Correio da Cidadania

Vaia dos ricos e penitência de Lula

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Incomodado com as vaias na abertura do Pan e com a criação do “Cansei”, articulado por ricos empresários e notórios tucanos, o presidente Lula desabafou num recente discurso em Cuiabá: “Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar aplaudindo. Posso garantir que foram os que ganharam muito dinheiro no meu governo. Aliás, a parte mais pobre é que deveria estar mais zangada, porque ela teve menos do que eles tiveram. É só ver quanto ganharam os banqueiros, os empresários, mas vamos continuar fazendo política sem discriminação”.

 

Lula também vinculou os articuladores destes movimentos aos golpistas de 1964 e advertiu: “Se alguns quiserem brincar com a democracia, eles sabem que neste país ninguém sabe colocar mais gente na rua do que eu”. O desabafo contra as “elites brancas” e as “madames enfadadas”, segundo a irônica definição do liberal Cláudio Lembo, foi encarado pela mídia venal como um estímulo à luta de classes. Mas também poderia ser lido como uma autocrítica, uma penitência, de um governo que insiste em conciliar com interesses tão antagônicos.

 

O paraíso dos bilionários

 

Realmente, a elite burguesa não tem o que reclamar do governo Lula. Recente levantamento da Boston Consulting Group (BCG), uma das consultorias mais importantes do mundo, indica que os milionários brasileiros detêm mais da metade do PIB do país. Ao todo, são 130 mil e têm ao menos US$ 1 milhão cada em investimentos. Mais ricos da América Latina, têm uma fortuna conjunta estimada em US$ 573 bilhões – em 2005, detinham 540 bilhões. Entre 2000 e 2005, o país saltou da 18ª posição para a 14ª posição no ranking de países com mais ricaços no mundo.

 

Já segundo a Receita Federal, que só considera os rendimentos anuais provenientes do trabalho e da renda, o número de milionários é de apenas 18.541 pessoas. Na avaliação de especialistas, o topo da pirâmide social se enriqueceu ainda mais com a estabilização e a internacionalização da economia. “O setor do agronegócio foi dos que mais geraram milionários, principalmente no Centro-Oeste. Segundo a Receita Federal, nessa região o número dos que ganham mais de R$ 1 milhão por ano mais que dobrou, chegando a 685”, informa Julio Wiziach.

 

Norte e Nordeste também ganharam destaque, com 187 e 1.031 milionários, respectivamente. “Manaus já desponta como o paraíso das construtoras. Lá, a Gafisa lançou o Riviera, onde o apartamento mais barato custa R$ 800 mil... Seis meses após o lançamento dos dois primeiros prédios, cerca de 70% das unidades do edifício Cannes – em que o preço por unidade começa em R$ 2 milhões – estavam vendidos”. Já no Recife, a butique Dona Santa é o palácio de luxo do Nordeste. A loja de 1.600 metros quadrados vende Prada, Ferragamo, Ermenegildo Zegna, Armani e outras marcas de luxo. A bolsa Prada custa, em média, R$ 7 mil e tem filas de espera.

 

Ostentação de US$ 4,3 bilhões

 

O Sul e o Sudeste, porém, continuam concentrando o maior número de ricaços. Não por acaso, é de onde parte a maior rejeição ao governo Lula, conforme atesta recente pesquisa de opinião Datafolha. O livro “Os ricos no Brasil”, organizado pelo economista Marcio Pochmann (2004), já havia confirmado, com inúmeras tabelas e mapas, esta desigualdade regional também na ostentação. Outra pesquisa, da GFK Indicator, revelou que, no ano passado, 74% das cerca de cem empresas de alta grife ampliaram os seus milionários negócios em São Paulo.

 

Com base nestes dados, a jornalista Mônica Bergamo ironizou: “Se tem um setor que não está precisando do PAC é o do consumo de alto luxo. O país cresceu 3,7% em 2006, certo? Pois, o mercado de luxo explodiu e cresceu 32%. Se, em 2005, o faturamento das empresas do ramo foi de US$ 2,9 bilhões, em 2006 ele saltou para US$ 3,9 bilhões... Em 2007, a estimativa é que fature US$ 4,3 bilhões”. Esta ostentação confirma outro estudo, desta vez do IPEA, que mostra que, apesar dos programas sociais, a desigualdade mantém-se intacta no país. “Apenas 10% da população continua se apropriando de 80% da renda nacional”, diz Gabriel Ulyssea, do IPEA.

 

Preconceito rancoroso de classe

 

Enquanto esta gritante desigualdade social perdurar, sem que ocorram as mudanças estruturais exigidas nas urnas, não adianta o presidente Lula se iludir que terá os aplausos dos ricaços. Por mais que ceda, a elite burguesa continuará discriminando e conspirando contra o seu governo. Ela tem espírito de classe e não tolera um governo oriundo das lutas sociais. A pretensão de querer agradar “servos e croatas”, com sua política conciliatória e pragmática, não conterá as vaias, que tendem a ficar ainda mais fortes com a aproximação do calendário eleitoral.

 

Prova inconteste deste preconceito rancoroso de classe ocorreu neste sábado nas manifestações organizadas por simpatizantes do “Cansei”. Em São Paulo, o marcha da “elite branca” reuniu cerca de 2 mil pessoas aos gritos de “Fora Lula”, “cachaceiro” e “Lula, ladrão, o seu lugar é na prisão”. O protesto congregou militantes pela redução da maioridade penal, ativistas “contra os direitos humanos”, fundadores do partido nacionalista conservador e até adeptos do movimento “República de São Paulo”, que defendem a separação do estado do restante do país. As fotos retratam a presença de vários empresários, madames, mauricinhos e patricinhas.

 

“Com os cabelos loiros e impecavelmente alisados, a empresária e estilista Patrícia Guizarddi recusava ser chamada de representante da ‘elite branca’ (expressão cunhada pelo ex-governador Cláudio Lembo). ‘Eu acho esse comentário até racista. Sou povão. Passei dez carnavais seguidos no Rio de Janeiro, sambando no meio dos negros’. Na frente do Segundo Exército, depois de andar três quilômetros, o pessoal ainda teve forças para gritar ‘acorda, milico, acordo milico’”, descreve a reportagem da Folha de S. Paulo.

 

 

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).

 

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