas permite que a indústria de plantações de árvores aproveite os fundos climáticos é a “Iniciativa pela Restauração da Paisagem Africana” (AFR100). Lançada na conferência do clima da ONU em Paris, em 2015, a iniciativa visa cobrir 100 milhões de hectares que os governos africanos participantes consideram “terra degradada”. O Banco Mundial disponibilizará 1 bilhão de dólares para esse plano, baseando-se na definição de florestas da FAO para determinar quem é elegível para receber o financiamento.
Previsivelmente, uma das empresas de plantação de árvores mais polêmicas que operam na África, a Green Resources (2), com sede na Noruega, esteve entre os palestrantes principais de uma conferência de 2016 em Gana, onde a implementação da iniciativa AFR100 estava no topo da agenda.
O tema do Dia Internacional das Florestas da FAO em 2017 – “Florestas e Energia” – mostra a necessidade urgente de mudar a definição de floresta
“A demanda insustentável de energia por parte dos países industrializados, combinada com sua busca por novas fontes de energia ‘renováveis’, já está causando a conversão em grande escala de florestas em plantações industriais de ‘biomassa’. No entanto, a palavra ‘plantação’ não aparece nenhuma vez na página ‘Mensagens-chave’ da FAO para o Dia Internacional das Florestas de 2017”, diz Wally Menne, da Timberwatch Coalition na África do Sul.
Como exemplo, estima-se que, para atender a todas as necessidades de energia do Reino Unido com biomassa de eucalipto, seriam necessários cerca de 55 milhões de hectares de plantações em um país como o Brasil – cobrindo uma área de terra maior do que o dobro do Reino Unido.
Hoje, 200 organizações da sociedade civil e grupos de todo o mundo unem suas vozes aos mais de 130 mil grupos e indivíduos que apoiaram a petição apresentada no Congresso Florestal Mundial em 2015, demandando que a FAO enfrente o desafio e mude urgentemente sua definição de floresta, para excluir monoculturas de árvores, porque “plantações não são florestas”.
Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais