Para além da Reforma Agrária
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- Antonio Julio de Menezes Neto
- 05/08/2011
Sabe-se que a posse da terra no Brasil sempre simbolizou poder. Por isto, mesmo no processo de modernização iniciada com a posse de Getúlio na presidência, a posse da terra continuou quase intocável. JK, que abriria o Brasil para a modernidade multinacional, não realizou praticamente nenhuma reforma agrária e Jango, ao propor uma tímida reforma, foi derrubado por setores conservadores de direita. Neste período, de Getúlio a Jango, a luta pela terra foi intensa. Se latifundiários, coronéis do campo e empedernidos direitistas viam na bandeira da reforma agrária indícios de comunismo, por outro, trabalhadores do campo, sindicalistas, as Ligas Camponesas, setores das igrejas e partidos políticos progressistas ou de esquerda defendiam esta bandeira.
Neste período pré-64, tínhamos, por exemplo, no campo liberal e da esquerda, diversos movimentos que apoiavam a reforma agrária. Os desenvolvimentistas analisavam que o latifúndio improdutivo era um empecilho ao moderno desenvolvimento capitalista do Brasil e defendiam a reforma agrária para aumentar a produtividade agrícola. Os comunistas também defendiam o aumento da produtividade, o fim do poder oligárquico e a melhoria na vida do camponês através da reforma agrária. Havia uma lógica latente para esta reforma que, ao mexer na propriedade privada, era denunciada como anticapitalista ou pró-cubana.
No golpe militar de 64 predominou uma visão de defesa da modernização capitalista sem mexer nas estruturas sociais. Assim, a “reforma agrária” foi realizada na fronteira amazônica e no Centro-Oeste com a finalidade de “levar o progresso” ao campo e à floresta. Foi a já conhecida “modernização conservadora”. Milhares de camponeses foram atraídos ou expulsos para as cidades. Estas sugavam a empobrecida população camponesa, numa política deliberada dos governos militares, para atrair as empresas multinacionais que necessitavam de força de trabalho barata nas cidades. Houve muita repressão na implantação deste projeto, mas, desta maneira, conseguiram “modernizar” o Brasil. Esta “modernização” fez surgir o agronegócio, nova face do latifúndio, tendo como consequência o esvaziamento humano do campo, favelização nas cidades, máquinas substituindo o trabalho humano, latifúndios, monocultura, exportação, desprezo ambiental. Esta foi a política para o campo do período militar.
Ao fim da ditadura, diversos setores, inclusive da “esquerda”, passaram a defender que o Brasil não mais necessitava da reforma agrária, pois esta estaria ultrapassada pela “modernização” empreendida por meio do agronegócio. A questão social poderia ser resolvida com políticas sociais e não mais com a reforma agrária. Assim, esta política foi defendida e implementada por governos pós-militares, como os neoliberais Collor e FHC. Porém, o MST, dos anos 1990, contra todas as expectativas, num período de descenso dos movimentos sociais, nadou contra a maré e mostrou ser possível e necessária a luta pela reforma agrária.
Os anos 2000 começam alvissareiros para a esquerda com a vitória eleitoral de Lula. Porém, este governo, como FHC, também não acreditava na reforma agrária e via esta como uma “cara política social”. Achava melhor investir em “bolsas” para os pobres. E, o pior, pela origem do PT, o governo desarticulava e desorientava os movimentos sindicais e sociais de esquerda.
Mas as relações sociais de produção transformaram-se no meio de tantas políticas e o capitalismo se consolidou no Brasil. Somos a oitava economia capitalista mundial. E hoje, ainda, necessitamos da antiga e tradicional reforma agrária defendida - com toda a razão no período pré-64 - pelos antigos comunistas e pelos desenvolvimentistas? Analiso que o Brasil de hoje necessita é de igualdade social, produção planejada e discutida popularmente para o bem estar e não para o mercado. E isto o capitalismo não pode oferecer, pois é um sistema desigual por princípio e dirigido ao mercado. E, além do mais, o capitalismo não mais merece o crédito das reformas, pois se mostrou irreformável.
Deve ser superado e esta deve ser a luta atual. Ir além do capital, criar um novo processo civilizatório, emancipar-se do capital e, para tanto, necessitamos ir além das reformas. E também da reforma agrária nos moldes tradicionais.
O que isto quer dizer? Quer dizer que a reforma agrária nos moldes tradicionais já não nos serve neste momento histórico. Temos um outro Brasil, uma nova realidade no campo e na cidade, novos conflitos, novas tecnologias, novos saberes, novas necessidades. Precisamos lutar por um novo modelo de civilização além do capital. Retomarmos toda a tradição de luta pelo socialismo e pelo comunismo e continuarmos indo além. Defendermos um novo país, uma nova civilização.
Devemos pensar um campo mais integrado à cidade, pois não conseguiremos entender mais as sociedades separando estas realidades, defender uma sociedade igualitária, sob controle dos trabalhadores do campo e da cidade. Dialeticamente, outra realidade, que não mais trabalhe a contradição campo/cidade, mas as integre, respeitando as diferenças. No campo, o latifúndio e o agronegócio não podem mais existir e devem ser eliminados.
Neste novo conceito de civilização, as políticas para a produção camponesa e coletiva devem ser valorizadas e debatidas democraticamente com toda a população e o trabalhador deve ter todas as condições de plantar com o conforto que a modernidade pode oferecer e também usufruir de todas as benesses do lazer, da educação e da cultura. O camponês não pode mais produzir nosso alimento “a custa da exploração de seu trabalho e do trabalho de sua família”, como dizia Lênin. A pesquisa científica e tecnológica deve servir ao desenvolvimento alimentar orgânico e receber fartos recursos dos órgãos públicos competentes. Uma bandeira de luta imediata dos movimentos brasileiros deve ser pelo fim do Ministério da Agricultura e a criação do Ministério do Campo e o fim de qualquer financiamento de pesquisa que vise beneficiar o agronegócio. Nenhum governo que não aplique estas políticas merece qualquer apoio popular.
Estas discussões são incipientes, necessitam de maior aprofundamento e, por isso, não defendo o imediato fim da luta pela reforma agrária tradicional, devido ao simbolismo de luta desta bandeira. Mas temos de começar a avançar, ir além. Podem dizer que isto é utopia ou idealismo, porém, prefiro ser utópico a distópico, idealista a pragmático capitalista.
Pois, lembrem-se, o capitalismo nunca foi superado com reformas.
Antonio Julio de Menezes Neto é sociólogo e professor na UFMG.
Comentários
Enfim alguém que sabe ser radical de verdade.
Alguém que diz "Precisamos lutar por um novo modelo de civilização além do capital. Retomarmos toda a tradição de luta pelo socialismo e pelo comunismo e continuarmos indo além. Defendermos um novo país, uma nova civilização."
"E, além do mais, o capitalismo não mais merece o crédito das reformas, pois se mostrou irreformável. Deve ser superado e esta deve ser a luta atual. Ir além do capital, criar um novo processo civilizatório, emancipar-se do capital e, para tanto, necessitamos ir além das reformas. E também da reforma agrária nos moldes tradicionais."
Como??? TCHAN, TCHAN, TCHAN, TCHAN...
Do modo mais radial:
"Uma bandeira de luta imediata dos movimentos brasileiros deve ser pelo fim do Ministério da Agricultura e a criação do Ministério do Campo".
Já que o capitalismo é irreformável, reformemos o ministério!!!
PERFEITO professor.
Para isso, eu apontava como necessário que o MST acampasse nas cidades, em um plano que envolvia em primeiro lugar as capitais, e depois as chamadas Polos Irradiadores, exatam,ente como os marqueteiros mapeiam o Brasil, para a racionalização das campanhas eleitorais.
Desta forma, seriam jornadas onde, acampados nas praças das cidades e sem receber carne de segunda de nenhum governador, os militantes do campo iriam se encontrar com uma grande massa de citadinos, em escolas, universidades, mas principalmente em bairros populares, estabelecendo diálogos mais do que necessários, mas ainda ausentes da pauta dos dirigentes do Movimento, que me parecem muito mais afeitos a articulações palacianas do que "ir onde o Povo está".
Recebi, mais de uma vez, respostas em que aventavam que esta atitude poderia resvalar em críticas ao governo Lulla, o que "não interessa a ninguém"...
Assim, o MST foi se deixando asfixiar nos longínquos rincões do país, onde reúnem-se dois mil agricultores e não é notícia nem nas capitais ou nas cidades polos, quanto mais no Sul Maravilha e Brasília, onde as coisas se resolvem, realmente.
O resto, sabemos como se deu, o MST foi sendo emasculado e desfeminilizado lentamente, mesmo com as demonstrações explícitas, a meu ver, de peleguismo, por parte de seus dirigentes, cordeiramente acompanhado "pelas bases" (vai não fazer o que mandam...).
Enquanto isso, Lulla continuava a ser chamado para os encontros do MST, onde recebia singelas "cestas de produtos orgânicos" (na época, eu já defendia que presenteassem o presidente com uma farta cesta de transgênicos...).
Deu no que deu. O MST hoje está acuado, sem iniciativa política, mas sempre com sua direção insistindo em acordos com governantes, como o que vimos recentemente(eu me ruborizei de vergonha)com o desfecho do namoro dos dirigentes do MST com o governador baiano Jacques Wagner "Love", à custa de 600 Kg de carne de segunda ao dia para alimentar os que ocuparam a sua secretaria de agricultura, em protesto contra, diziam os ocupadores, "a falta de política para o setor". Logo depois, tivemos o comunicado que "a Direção do MST declara-se satisfeita com o que ouviu do governador baiano").
E a discussão com o Povo das Cidades, foi às favas...
Agora, temos uma tal de Campanha Permanente contra os Venenos composta, pasmem, pelos principais apoiadores do governo, nos Movimentos sociais e, pasmem novamente, com a presença da ANVISA, se fazendo de vítima das corporações internacionais fabricantes de venenos, e não como uma agência do Governo , cujo presidente declarou que "não vou me preocupar com os Transgênicos, pois no mundo inteiro come-se isso e ninguém morre...".
Nesta articulação é passado um documentário de famoso documentarista em que a ANVISA e o governo federal são apresentados (em sub texto) como VÍTIMAS das Empresas do Setor, e não como cúmplice como acho que é, assim, transformando o que poderia ser um politizado debate, em mais uma articulação "chapa branca", para limpar a barra deste governo que é francamente a favor não só do agronegócio, mas também da incorporação da Agricultura Familiar, como fornecedoras de matérias primas para as grande empresas.
Enquanto isso, um companheiro valoroso como é o Julio de Castro (articulista aqui destas páginas do Correio da Cidadania)foi ameaçado de morte por dirigente do MST de MG e perdeu seu emprego em firma contratada para reformas nos assentamentos rurais, por ter denunciado a falcatrua cometida pelo MST, Universidade Metodista e os dirigentes do PRONERA (um Programa de instrução para FILHOS de agricultores). Julio Castro denunciou que o que NÃO se vê por lá são filhos de agricultores, mas sim jovens urbanos apadrinhados políticos do MST políticos petistas.
Ninguém quis apurar nada até agora, nos obrigando a entrar pessoalmente com uma ação no Ministério Público, para ver se a coisa anda.
Concordo com o artigo do prof. Antônio Julio de Menezes, mas vejo que nada vai acontecer, sem que a base do MST se rebele e bote prá correr estes dirigentes pelegos e autoritários quie agem como DONOS do Movimento.
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