Procurador-Geral de Justiça do estado
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- Inês do Amaral Büschel
- 09/05/2012
Esse é o nome do cargo do chefe do Ministério Público Estadual. Entretanto, é muito comum as pessoas, em geral, confundirem essa denominação com a do chefe da Procuradoria-Geral do Estado, que é o nome do cargo da chefia do quadro dos Procuradores do Estado. Ambos são cargos de âmbito estadual, todavia, esses profissionais exercem funções públicas bem distintas. O Procurador-Geral de Justiça é membro do Ministério Público, portanto não exerce a advocacia pública, que lhe é vedada. O Procurador-Geral do estado, por sua vez, é um advogado público, integrante da carreira de Procuradores do Estado. Ambos ingressam em suas carreiras por intermédio de concursos públicos, porém diferentes.
Para melhor entendimento dessas funções públicas, é sempre bom lembrar que o Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Saliente-se aqui que o MP tem o monopólio da ação penal pública, podendo processar criminalmente a todos nós e às autoridades constituídas, inclusive. Seus membros têm a garantia da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, além de terem assegurada, constitucionalmente, a independência funcional.
Quanto à Procuradoria do Estado (advogados públicos), diz a Constituição Federal em seu artigo 132 que esses profissionais exercem a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. Têm assegurada a estabilidade.
Quero aqui abordar a regra constitucional que determina a forma pela qual um membro do Ministério Público Estadual conquista o cargo de Procurador-Geral de Justiça. Trata-se do artigo 128, II, § 3º (CF): "Os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo chefe do Poder Executivo para mandato de dois anos, permitida uma recondução".
Essa mesma redação acima citada veremos repetida na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, nº 8.625/93, artigo 9º, que no seu § 1º diz: "A eleição da lista tríplice far-se-á mediante voto plurinominal de todos os integrantes da carreira". Faz-se importante mencionar também que o § 2º desse mesmo artigo diz: "A destituição do Procurador-Geral de Justiça, por iniciativa do Colégio de Procuradores, deverá ser precedida de autorização de um terço dos membros da Assembléia Legislativa".
A partir da regra constitucional e da regra legal federal acima citadas, cada estado da República Federativa brasileira tem sua própria Constituição Estadual e fará editar sua lei estadual, regulamentando tal eleição. Tomarei aqui como exemplo o estado de São Paulo. A Constituição Estadual paulista determina em seu artigo 20, XXIII, que compete, exclusivamente, à Assembléia Legislativa "destituir o Procurador-Geral de Justiça, por deliberação da maioria absoluta de seus membros"; e, no artigo 94 manda que "Lei Complementar, cuja iniciativa é facultada ao Procurador-Geral de Justiça, disporá sobre [...] II - elaboração de lista tríplice, entre integrantes da carreira, para escolha do Procurador-Geral de Justiça pelo Governador do Estado, para mandato de dois anos, permitida uma recondução".
Pois bem, dando seqüência, a Lei Complementar Estadual de São Paulo acima mencionada é a de nº 734/93. O artigo 10 dessa lei diz: "O Procurador-Geral de Justiça será nomeado pelo chefe do Poder Executivo, dentre os Procuradores de Justiça integrantes de lista tríplice elaborada na forma desta lei complementar, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento". Logo em seguida, no § 1º desse artigo 10, lemos: "Os integrantes da lista tríplice a que se refere este artigo serão os Procuradores de Justiça mais votados em eleição realizada para essa finalidade, mediante voto obrigatório, secreto e plurinominal de todos os membros do Ministério Público do quadro ativo da carreira".
O § 2º desse mesmo art. 10, por sua vez, determina que: "Caso o chefe do Poder Executivo não efetive a nomeação do Procurador-Geral de Justiça nos quinze dias que se seguirem ao recebimento da lista-tríplice, será investido automaticamente no cargo o membro do Ministério Público mais votado, para exercício do mandato".
Vê-se que não há regra jurídica que obrigue o governador do estado a nomear o candidato mais votado na lista tríplice composta pelos membros do MP. Ao chefe do Poder Executivo é assegurada a livre escolha de qualquer um dos componentes da referida lista, mesmo que este venha a ser o terceiro colocado.
Daí surge a pergunta: por que, então, realizar-se a eleição interna com voto obrigatório? Parece-nos à primeira vista uma exigência ilógica. Bem, mas teremos que raciocinar com o seguinte dado de realidade: a) o MP não é, formalmente, um poder constituído de nossa República Democrática, que adotou a tripartição do poder em Legislativo, Executivo e Judiciário; b) os membros do MP - tais quais os juízes de direito - não são eleitos, mas sim concursados, e são vitalícios. Portanto, considerando-se que todo o poder emana do povo soberano, quem detém a legitimidade do poder popular é o governador eleito. Estaria aí a razão para somente o chefe do Executivo ter o poder de escolha do PGJ, e de sua nomeação.
Mas não nos parece estranho que o governador possa escolher, sozinho, dentre os componentes da lista tríplice formada por eleição, o seu possível acusador de crimes que, por desventura, venha a cometer? Isso não fere a autonomia funcional do MP? Afinal, nem os governadores são santos e nem os membros do MP são anjos. É fato que, sendo pessoas de carne e osso, bem instruídas formalmente, costumam pautar-se pelo bem comum. Todavia, não estão a salvo de praticar crimes. Os meios de comunicação nos informam, vez ou outra, da má conduta de alguns agentes públicos. Portanto, todo cuidado é pouco. O povo precisa acautelar-se com os desmandos praticados tanto por burocratas, como por juízes de direito, legisladores e governantes.
O atual perfil constitucional do Ministério Público surgiu na época da reconquista do regime democrático pelo povo brasileiro, após duas décadas de vigência de uma ditadura civil-militar que governou com pleno arbítrio. No transcorrer da elaboração de nova Carta Magna, na Assembléia Nacional Constituinte (1986-1988), debateu-se como deveria compor-se a instituição que, no futuro, viesse a defender toda a sociedade de qualquer ameaça de arbítrio. Era preciso que seus membros tivessem garantias institucionais para poder enfrentar interesses escusos de poderosos. Mas, por outro lado, a cidadania exigia que houvesse uma forma de contrapeso e/ou accountability dessa instituição. Nos embates políticos entre os parlamentares conservadores e progressistas da época, restou entendido que melhor seria o governador do Estado escolher o PGJ em lista tríplice, que lhe seria oferecida após eleição interna.
Nesse período da Assembléia Nacional, ainda no âmbito da Comissão de Organização dos Poderes e Comissão de Sistematização, entre os meses de junho-julho de 1987, havia a sugestão de que caberia ao próprio MP a eleição de seu Procurador-Geral e ponto final. Porém, logo no mês de agosto seguinte, já aparece a menção à feitura de uma lista tríplice. Por fim, com a formação do famigerado "Centrão" (núcleo de parlamentares conservadores) é que surge a idéia de eleição de uma lista tríplice pelos membros da carreira do MP, para ofertá-la ao chefe do Poder Executivo que teria livre escolha. Esta sugestão foi a que prevaleceu e consta do texto da atual Constituição Federal de 1988.
Passados mais de vinte anos da vigência de nossa Constituição, percebemos a incoerência dessa regra. O chefe do Poder Executivo não pode concentrar tal poder político sobre o seu eventual acusador criminal. Já basta que é o governador quem tem a "chave do cofre público". Essa situação incoerente fomenta, a cada eleição de PGJ, a realização de nefastos lobbies, tanto de grupos internos como externos, visando obter o beneplácito do governador.
É um tanto ridículo tudo isso. O povo trabalhador - que detém todo o poder - está afastado dessas ingerências e, em geral, nada sabe sobre esses fatos. Nem mesmo a sociedade civil organizada – por exemplo, os movimentos sociais – sabe ao certo o que faz o Procurador-Geral de Justiça. Mas é preciso que todo o povo saiba disso. Não só a escola, mas também os meios eletrônicos de comunicação de massa deveriam ter a iniciativa de instruir a população sobre isso, fazendo uma eficiente divulgação.
Aos integrantes do MP que, a cada época de eleição do PGJ se revoltam com a não nomeação do candidato mais votado, seria importante que se mobilizassem politicamente pela mudança da regra constitucional. Nesse sentido já existe uma Proposta de Emenda Constitucional tramitando no Senado Federal: a PEC 31/2009.
Enquanto essa luta se trava no Congresso Nacional, será preciso que os membros do MP prestem muita atenção ao eleger seu governador. E, por outro lado, também é necessário que se aproximem mais do povo trabalhador que, via de regra, é desrespeitado pelo Poder Público. Eu só tenho a lamentar que uma expressiva maioria de Promotores e Procuradores de Justiça esteja, a cada dia, distanciando-se dos cidadãos pobres deste país. Já não se ocupam tão bem do atendimento ao público, ao menos com o rigor que se exigiria de um ombudsman. Nem mesmo o Ouvidor do MP é eleito pela sociedade civil organizada, mas sim é designado pelo PGJ - após eleição interna ou não - entre integrantes da própria carreira. Um absurdo.
Penso que cada membro do Ministério Público deveria indignar-se com a obscena desigualdade social brasileira e, diante disso, adotar como meta a exigência de primorosa eficiência nos serviços públicos de relevância, tais como: acesso à justiça, segurança pública, transporte, saúde, educação e moradia. Isso já proporcionaria bem-estar para a população pobre e de classe média. Os cidadãos abastados também merecem proteção, todavia, já têm dinheiro e meios suficientes para suprir suas necessidades básicas.
Por último, com relação à forma de escolha do PGJ, gostaria de sugerir o seguinte: a) vimos que, legalmente, cabe à Assembléia Legislativa a eventual destituição do PGJ; b) por outro lado, sabemos que o MP detém muito poder político-jurídico, e isso impõe a necessidade de contrapeso/accountability; c) seria, então, muito melhor que tirássemos do Poder Executivo a faculdade de escolha do PGJ e o transferíssemos à Assembléia Legislativa, que é a verdadeira Casa do Povo. Teria então a Assembléia a possibilidade de aprovar por maioria absoluta o candidato mais votado na lista tríplice. A luta política se daria no campo parlamentar e seria mais legítima, difusa e representativa.
Inês do Amaral Büschel é Promotora de Justiça de São Paulo, aposentada; associada do Movimento do Ministério Público Democrático.
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