Correio da Cidadania

Caro Jon Sobrino, não estás sozinho!

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A advertência da Congregação para a Defesa da Fé ao jesuíta Jon Sobrino causou grande consternação e dor a todos nós.

 

Antes da publicação e depois, recebi várias manifestações xingando “aqueles faraós”, “os que pisam em tapetes vermelhos”...

 

São expressões de dor, inclusive minha dor, que eu sinto não tanto porque o “pai” prefere o outro irmão, mas porque ele não me reconhece como filho  também legítimo de Deus... O “pai” parece ter sempre bronca “comigo”! Afinal, a questão com Sobrino começou pelo menos em 1981... parece que estão tentando o tempo todo procurar defeito só em “mim”. Sei que não sou o filho que o “pai” sonhou, mas será que ele não é capaz de reconhecer as muitas alegrias que esta espiritualidade expressa na Teologia da Libertação gerou?!

 

Quero entender, pois ficar apenas xingando me faz entrar na lógica deles: eles dizem que estão certos e eu errado, e eu digo o contrário. E daí? Penso que não se pode reduzir tudo a maldades e más intenções, ainda mais que o processo usado tem certa “transparência”, não condena, não impõe castigo. A Notificação, pela primeira vez em relação a um teólogo, é de natureza teológica e não disciplinar.

 

O documento Nota Explicativa, que tem apenas 3 itens, sobretudo no item 3, revela que a grande questão é o lugar dos pobres.

 

A questão sempre e para todo o mundo, civil ou clerical, social ou familiar, é a posição que ocupam os pobres.

 

Qual é o lugar dos pobres? São sujeitos? Nos evangelizam? Ou são apenas objetos de nosso amor, de nossas “obras de caridade”?

 

A justiça é elemento constitutivo de nossa fé? Ou é conseqüência? Vem em primeiro lugar, ou depois?

 

Em termos civis, em quem votaríamos: Lula e Michelle Bachelet? Ou Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chávez?

 

Por que uns são reconhecidos pelos “papas” do pensamento único como estadistas e outros são considerados gente perigosa, populista?

 

O que nos assusta: a Reforma Agrária? Ou a Bolsa Família, o Vale Transporte, etc.?

 

A grande questão que está por detrás dos debates em todos os ambientes, de Igreja – todas as Igrejas, todas as religiões – e da sociedade civil, inclusive em nossas famílias, é: “A ordem natural tem que ser melhorada” versus “A ordem atual não é natural e tem que ser mudada”.

 

Naturalmente pensamos que os pobres são pessoas iguais a nós, mas o que nos divide é: como? Quando? Dentro de quanto tempo? Com quanta rapidez?  Isso se torna realidade!

 

Algo que frei Betto escreveu, antes de todo esse debate, ajuda a iluminar a questão, a compreender o que está em jogo:

 

“Uma pastoral do povo difere de uma pastoral para o povo. Esta encara o povo como objeto da ação evangelizadora; a primeira torna o povo sujeito da evangelização.”

E continua: “A reflexão que se fazia entre o fato da vida e o fato da Bíblia engendrava a matéria–prima do que se tornaria conhecido como Teologia da Libertação. Nesse sentido que se diz que a Teologia da Libertação é ato segundo. O ato primeiro é a reflexão de fé das comunidades. Esta a matéria-prima que, sistematizada pelos teólogos organicamente vinculados a elas, como diria Gramsci, nutre a teologia que se faz a partir do mundo dos oprimidos, cuja principal aspiração é libertar-se da miséria e da pobreza” -  Evangelização educativa no mundo dos pobres.

 

O texto da Advertência já estava pronto desde novembro e foi publicado só agora, 10 dias antes do 27º aniversário da morte de D. Oscar Romero, dois meses antes da reunião do CELAM. Por quê? Que outro sofrimento vem por aí?!

 

Este é um momento muito rico, verdadeiro Kairós, momento da graça, porque revela a “nudez do rei”. Estamos diante de duas posições, ambas as quais têm tradição, têm gente a favor, inclusive amigos nossos: desanimar e nos acomodar, ou buscar novas estratégias, inventar novos caminhos, como fizemos no tempo da ditadura...

 

Não somos as primeiras pessoas na história da humanidade a sofrer por essa questão. Temos em nossa linhagem homens e mulheres honradas, como Jon Sobrino, Bartolomeu de Las Casas, Santo Dias, Zumbi, Juan Diego, Sepé Tiarajú, Gabriel Pimenta, Expedito Ribeiro de Souza, Dorothy Stang, Ita Ford, Margarida Maria Alves... São a multidão incontável, que alegra o autor do Apocalipse (Ap. 7, 9 - 13).

 

Há alguns dias estive em Assis, pela primeira vez. Uma das visitas obrigatórias é a igreja de Santa Maria degli Angeli.

 

No centro da nave vemos a pequena igreja de São Francisco, que está nas origens do movimento franciscano. Com o passar do tempo, construíram em torno dela esta grande igreja, em estilo completamente diferente.

 

O altar mor fica atrás desta antiga igreja, que impede a visão: tiveram que colocar um telão! É uma imagem de um simbolismo  incrível, que nos convida a refletir... Qual a relação entre essas duas igrejas? Não são a mesma, não são paralelas, uma está dentro da outra, uma atrapalha a outra, uma é a razão da outra, uma protege a outra...

 

Fiquei horas lá, rezando, meditando: esta é a situação da nossa Igreja, do nosso Brasil, do nosso partido! Afinal, qual a relação entre o PT que ajudamos a construir, o PT de hoje e o governo Lula hoje?...

 

Meu coração está nesses três lugares. Não posso me entender sem eles, apesar das dúvidas que tenho.

 

E no fim, com nosso querido pastor, D.Pedro Casaldáliga, rezei:

 

“Tudo é relativo.

Menos Deus e a fome ”...

 

 

Frei João Xerri, Santa Sabina, Roma, 19 de março de 2007.

 

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