Com atuais prioridades políticas, São Paulo está condenada à inviabilidade
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- Gabriel Brito
- 10/09/2009
Na última terça-feira, 8 de setembro, os paulistanos retornaram do feriado prolongado no estilo cada vez mais característico de suas vidas: chuvas, trânsito colossal e mortes causadas por deslizamentos de terra. Tal situação não chega a ser novidade na metrópole, haja vista as tradicionais cheias de verão, que costumam dar aos moradores de regiões desestruturadas as ‘boas vindas’ de cada ano novo.
No entanto, com as tempestades realmente intensificadas desta semana, a situação alarmante da cidade voltou a superar marcas e prognósticos. Até o momento, oito pessoas já morreram e muitas ficaram feridas. De uma família com casal e três filhos em Osasco, sobrou apenas o marido, que trabalhava no momento da tragédia.
"A culpa da natureza é de 5%. Os outros 95% são do poder público, que não tem investido no combate às enchentes e formulado políticas nessa área, além de deixar, sobretudo, o mercado imobiliário mandar na cidade. O número excessivo de construções de condomínios, prédios, mais a falta de investimento em transporte público de qualidade vão levando a esse caos das enchentes", afirmou ao Correio o deputado estadual do PSOL Carlos Giannazzi.
Já para o prefeito Gilberto Kassab, a saída não poderia ser mais clássica. Mesmo com sua corrente à frente da cidade há 5 anos, o político do DEM atribuiu às gestões anteriores os problemas trazidos pela chuva. Ao jornal Folha de S. Paulo, disse ter investido 948 milhões de reais em limpeza pública em 2008, contra 590 milhões de Marta Suplicy. Porém, os números crus não consideram variações inflacionárias e econômicas do período, o que pode tornar a comparação ilusória.
Mas pelo lado da realidade, como também noticiado pela imprensa, os investimentos em limpeza e prevenção de enchentes diminuíram este ano. Só para a varrição, 20% do orçamento foram cortados; dos R$18,5 mi destinados a piscinões, apenas R$ 1,3 mi foi usado; para construção e reforma de galerias R$1,6 mi de R$7,1 mi foi gasto; nas bocas de lobo, o orçamento caiu em cerca de 25% em relação a 2008. Apenas a conservação de córregos e canais apresenta despesas equivalentes com a altura do ano em que nos encontramos: R$ 99 mi de 129,6 mi de reais. De toda forma, o gasto com o lixo cairá este ano dos citados 948 milhões para 765 milhões de reais. Qualquer relação com o ano eleitoral não parece mera coincidência.
"Isso é crime de responsabilidade. O Ministério Público tem de responsabilizar criminalmente o prefeito. E o governador José Serra também, pois ambos têm obrigações com relação a tais investimentos. A redução dos gastos com limpeza influenciou totalmente neste cenário catastrófico", acusa o deputado.
"O prefeito Kassab só investiu 7% da verba para a construção de piscinões em São Paulo. E isso é um verdadeiro absurdo, já estamos no mês de setembro. Quer dizer, não houve planejamento, investimento, mas sim redução da coleta de lixo para a cidade, que fica indo para os bueiros", completa.
Enfrentamento necessário
Buscando qualquer análise minimamente aprofundada, chega-se a conclusão de que os decenais problemas com chuvas na cidade englobam falhas estruturais de abrangência muito maior, ultrapassando os assuntos meteorológico e pluviométrico. Já é consenso entre diversas especialidades que o mau uso do solo da cidade e a falta de planejamento de construções afetam de forma temerária sua viabilidade futura.
Dissimulado, o prefeito criticou outras gestões por não aplicarem o plano diretor da cidade em seus mandatos. No entanto, finge esquecer que tem travado lutas homéricas com sua bancada na Assembleia Legislativa para derrubar o próprio Plano Diretor das Cidades, elaborado em 2001 e nunca levado a cabo, de forma a permitir uma ingerência ainda maior das empreiteiras no planejamento e execução de obras urbanas na capital, como já >denunciara o urbanista João Whitaker a este Correio.
"Se as operações urbanas do Plano Diretor de 2002 já eram interessantes para o mercado, agora na sua revisão a prefeitura escancara de vez os mecanismos de favorecimento ao mercado imobiliário. Propõe que se adote nas áreas dessas operações e nas chamadas "áreas de intervenção urbana" o mecanismo da "Concessão Urbanística". Por meio deste, na interpretação juridicamente um tanto duvidosa do executivo municipal, transfere-se simplesmente ao mercado imobiliário a prerrogativa de desapropriar terrenos nas áreas em que este queira investir, e tenha adquirido o "direito" para tal", explicou Whitaker.
Dessa forma, e sabedores que somos das umbilicais relações entre empreiteiras e eleitos de grandes cidades e estados, podemos verificar que não se busca enfrentar o problema a partir do interesse social e realístico da questão. Estudos já apontam que o congestionamento da cidade chegará a 500km em 2015, chegando a uma paralisia generalizada no trânsito, e o que se ouve como resposta do governo é o projeto de ampliação das marginais Tietê e Pinheiros.
"Concordo com os urbanistas que dizem ser inviáveis essas ampliações. É uma obra que irá privilegiar o transporte individual, já que não passam ônibus nas marginais, além da questão da impermeabilização, que é grave. E não resolve o trânsito em hipótese alguma, é uma obra extremamente eleitoreira, a ser feita próxima do pleito", aponta Giannazzi.
"É um erro histórico. E as pistas vão ficar congestionadas em seis meses", disse à Folha o arquiteto Vasco de Melo. Segundo este e outros especialistas na área, tal obra, ao invés de integrar, isolaria ainda mais os rios do restante da cidade, aumentando a vulnerabilidade de novos transbordamentos, em época em que as águas desses rios já não são mais as dos anos 40 além de tudo.
"O orçamento do ano que vem tem previsão de 27 bilhões de reais. Assim, é só investir em prevenção de enchentes, saneamento. Essa questão consta no Plano Diretor, é debatida anualmente na Câmara, comissões, aparece em toda eleição. Enfim, cortar verbas nessa área é um retrocesso histórico", critica o deputado.
No entanto, o parlamentar não joga apenas no colo da prefeitura a culpa dos prejuízos causados pelas tempestades, lembrando ser tarefa também do governo estadual a sua prevenção. "O governo Serra faz investimentos tímidos. Essa não tem sido uma prioridade do governo, que tem prerrogativa para ajudar muito mais, com obras dentro da própria cidade, ainda mais levando em conta seu tamanho e 11 milhões de habitantes, uma cidade-estado na prática, e que tem forte arrecadação e participação no ICMS".
Soluções: tão batidas quanto ignoradas
Além dos evidentes investimentos necessários na área de limpeza, outras velhas falências paulistanas voltam à tona em semanas de sofrimento para a população. "Deveria se investir em metrô e trem, que podem resolver a situação do trânsito caótico e do transporte público. A saída hoje são os trilhos, nem ônibus mais. A cidade ficou tão sobrecarregada que a saída só pode ser assim. Deveria ao menos investir na ampliação das ferrovias e da CPTM, para a periferia da cidade", aponta Giannazzi, batendo na mesma tecla de milhões de paulistanos.
No entanto, a resposta dada à população não é das mais animadoras. Mesmo prometendo mais investimentos em transportes em seu novo mandato, Kassab iniciou o ano congelando 69% do orçamento destinado à Secretaria dos Transportes Públicos, incluindo-se verbas previstas para o metrô.
A alegação do prefeito é a mesma de todos os setores do poder no atual momento: crise financeira. Esta, entretanto, já havia explodido no mundo inteiro à época das eleições, o que permitiria ao prefeito vislumbrar o cenário que se avizinhava, ou ao menos evitar falsas promessas.
Matéria publicada este ano pelo Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde em 16 de março atesta os números: "o prefeito se comprometeu a investir R$ 1 bilhão no Metrô em 2008 e mais R$ 1 bilhão até o fim do mandato, em 2012, mas há dificuldades à vista. No ano passado, foram repassados R$ 473 milhões. Este ano, dos R$ 218 milhões previstos, metade está congelada. Em janeiro, ao anunciar a contenção de gastos, motivada pela crise financeira, Kassab afirmou que a verba para o metrô não seria atingida. Outro compromisso eleitoral ameaçado são os R$ 300 milhões para o Rodoanel até 2012. Estão previstos R$ 65,4 milhões este ano, mas só metade está disponível. Nos cortes, foram mais afetados os corredores de ônibus. A Prefeitura congelou 63% dos R$ 124 milhões previstos no orçamento de 2009, aprovado pela Câmara".
"O prefeito já está em seu segundo mandato, possui um maior conhecimento da cidade, deveria saber de tudo isso, pois sabe que anualmente a cidade sofre com as chuvas e precisa de coleta seletiva, limpeza de bueiros. Nada disso é novidade. Deveria haver mais recursos para essas áreas, ao contrário do que vem fazendo", insiste o deputado.
"Já o governo do estado também tem obrigação de ajudar a prefeitura dentro da capital. Porém, tem feito isso de forma muito tímida. Mas vem aumentando o gasto em publicidade. Só este ano, houve crescimento de 200% da verba publicitária do governo estadual", informa. Na gestão Kassab, o aumento em publicidade foi de 134% em 2008.
Dessa forma, com a triste confluência de cortes orçamentários em limpeza e transportes, a perspectiva de saídas para a infindável crise da cidade parece distante. O fato é que o prejuízo, inclusive financeiro, causado por tais transtornos segue incalculável, com os paulistanos cada vez mais condenados a uma cidade massacrante e irracional. Resta torcer pela literal clemência dos céus.
Gabriel Brito é jornalista.
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Comentários
Na minha opinião, não há futuro viável para essas grande cidades tipo São Pualo, Rio de Janeiro e outras.
Creio que a solução poderia aparecer somente a partir de uma nova relocalização de centenas de milhares, ou mesmo de milhões de pessoas, em outras regiões do país.
A relocalização inicial deu-se - pelo menos assim me parece - por conta tanto do êxodo rural como das migrações decorrentes da falta de um projeto de desenvolvimento mais harmônico para as várias regiões e Estados do país.
Ambos os motivos da relocalização inicial refletem a ordem capítalista, onde os interesses individuais precedem os coletivos.
Solução neste sentido dependeria de, digamos, um grande acordo político e social e de uma intervenção forte e definitiva do Estado no ordenamento sócio-político-econômico-terri torial do país em benefício do conjunto da população brasileira. Lamentavelmente, apesar de significativa mudança operada a partir da ascensão ao poder do atual governo federal, o Estado ainda está demasiadamente distante de ter a capacidade para implementar projeto de tal envergadura. O Estado brasileiro ainda permanece altamente refém dos interesses do grande capital privado; e o texto de Gabriel Brito atesta isso.
Para mudar tal situação e devolver ao Estado a condição de ordenar o desenvolvimento do país e de suas regiões, seria necessário, em primeiro lugar, romper completamente com os dogmas do FMI/Banco Mundial. Essas instituições, defensoras do interesses do grande capital, atribuem a entes privados uma capacidade que não estes têm, nunca tiveram e nunca terão. Pensar, planejar e executar esse ordenamento da maneira mais racional possível, com isenção e imparcialidade, de forma a realmente atender às necessidades do conjunto do povo, é tarefa que não se coaduna com a necessidade de lucros do setor privado.
Assim, como afirmei no início do comentário, o Orlando tem razão apenas em parte. O problema das cheias nas grandes cidades não se resume somente ao desleixo das pessoas com à destinação do lixo; tem abrangência muito maior.
Para terminar, a concretização do que expus, penso, passa, fundamentalmente, pela democratização radical do aparato estatal decisório. Sem isso, nada feito.
O que não foi abordado pelo articulista e que constitui erro maior do que os praticados pelos prefeitos em suas administrações, é a falta de bom senso existente na própria população, especialmente aqueles segmentos que residem em áreas de risco. Não é necessário ser escolarizado, nem rico, nem religioso, nem político etc. para saber que jogar lixo nas ruas causa entupimento dos bueiros e córregos cusando um caos na cidade sempre que houver chuva de intensidade mais elevada. Apenas com o olhar, com a observação diária, qualquer cidadão é capaz de verificar que entulho, sacos plásticos e outros trambolhos entopem bueiros e córregos. Para consolidar a minha afirmação basta dar uma olhada no rio Tietê. Ali, quando de dragagens eventuais são encontrados no seu leito desde carcaça de veículo automotor, passando por peneus, geladeiras, sofás, e Deus sabe mais o que. É óbvio que o prefeito, nem o governador, nem seus assessores são os responsáveis por tais objetos irem parar no leito do Tietê. Imagine o que se encontrará dentro das galerias pluviais de São Paulo. Entendo que falta a São paulo muito mais bom senso e sentido de vida coletiva, bem assim autoridade dos governantes para punir os desmandos, do que falta de investimento nas diversas áreas que têm a ver com o bem-estar comum. O erro claro dos prefeitos ao longo das últimas décadas, bem assim dos ditos segmentos organizados da sociedade que se omitem costumeiramente, é impedir que emigrantes ou nativos aumentem descontroladamente o número de favelas e de construções sem nenhuma fiscalização dos órgãos públicos específicos. Tal procedimento, quase que invariavelmente, tem fundamento nos atos de politicagem e maracutaias praticados pelos administradores.
É absolutamente irrelevante investir em transporte urbano (ônibus, trens e metrô) se o horário não é cumprido nem adequado o número de unidades em serviço.Não sou urbanista, nem estudioso de planos urbanos mas não conheço, no território brasileiro, nenhuma cidade com população maior do que 500 mil habitantes que não sofram os mesmos problemas em épocas de chuva. E pelas mesmas razões.
Finalizo dizendo que independente que que partido político venha fornecer os administradores das grandes cidades a situação dos seus habitantes continuará piorando, por tempo indeterminado.
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