Política econômica e social em disputa na sucessão presidencial
- Detalhes
- Guilherme C. Delgado
- 13/10/2014
O debate de política econômica e social ora em curso na sucessão presidencial pouco ajuda o eleitor a decifrar o que realmente distingue as duas estratégias em confronto. Para efeitos didáticos, vou recorrer a duas denominações para, em seguida, apurar sobre seus significados concretos na conjuntura: o “nacional desenvolvimentismo” ou “social desenvolvimentismo”, assumido pela presidente Dilma; e o projeto neoliberal que o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, previamente escalado ministro da Fazenda do candidato Aécio Neves, defende explícita ou implicitamente.
Por sua vez, fora do debate eleitoral formal, a informação econômica veiculada pelos meios de comunicação, ela própria muito contaminada ideologicamente, também é complicador no exercício do desvendamento dos interesses em disputa. Algumas vezes, “atos falhos”, como o do ex-presidente FHC, desqualificando os eleitores da candidata Dilma como desinformados, de baixa renda e habitantes dos grotões, revelam secretos preconceitos ideológicos contra determinados grupos sociais – nordestinos, pobres, pretos e ‘gays’, que por vias oblíquas entram no debate eleitoral.
Não vou entrar nessa discussão, porque meu artigo é específico sobre a disputa ideológica entre os projetos “nacional desenvolvimentista’ e o “neoliberal”, que, diga-se de passagem, já muito me onera a explicar o que significam em linguagem de entendimento geral. Mas, se estou chamando atenção para “atos falhos” de campanha, ou mesmo ostensivamente assumidos (vide resposta do candidato Fidelix à provocação da Luciana Genro sobre a união civil gay), é para que atentemos para um componente nada desprezível na disputa eleitoral: posições intransigentes de conservadorismo, resvalando para certo neofascismo. As eleições parlamentares nos apontam para bancadas inteiras neoconservadoras, principalmente no eixo Rio-São Paulo, com alguns campeões de votos com tendências neofascistas, e que não provêm dos ‘grotões’ mencionados pelo ex-presidente FHC.
O projeto de política econômica e social dos governos Lula e Dilma experimenta neste último mandato certo viés estagnacionista, que de certa forma bloqueia a estratégia distributiva (de renda) operada pelos benefícios monetários e não monetários da política social, sem contudo revertê-la. Recrudescem também pressões inflacionárias e o desequilíbrio externo, este último fortemente influenciado pela paulatina expulsão das exportações industriais.
A maneira de desatar esses nós – estagnação, conflito distributivo, pressões inflacionárias e dependência externa - faz grande diferença para a vida dos cidadãos, mas, em geral, se evita falar disso no debate eleitoral. Para voltar a crescer e distribuir, o sistema econômico e a política social carecem de reformas, principalmente de caráter tributário (com sentido de equidade tributária). Isto contudo é “corpo estranho” à base de sustentação política do governo. Mas, sem reformas que empurrem o sistema a crescer e sem as instituições que capturem o excedente econômico com sentido redistributivo, o ‘nacional desenvolvimentismo’ involui para subdesenvolvimento puro.
Por outro lado, o projeto neoliberal desvincula-se da ideia força da igualdade e não propõe ou pressupõe distribuição ou redistribuição de renda ou riqueza na sua concepção. Ao contrário, são os mercados soberanos os artífices da distribuição. O Estado não deve, segundo esta concepção, ter protagonismo nem na distribuição, nem no fomento econômico, mas operar no sentido de ordenar os fundamentos singelamente enunciados num tripé de metas de inflação, ‘superávit’ primário e câmbio flutuante. Nesse processo de ordenamento, entrariam os “sacos de maldade” dos quais os candidatos evitam falar.
Mas o senhor Armínio Fraga já disse, em outras ocasiões, embora não repita agora, que faria cortes profundos nos gastos públicos e no gasto social em particular (não confundir com o Bolsa família, que é insignificante nesse debate), para realizar o seu “ajuste” fiscal, sob alegação de uma meta de inflação mais baixa.
Por sua vez, bancos públicos e empresas estatais são corpos estranhos neste modelo. Mas falar em privatização também não é eleitoralmente simpático. Daí que se trabalha se o imaginário coletivo com uma campanha de denúncias de corrupção nas empresas estatais, para em segundo momento por em andamento a estratégia privatizante.
O modelo neoliberal confia cegamente na eficiência econômica dos mercados. Quaisquer que sejam os resultados do funcionamento real destes, a sociedade sempre prestará vassalagem. A independência do Banco Central vem nesta direção. E quanto às relações com o exterior, nenhuma dúvida – dependência integral como estratégia perseguida, da teoria à prática.
Todos nós eleitores estamos diante de uma escolha política no segundo turno. Do meu ponto de vista, é uma escolha do mal menor! O leitor, independentemente de sua formação acadêmica, tem intuições e certamente já fez sua opção interpretando os sinais dos tempos. Minha própria opção, porque não sou neutro, é no sentido de que digamos um não ostensivo às armações neoliberais, ora contaminadas por uma intransigente retórica de ultradireita.
Leia mais:
Direitos Sociais têm lugar subalterno na ‘economia política’ da sucessão presidencial
Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.