A globalização das águas nordestinas
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- Roberto Malvezzi
- 07/08/2007
Temos dito oportuna e
inoportunamente que a transposição de águas do
São Francisco é a última grande obra da
indústria da seca e a primeira do hidronegócio. O
interesse das transnacionais do aço no porto de Pecém,
Fortaleza, já não permitem qualquer dúvida a
esse respeito. O governo central sabe disso, inclusive o presidente,
por isso se recusa em considerar qualquer alternativa, postando-se
como um governo cego e surdo.
Porém, se a transposição
é a primeira, outras se seguirão. A maior dessas obras
chama-se “Canal do Sertão”, um rio de águas que
será drenado do lago de sobradinho para alimentar o plantio de
cana irrigada em pleno sertão pernambucano para produção
de etanol. É a moeda de troca do Ministério da
Integração ao governo de Pernambuco para apoio à
transposição. Ele parte do lago de Sobradinho, logo à
montante da barragem, atravessa o município de Casa Nova e
adentra o alto sertão pernambucano. A Petrobrás já
se encarregou de fazer, inclusive, a infra-estrutura. É dessa
forma que vai sendo traçada a globalização das
águas nordestinas. A privatização da água
pelo governo Lula deveria estar no cerne do plebiscito popular de
sete de setembro, assim como está a privatização
da Vale por Fernando Henrique. Particularmente, acho aquela mais
perversa que essa.
Não vai faltar outorga de águas
para esse tipo de obra. Dias atrás, pequenos agricultores do
Espírito Santo já debatiam sobre a outorga, tentando
entender como ela impactará seus plantios de café
irrigado. Temem pelo futuro, com toda a razão. No sertão,
os grandes projetos vão absorver em pouquíssimo tempo o
restante das águas outorgáveis.
Junto com as
águas vão as melhores manchas de solos agricultáveis
do sertão. O que poderia ser destinado a fins mais nobres,
como plantio de alimentos e frutas, vai ser destinado aos tanques dos
carros japoneses. Assim, numa região que ostenta os piores
índices de IDH do planeta, os melhores solos e os grandes
volumes de água se colocam a serviço dos caprichos de
uma sociedade opulenta e predadora, enquanto o povo local ainda não
tem um encanamento em suas casas ao menos para ter os 40 litros/dia
de sua segurança hídrica doméstica. A população
local ficará como mão de obra nos canaviais, com seu
trabalho exaustivo e escravo.
Essas terras e essas águas
ainda poderiam ser direcionadas para a reforma agrária. Se no
sequeiro são necessários 70 hectares para uma família
viver com dignidade, à beira do rio, em área irrigada,
são necessários de 2 a 4 hectares para uma família
viver de seu trabalho. Portanto, 140 mil hectares poderiam abrigar 70
mil famílias, ou seja, 350 mil pessoas. O mesmo se pode dizer
do projeto Jaíba, em Minas, com seus 100 mil hectares,
paralisados, com imenso investimento público jogado no cesto
do lixo. Poderia abrigar mais 50 mil famílias. A irrigação,
segundo a Embrapa Semi-árido, pode alcançar apenas 2%
do semi-árido brasileiro, mesmo combinando as técnicas
mais sutis de aproveitamento de água e de solos. Entretanto,
já que se insiste em explorar esse potencial, ele poderia
servir para fins mais úteis. Esse potencial não está
muito longe das 200 mil famílias que estão acampadas ao
longo das estradas brasileiras.
O presidente da República
anda sentindo-se um Deus – não existe avião capaz de
abalar sua popularidade - e o mito da “Arábia Saudita Verde”
inundou o cérebro das autoridades brasileiras. Mudamos de
governo, de presidente, mas não mudamos a qualidade do
desenvolvimento brasileiro. Continua cruel e eticamente perverso.
Roberto Malvezzi, o Gogó, é coordenador da CPT.
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