Império da despolitização
- Detalhes
- Roberto Boaventura da Silva Sá
- 31/08/2010
No dia 7 de maio, ainda na fase inicial da disputa para a presidência da República, a Folha de S. Paulo (FSP) trouxe uma foto dos três primeiros candidatos colocados nas pesquisas eleitorais. Ali, Serra abraça Marina e Dilma. Claro: todos sorriem. Título da matéria: "Serra diz que vai querer PT e PV no governo se for eleito".
Noutro momento (23 de maio), o mesmo veículo estampou a seguinte manchete de capa: "Lula articula seu futuro na ONU ou no Banco Mundial". Só faltou inserir o FMI, o que não causaria estranhamento a ninguém que esteja informado sobre a trajetória política de Lula e de tantos outros "companheiros" do novo partido da ordem.
Com apenas esses dois exemplos é possível dimensionar a perda política que tivemos nos últimos anos. Do primeiro destaque, a fala de Serra comprova que não há mais oposição ao sistema. Todos seguem as diretrizes de um estado neoliberal, ditadas por organismos internacionais, como o Banco Mundial e o FMI. A diferença é a composição de grupos que ocupam e/ou possam vir a ocupar cargos.
Aliás, brigas internas são mais intensas e verdadeiras do que encenações vistas nos horários de propaganda gratuita entre partidos. Esse teatro desprovido de conteúdo pode criar ilusões aos menos avisados de que algum partido dos citados possa ser oposição.
Detalhe: nem cor e nem gênero (masculino ou feminino) muda alguma coisa. No mundo inteiro, o capital tem recrutado novos agentes, sejam pretos, gays ou mulheres.
Seja como ou quem for, a "ordem" será mantida sob falso manto de um "progresso para todos". Do real progresso, nos últimos anos, só a elite de sempre foi a que efetivamente se apossou. A voracidade de banqueiros e empresários foi ímpar na história do país.
Para turvar olhos, lembrando Vidas Secas, de Graciliano Ramos, aos atuais fabianos brasileiros foram dadas migalhas por meio de humilhantes bolsas (Família, Escola etc.).
Não houve real divisão alguma do bolo. Sob perfeita maquiagem, houve crime político e golpe econômico contra os miseráveis. Em recente pesquisa foi exposto: o Brasil é um dos países mais desiguais do planeta.
O fato é o que PT também está nos braços da elite. Basta ver quem tem financiado suas campanhas. Na FSP de 23 de agosto, Breno Costa informa que as doações ao Diretório Nacional/PT já são "o dobro do arrecadado pelos seis partidos da coligação PSDB". Até julho, empresas já haviam doado 43,7 milhões; ou seja, "mais de 1.500% superior ao mesmo período de 2006", quando Lula foi reeleito. Isso é nadar de braçada na grana da elite. A retribuição desses gordos "mimos" é obrigação cartorial.
Sobre o futuro de Lula, fico estarrecido não com suas intenções pessoais, mas com o silêncio e/ou com a conivência política de tanta gente, destacando "intelectuais" que atuam nas universidades. Nem falo daqueles que já mamam nas tetas do governo.
Nesses casos, a conivência e o silêncio têm explicação óbvia: foram cooptados. Trato dos que não se beneficiam disso. Parece que perderam a língua ou sofreram de amnésia. Esqueceram a história. E alguns lecionam História! Que irresponsabilidade! Que mundo repleto de falsa igualdade estamos legando às novas gerações! Quanta despolitização!
Vale dizer: há algum tempo, a manchete sobre o futuro de Lula poderia causar convulsão política, levando os mais exaltados ao cardiologista ou a óbito. "Imagine, nosso líder operário ser agente do Banco Mundial ou do FMI!". Calúnia da direita! Hoje tudo pode. Até parece bonito. Não é incrível? Alguém mudou. Pergunto: quem? O Banco Mundial e o FMI – execrados num passado – ou o próprio Lula e seus antigos e barbudos "companheiros"? Alguém responde ou as lingüinhas continuarão mudas?
Roberto Boaventura da Silva Sá é doutor em jornalismo pela USP e professor de literatura da UFMT.
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Comentários
Mas tudo isso foi pensado pelos ideólogos do poder. Veja que, nestas eleições, rigorosamente todos os candidatos vêm de uma história de esquerda. Serra (UNE, 1967), Dilma (Val-Palmares, 1972), Marina (mov. sem terra, Chico Mendes, 1980) e os demais da esquerda oposicionista. Não há ninguém da direita tradicional ou, sequer, do "centro".
Os pré-candidatos Aécio, Ciro Gomes, Garotinho, Itamar, etc foram alijados da disputa por "forças ocultas". Na verdade, o objetivo foi colocar no páreo apenas a "esquerda histórica". Nada mais ideal para a burguesia, nos vários aspectos do poder e do controle de massas! Um dos grandes objetivos dessa estratégia tem sido justamente essa cooptação generalizada que estamos observando e que o texto acima reflete bem.
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