‘O PL 4330 é o maior ataque aos direitos dos trabalhadores na história do Brasil’
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- Gabriel Brito, da Redação
- 10/04/2015
Se o ano já está difícil para a maioria da população brasileira, a situação ainda pode ganhar contornos de liquidação total. É o que se conclui, do ponto de vista de quem trabalha, do Projeto de Lei 4330/04, que permite a terceirização de todas as atividades-fim de uma empresa, em tramitação no Congresso, aquele que deveria ser caixa de ressonância da população, mas virou escritório de despacho dos financiadores de campanha. Sobre esse quadro aterrador, entrevistamos Edson Carneiro, o Índio, da coordenação nacional da Intersindical.
“As consequências são nefastas, gravíssimas. Sem dúvida alguma, o maior ataque aos direitos dos trabalhadores de que se tem notícia na história do Brasil. Além das questões que atingem brutalmente os trabalhadores, a implantação de tal projeto impacta na concentração de renda do país, na arrecadação dos fundos públicos, da previdência social, do Fundo de Garantia, que terão redução de recursos, afetando políticas sociais. A massa salarial deve diminuir na renda nacional, o que prejudica o crescimento, o desenvolvimento e o poder de compra dos salários”, resumiu.
Além de detalhar a dimensão do que seria um desastre generalizado para os trabalhadores, Índio destaca a promiscuidade dos poderes em relação aos interesses privados, inclusive no STF, que tem em mãos um caso de terceirização das atividades-fim, cerne da disputa atual, que pode se tornar de repercussão geral. Não menos importante, falou dos protestos contra o projeto e da péssima atualidade que vive o movimento sindical brasileiro.
“São muitos aspectos não levados em conta pelos deputados. Na verdade, eles votam o projeto pra retribuir o financiamento privado que receberam em suas campanhas políticas. Agora, estão dando o retorno aos seus financiadores. Esse projeto só interessa para as empresas, bancos, grande capital... Para o povo brasileiro, o país e, em especial, a juventude, as mulheres, os negros, os setores mais fragilizados e principais vítimas da terceirização, serão enormes os impactos”, concluiu.
A entrevista completa com Edson Carneiro pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, o que significa o PL 4330 e seu sentido de ampliar as terceirizações para além de atividades meio, ou seja, coadjuvantes, em uma empresa? Quais seriam as principais consequências para os atingidos pela nova legislação?
Edson Carneiro – Índio: As principais consequências são que, a partir da aprovação do projeto, os trabalhadores hoje não sujeitos a contratos terceirizados poderão sê-lo. Ao generalizar a terceirização para todas as atividades da economia brasileira, vai acontecer que, se hoje os trabalhadores terceirizados são 25%, no médio prazo teremos a inversão dessa proporção. A enorme maioria dos trabalhadores terá alterações em seus contratos e será contratada através de firmas terceirizadas.
Significa que as conquistas das convenções e acordos coletivos serão massacradas. Os atuais terceirizados recebem salários muito inferiores aos dos trabalhadores diretamente contratados. Há categorias em que os trabalhadores terceirizados recebem menos de 1/4 daqueles diretamente contratados. Além de salários e direitos menores, a jornada dos terceirizados é ainda maior, em média 3 horas a mais por semana. Mas isso na média, pois há categorias onde a diferença de jornada é ainda maior.
Atualmente, 85% dos trabalhadores que sofrem adoecimento ou acidentes no trabalho são terceirizados. Os mais submetidos à rotatividade são aqueles contratados por firmas terceiras, ou seja, também aumenta a rotatividade do trabalho. De cada dez trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão, nove são contratados por firmas terceiras.
Portanto, as consequências são nefastas, gravíssimas. Sem dúvida alguma, o maior ataque aos direitos dos trabalhadores de que se tem notícia na história do Brasil. Além das questões que atingem brutalmente os trabalhadores, a implantação de tal projeto impacta na concentração de renda do país, na arrecadação dos fundos públicos, da previdência social, do Fundo de Garantia, que terão redução de recursos, afetando políticas sociais. A massa salarial deve diminuir na renda nacional, o que prejudica o crescimento, o desenvolvimento e o poder de compra dos salários.
Nada aponta para a aprovação de tal projeto, a não ser o interesse dos empresários, que querem garantir mais lucros em cima dos direitos dos trabalhadores. Outro aspecto a ser ressaltado é que, à medida que os contratos de terceirização se ampliam no setor privado e, particularmente, no setor público, veremos aumentar a corrupção no Brasil. Boa parte do financiamento das campanhas eleitorais é feita por empresas que prestam serviços aos estados, municípios e União. Se imaginarmos o impacto desse projeto para os mais de 5000 mil municípios do país, muitas prefeituras deixarão de realizar concursos públicos para contratar firmas terceiras. Na maioria das vezes, empresas terceirizadas têm acordos políticos nem sempre confessáveis com os setores dos partidos ligados aos empresários.
Correio da Cidadania: Um golpe fatal, simplesmente?
Edson Carneiro – Índio: É uma tragédia e temos de impedir a aprovação de tal projeto, senão, a classe trabalhadora vai descer ladeira abaixo na barbarização das relações de trabalho. É a barbárie que nos espera. Já há um processo gravíssimo de discriminação aos atuais terceirizados. A luta da Intersindical e outros setores sempre foi, é e continuará sendo para que os atuais terceirizados tenham seus direitos garantidos e isonomia com aqueles contratados diretamente pelas empresas tomadoras.
O argumento do Arthur Maia e do Paulinho da Força, de que eles estão ao lado dos terceirizados, é uma falácia. O que deveria acontecer é restringir-se ainda mais as terceirizações no Brasil. Hoje, a única regulamentação que existe para tal processo é a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que permite a terceirização nas atividades meio. Mesmo ela já é fraudulenta. Os empresários e deputados que defendem esse projeto, ao dizer que defendem a segurança jurídica das empresas, na verdade querem legalizar a fraude de milhares e milhares de contratos de trabalho.
O Ministério Público do Trabalho e as entidades sindicais já combatem esse processo de terceirização fraudulenta e os empresários só não as ampliaram ainda mais porque teriam de enfrentar processos na justiça, passivos trabalhistas... A aprovação do PL 4330/04 legaliza a fraude e dá segurança para as empresas arrocharem salários, diminuírem direitos e fraudarem contratos de trabalho.
Sou bancário desde 1990 e ao longo desta década. Já tivemos a experiência de ver vários colegas, que trabalhavam ao nosso lado nas agências e outros departamentos, serem demitidos e depois recontratados por firmas terceirizadas, pra realizar os mesmos serviços, nas mesmas instalações, com a mesma rotina de trabalho, porém, com salários e direitos muito menores. Essa realidade atinge todas as categorias.
O que se pode esperar do povo e da sociedade brasileiros, da classe trabalhadora e setores populares, progressistas, enfim, daqueles que querem um projeto de país com igualdade de direitos, desconcentração da renda e distribuição da riqueza, é assumir a tarefa de impedir a aprovação desse projeto.
Correio da Cidadania: Temos de atrelar tal projeto ao ano já marcado por ajustes fiscais?
Edson Carneiro – Índio: Sem dúvida. É o avanço do grande capital, no sentido de ampliar sua taxa de lucro em cima dos direitos dos trabalhadores, cortando a massa salarial. Na questão fiscal, tivemos uma reunião com o ministro Miguel Rossetto, e lembramos a ele esse ponto fundamental: um governo que faz ajuste fiscal abre mão de receitas nos fundos públicos, na previdência, no Fundo de Garantia, abre mão da própria arrecadação, pois, ao diminuir a massa salarial e o poder de compra e consumo dos trabalhadores, afeta a arrecadação da União, estados e municípios.
É preciso destacar que esse projeto tramita na Câmara dos Deputados desde 2004. O projeto inicial era do Sandro Mabel. Ficou vários anos em tramitação na casa e, há pelo menos quatro anos, a bancada empresarial da Câmara e Senado vem intensificando a pressão pela sua aprovação. Desde então, já vínhamos nos articulando com outros setores, com outras centrais, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), o movimento Humanos Direitos, pesquisadores que estudam o fenômeno da terceirização na academia, e constituímos um fórum nacional em defesa dos trabalhadores ameaçados pela terceirização.
Esse fórum foi responsável pela realização de grandes seminários e deixou clara a real intenção dos empresários. Conseguimos convencer 19 ministros do TST a assumirem posição contrária à terceirização sem limite. Consolidamos não apenas a opinião e a experiência concreta nos locais de trabalho, mas aliamos também um estudo bastante profundo, feito por quem pesquisa esse fenômeno há muitos anos no Brasil.
De fato, a questão do ajuste fiscal está inserida. Inclusive, o ministro Levy colocou uma trava pra tentar diminuir os gastos do Estado com pagamento de verbas rescisórias, mas é muito pouco. Claro que é muito importante garantir o trabalhador terceirizado, na hora da demissão ou falência da empresa. Já temos grandes empresas e grupos econômicos atuando com o fenômeno da terceirização. Já são especialistas. Mas também temos muitas empresas ligadas a grupos políticos, que mudam de nome a toda hora e, assim, dão calote nas verbas rescisórias, no Fundo de Garantia, nas férias...
A súmula 331, que garante a responsabilidade subsidiária, é muito insuficiente, porque não obriga a empresa contratante da firma terceirizadora e exime-a de qualquer responsabilidade. Isso contraria a Constituição e até os preceitos do capitalismo. O empresário que abre uma firma tem de saber que assume um risco. Assume o lucro, mas também o risco. E a terceirização é a forma de tais empresas se eximirem de suas responsabilidades.
São muitos aspectos da questão que não são levados em conta pelos deputados. Na verdade, eles votam o projeto pra retribuir o financiamento privado que receberam em suas campanhas políticas. Agora, estão dando o retorno aos seus financiadores. Esse projeto só interessa para as empresas, bancos, grande capital... Para o povo brasileiro, o país e, em especial, a juventude, as mulheres, os negros, os setores mais fragilizados e principais vítimas da terceirização, serão enormes os impactos.
Correio da Cidadania: Como foram, em sua visão, as manifestações contra o projeto desta terça, 7, espalhadas por várias capitais? Deixaram a desejar em termos de adesão?
Edson Carneiro – Índio: Foram importantes, mas ainda muito insuficientes. A manifestação mais importante, em Brasília, foi muito boa, com cerca de 6 mil trabalhadores. Tínhamos delegações de várias regiões e estados do país. Não era uma marcha, como costumamos fazer, e sim uma manifestação em torno da Câmara, dirigida aos deputados. Mas insuficiente. Nos reunimos com as centrais contrárias ao PL e vamos construir uma grande jornada de lutas, paralisações e greves em todo o país, no dia 15. A ideia é paralisar a produção, circulação de mercadorias e dizer que a classe trabalhadora e o povo brasileiro não podemos aceitar tal projeto. Vamos realizar uma segunda jornada muito importante de paralisações e greves.
No entanto, temos de lembrar que o projeto, depois de sair da Câmara, vai para o Senado, onde já há tramitação de projeto idêntico, o PLS 87, do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Ao que parece, a tramitação no Senado será muito rápida, passando por cima dos ritos do Congresso. E no final das contas pode ficar na mão da presidente Dilma, que sofrerá pressão pelo veto. Mas queremos fazer a batalha pra derrotar tal projeto ainda na Câmara.
Sabemos das dificuldades, dos compromissos do Eduardo Cunha, do relator Arthur Maia, do Paulinho da Força, cuja máscara cai ainda mais, pois é um grande traidor dos trabalhadores. Não é só a Força Sindical, porém, que defende o projeto. CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) e UGT (União Geral dos Trabalhadores) também, sem dar nenhuma importância aos direitos dos trabalhadores. Estão vendendo tais direitos apenas de olho na taxa negocial, no imposto sindical e na representação. Eles querem fragmentar ainda mais o movimento sindical e estão se preparando para abarcar a representação dos trabalhadores.
Trata-se de outro aspecto importante: a terceirização é uma das formas mais avassaladoras para fragmentar o mundo do trabalho e dificultar a organização sindical, que já é difícil, mas fica ainda mais quando se trata do trabalhador terceirizado. Ele não consegue ter sua identidade de classe mais clara, não costuma ter o sentimento de pertencimento à categoria.
E temos experiências gravíssimas em vários locais, onde os terceirizados não têm sequer o direito de almoçar ao lado dos demais funcionários. Nos bancos, não raras vezes, víamos companheiros vigilantes, faxineiros, almoçando no banheiro. Várias vezes vimos, em fiscalizações, tais pessoas com a marmita no banheiro, sentadas no vaso. É um processo de discriminação muito grande. As empresas discriminam e acabam levando essa noção ao seio dos trabalhadores. Nem todos os trabalhadores enxergam o terceirizado como um trabalhador igual a eles.
É uma tragédia. Por isso temos de derrotar o PL 4330/04 e derrotar a ofensiva no Senado. E há uma iniciativa empresarial também no STF, com o julgamento de uma ação movida há mais de 20 anos, da Cenibra (Celulose Nipo-Brasileira), empresa de reflorestamento de Minas Gerais, que, lá atrás, terceirizou sua atividade fim, no caso, o reflorestamento. Houve todo um processo, ela perdeu em todas as instâncias da justiça trabalhista e recorreu ao STF, que promete fornecer repercussão geral com tal processo.
Além das ofensivas da Câmara, temos, portanto, de derrotar a ofensiva no STF, porque, se der repercussão positiva esse julgamento, todas as ações trabalhistas que reclamam direitos de terceirizados seriam derrotadas. E a posição que os ministros indicam é que aceitariam a terceirização da atividade fim.
São iniciativas do grande capital e dos empresários nas mais diversas instâncias. É importante lembrar que, nas eleições de 2014, as confederações patronais, CNI, CNC, do sistema financeiro, do agronegócio, junto da FIESP, FIRJAN, se reuniram com os três principais candidatos pra cobrar compromisso com o PL 4330. Infelizmente, esse debate não apareceu, nem sequer nas candidaturas da esquerda. Um prejuízo, pois poderia ter sido alertado para a sociedade naquele momento, apontando os riscos que agora sofremos com tal ofensiva articulada entre deputados, bancos, grandes empresas, grande capital, pra acabar com os direitos do trabalhador. É um tiro de morte nos direitos trabalhistas no Brasil.
Correio da Cidadania: O que, finalmente, os atos do dia 7 dizem sobre a atualidade do movimento sindical?
Edson Carneiro – Índio: Essas situações tiram a máscara. No Congresso, estava sendo distribuído o “Boletim do Trabalhador”, assinado pela CSB, a “Farsa” Sindical e a UGT, a defender a aprovação do projeto. Como disse, as três centrais estão de olho apenas na taxa negocial de campanha salarial e no imposto sindical dos futuros terceirizados em caso de aprovação do projeto, além da vontade de abocanhar a representação do trabalhador.
Eles querem criar grandes centrais sindicais fantasmas, sem ação política, sindical, em defesa dos trabalhadores. Já vivemos um período nada bom de muita fragmentação sindical, e, com a terceirização sem limites, tal fragmentação tende a aumentar. Achamos, no momento, importante a unidade de todas as centrais contrárias ao projeto. Por isso nos reunimos nessa quinta, e vamos convocar um grande dia de mobilização, para denunciar Paulinho da Força, Antonio Neto, presidente da CSB, e Ricardo Patah, presidente da UGT.
É muito importante que todos saibam do papel nefasto desempenhado por essas entidades. Não é muita novidade, ao longo das últimas duas décadas eles já demonstraram muitas vezes que não estão ao lado dos trabalhadores. Mas agora estamos diante do principal momento, do ponto de vista dos interesses do trabalhador, de traição da classe e do povo brasileiro.
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Gabriel Brito é jornalista.