Hipóteses outonais
- Detalhes
- Wladimir Pomar
- 06/04/2016
Algo significativo ocorreu após as manifestações de 18 de março. Acabou a farsa dos órgãos do Partido da Mídia de noticiar ampla e com falsa neutralidade as manifestações de rua. O silêncio a respeito das manifestações contra o golpe foi ruidoso.
Acabou também a farsa dos noticiários televisivos darem 30 segundos para os adversários do golpe e 10 minutos para os favoráveis ao golpe. Agora não há sequer um segundo para os que defendem a ordem democrática.
Também parece haver acabado a farsa de prender magnatas envolvidos em ações corruptoras na Petrobras, de modo a demonstrar neutralidade na caça ao PT e a Lula. Além dos magnatas delatores haverem devolvido apenas uma merreca do que ganharam e estarem curtindo a “prisão” em seus palacetes ou casas de veraneio, está sendo preciso desencavar casos passados e julgados, que nada têm a ver com a Petrobras.
Paralelamente, o sistema financeiro já não esconde que especula com o câmbio e com as ações, negativamente, toda vez que a disputa parece pender para a defesa democrática e, positivamente, toda vez que a disputa parece pender para o golpe. E ninguém da oposição golpista se acanha em apoiar Cunha no comando do processo de impeachment contra Dilma.
Em outras palavras, os próximos dias serão decisivos para saber se a corrente conservadora e reacionária da sociedade brasileira vai se impor, através da Câmara e do Senado, à maioria da população brasileira. E se vai continuar, com o mesmo despudor, em seus planos de liquidar as conquistas democráticas e sociais da Constituição de 1988 e retirar o PT e Lula do cenário político, com reflexos negativos sobre toda a esquerda brasileira.
Nesta hipótese, quase tão trágica quanto a vitória do golpe militar de 1964, a esquerda terá que fazer um esforço político ainda mais intenso. Primeiro, para unificar seu programa de lutas em defesa dos direitos democráticos e sociais. Segundo, para evitar seu estilhaçamento em pequenos grupos, tanto de direita quanto de extrema esquerda. E terceiro para evitar que prosperem aventuras que rompam com a experiência histórica de que a violência, mesmo democrática, só se justifica diante das violências sem peias dos reacionários.
Em outras palavras, na hipótese acima, a esquerda, em particular o PT, terá que realizar um esforço considerável, num quadro de derrota política, para reajustar suas políticas. Isto é:
a) redefinir sua estratégia socialista;
b) elaborar táticas que deem destaque às lutas em defesa dos direitos democráticos e sociais;
c) reestruturar seu sistema de organização, priorizando as organizações de base da sociedade e a ligação com as grandes massas do povo;
d) fazer um acerto de contas com os erros de captação de recursos financeiros do empresariado, mesmo que tal captação tenha sido formalmente legal.
Se esses reajustamentos não ocorrerem e permanecer o atual cenário de múltiplas estratégias, táticas conflitantes, estrutura organizacional baseada em mandatos parlamentares e negativa em reconhecer os erros relacionados com a arrecadação financeira, será inevitável o desmanche. A vitória conservadora e reacionária se consolidará e talvez seja necessária uma década ou mais para que a esquerda volte a se reagrupar como força real e potente.
Embora a previsão acima seja a mais pessimista, é preciso ter em conta que a possível vitória democrática contra o impeachment é uma hipótese possível, mas não significará ingressar num mar de rosas sem espinhos. A direita conservadora e reacionária ainda terá forças empresariais, midiáticas, parlamentares, estatais e sociais para continuar batalhando pelo objetivo de liquidar o PT e Lula e destroçar o restante da esquerda o mais rapidamente possível.
Na melhor das hipóteses para as forças democráticas, a esquerda manterá o governo, mas terá que enfrentar:
a) a ofensiva do sistema financeiro e demais parcelas empresariais para completar o desarranjo da economia, pressionando a elevação dos juros, elevando a inflação, embaralhando o câmbio, disseminando o desemprego, impedindo os investimentos produtivos e a industrialização etc.;
b) a ofensiva dos diversos setores políticos da direita para paralisar o governo através de ações judiciais contra investimentos públicos, obras, transferências de renda para os mais pobres etc.;
c) a ofensiva do Partido da Mídia para desqualificar a esquerda e derrotar seus candidatos nas eleições de 2016 e 2018.
Em outras palavras, mesmo que obtenha uma vitória contra o impeachment, a esquerda no governo terá que fazer com que este perca o medo de desagradar o sistema financeiro e mude radicalmente sua política econômica. Ou seja, rebaixe os juros, administre o câmbio, retome os investimentos públicos e a industrialização, trace uma política soberana de atração de investimentos externos e retome o crescimento da economia e do nível emprego.
Essa é a maneira mais segura de retomar a iniciativa política e enfrentar a ofensiva da direita. Se ela não for efetivada, os cenários políticos se tornarão novamente muito nublados. E a vitória contra o impeachment não passará de um belo e fugaz canto outonal.
Leia também:
“O pântano no volume morto: degradação institucional brasileira atinge ponto mais agudo" – entrevista com o sociólogo do trabalho Ricardo Antunes
Sobre a vontade generalizada de ser massa de manobra
O buraco negro da conjuntura política nacional
A classe trabalhadora volta do paraíso
‘Governo arruinou a Petrobras; Brasil já perdeu janela aberta pelo Pré-Sal pra se alavancar’ – entrevista com o cientista político Pergentino Mendes de Almeida
O que pretendem os setores dominantes com o impeachment de Dilma: notas preliminares
“Lula é o grande responsável pela crise" – entrevista com o economista Reinaldo Gonçalves
Fábio Konder Comparato: “A Operação Lava Jato perdeu o rumo”
Sobre crises, golpes e a disputa do Planalto
Lula na Casa Civil: o que muda para a esquerda?
Referendo revogatório: que o povo decida
‘Sistema político derrete em meio a dois clãs em disputa pelo aparelho de Estado’ – entrevista com o cientista político José Correia Leite
"Lula e o PT há muito se esgotaram como via legítima de um projeto popular" – entrevista com a socióloga Maria Orlanda Pinassi
Precisamos construir outro projeto de país, longe dos governistas
“A Operação Lava Jato ainda não deixou claro se tem intenções republicanas ou políticas” – entrevista com o filósofo e pesquisador Pablo Ortellado
“O Brasil está ensandecido e corre risco de entrar numa aventura de briga de rua” - entrevista com o cientista político Rudá Ricci
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
Comentários
Só não teve medo de trair seus compromissos de campanha e governar com o programa do Aécio. Perdeu apoio dos seus eleitores e não ganhou apoio algum da oposição, só ódio e desprezo.
A CNA - Confederação Nacional da Agricultura e a Frente Parlamentar Evangélica acabam de anunciar seu apoio ao impeachment. A Globo (apesar das verbas publicitárias) está no comando midiático ao golpe faz tempo, como a FIESP no setor empresarial. Valeu a pena tanta subserviência e covardia diante dos poderosos do país?
A Dilma Coragem, na verdade se revelou a "Dilma Bobagem" que fez as tais "pedaladas" por causa do déficit causada pelas isenções fiscais generosas aos empresários (Bolsa Empresário) e os incríveis 513 bilhões pagos de juros no ano passado (Bolsa Banqueiro).
Lulinha Paz e Amor, dono do PT, escolheu sozinho a sua herdeira e não foi cobrado por isso; Dilma, aposto, só esta esperando a poeira baixar para ir fazer mais um omelete no programa da Ana Maria Brega.
A discípula superou o mestre no quesito "paz e amor".
Assine o RSS dos comentários