Recado dos protestos de 23 de maio
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- Altamiro Borges
- 28/05/2007
Diferentemente da experiência do primeiro mandato do presidente Lula, quando os movimentos sociais se dividiram e resvalaram para os extremos – seja o da passividade acrítica ou o do voluntarismo esquerdista –, agora surgem indícios de que eles procurarão preservar a sua autonomia, intensificar a pressão das ruas e agir com maior sagacidade política. As manifestações unitárias do último dia 23 de maio sinalizam que os movimentos sociais estão mais afiados taticamente para enfrentar os ataques do patronato e mesmo do governo Lula no seu segundo mandato. Os protestos representaram um claro recado das organizações sindicais e populares de que elas reforçarão a sua unidade e não aceitarão “nenhum direito a menos”.
A exemplo do que já havia ocorrido nas ações unitárias contra a visita do presidente-terrorista George W. Bush ao Brasil, os protestos uniram os principais movimentos sociais do país. Com suas leituras táticas diferenciadas, CUT, MST, UNE, Conlutas, Intersindical e outras entidades e partidos de esquerda minimizaram suas divergências, redigiram um manifesto conjunto e procuraram mobilizar as suas bases. Esta unidade na diversidade garantiu o êxito dos protestos. Segundo balanço parcial, houve atos em quase todo o país – entre eles, 39 bloqueios de rodovias federais e estaduais, ocupações de hidroelétricas, greves dos servidores públicos e paralisações parciais de empresas privadas, como as dos bancários. Passeatas e atos agitaram as ruas das principais capitais, como em Salvador, que juntou mais de 10 mil manifestantes.
Preservar e cultivar a unidade
Há consenso entre as lideranças de que “as mobilizações foram extremamente positivas e superaram as expectativas”, segundo as avaliações coletadas pelo jornal Brasil de Fato. “Não víamos esse processo de unidade desde o Fora Collor (1992)”, festejou José Maria de Almeida, dirigente da Conlutas, que estima que 1,5 milhão de trabalhadores participaram dos protestos. Já Edson Carneiro, da Intersindical, elogiou a postura “daqueles que querem lutar e não segurar a luta. O desafio é construir a unidade para defender os direitos”. E Wagner Gomes, vice-presidente da CUT e dirigente da CSC, realçou a maturidade dos movimentos na fase recente. “Está claro que, no governo Lula, ou o povo sai às ruas e faz pressão para garantir suas reivindicações, ou elas não se concretizam. E o movimento fez isso: botou o povo nas ruas”.
Outro consenso é de que a unidade alcançada nesta jornada deve ser preservada e cultivada, sem qualquer sectarismo ou hegemonismo. O MST e o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragem), que revelaram compromisso de classe ao bloquear inúmeras rodovias e ocupar hidroelétricas e órgãos governamentais, irão defender na próxima reunião do comando unitário, em 30 de maio, uma nova agenda de mobilizações. Já a CUT anunciou formalmente que proporá a realização de uma greve geral nacional caso o veto do presidente Lula à Emenda-3, da precarização do trabalho, seja derrubado no parlamento. E a Conlutas propõe uma marcha à Brasília, no final de agosto, contra “as reformas neoliberais do governo”.
Os extremos: Conlutas e Artsind
O êxito da jornada unitária, porém, não elimina os problemas ainda existentes. Ela serviu para acumular forças, mas indica que persistem dificuldades para mobilizações mais massivas das bases sociais. Como reconhece o balanço do jornal Brasil de Fato, os protestos “não conseguiram aglutinar uma boa parcela da classe trabalhadora”. Muitos movimentos tiveram uma participação aquém do necessário para barrar a ofensiva contra os direitos trabalhistas. Revelaram que ainda estão presos à rotina do economicismo, do corporativismo e do burocratismo. Apesar dos sintomas de reanimação dos movimentos sociais, a apatia e o ceticismo de amplas parcelas da sociedade dificultam mobilizações mais amplas e de maior impacto.
Por outro lado, as diferenças de avaliação sobre o quadro político ainda emperram ações mais unitárias. A Conlutas, comandada pelo PSTU, produziu um cartaz em que ataca “as reformas neoliberais do governo”, mas omite o veto do presidente Lula à famigerada Emenda 3 – o que revela sua miopia política diante do potencial mobilizador deste veto e confirma a sua leitura sectária sobre o atual governo. O jornal Opinião Socialista, órgão oficial deste partido, fez um balanço dos protestos onde esbanja arrogância. Ele vende a idéia de que a Conlutas foi a responsável pelo êxito da jornada e de que a CUT foi vaiada por “trair” a mobilização. “Ela tentou restringir os protestos ao apoio ao veto à Emenda-3, mas a manobra não logrou o resultado esperado... Muitos vaiaram a CUT quando o seu presidente interveio”, comemora o jornal.
No outro extremo, a corrente majoritária da CUT, a Artsind, privilegiou o apoio ao veto presidencial, mas menosprezou os riscos da reforma da previdência e das restrições ao direito de greve, ambos arquitetados pelo governo Lula. “É importante construir a unidade na luta para a defesa dos direitos dos trabalhadores. Agora, não podemos confundir uma pauta genérica, que não tem claramente ações concretas em relação ao que estamos defendendo. Por isso, a CUT está fazendo uma manifestação com a pauta ligada ao dia-a-dia dos trabalhadores, não uma campanha genérica contra reformas que ainda não foram apresentadas”, tentou justificar o presidente da CUT, Artur Henrique, durante o ato na Avenida Paulista, esquecendo-se que vários dirigentes da central já criticaram a “mordaça” da lei de greve e os retrocessos na Previdência.
Urgência da pressão das ruas
Como se observa, a atual ofensiva contra os direitos trabalhistas ainda exigirá muita unidade e capacidade de mobilização. Nem o veto à Emenda-3, um gesto positivo do governo Lula, está assegurado. As forças conservadoras têm ampla maioria no Congresso Nacional. A batalha será dura e, conforme aconselha a deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), será necessária muita pressão para mudar os votos no parlamento. “Uma parcela dos deputados já tem posição clara favorável ou contrária à manutenção do veto. Mas outra parcela considerável é influenciável pelas mobilizações sociais”.
A mesma pressão das ruas, afirma a deputada, “vale ainda muito mais para o governo”. Ela é que pode paralisar uma nova contra-reforma da Previdência e derrotar os que no interior do governo pretendem restringir o direito de greve e bancar o contrabando dos 1,5% de reajuste salarial da folha de pagamento dos servidores públicos, conforme previsto no Projeto de Lei 001/07 do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Será preciso concretizar as palavras de Gilmar Mauro, dirigente do MST: “O recado ao Congresso, ao governo e ao capital foi claro no dia 23 de maio: amplos setores da sociedade não vão deixar barato os ataques aos seus direitos”. Isto só será feito com ampla unidade e intensa combatividade.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
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