Vamos continuar lavando as mãos em relação ao Congresso Nacional?
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- Marcelo Castañeda
- 28/04/2016
A sensação de asco, nojo e espanto com os posicionamentos dos deputados federais nas suas justificativas de voto a favor do impeachment da presidente Dilma no dia 17/4 na Câmara são sintomáticos. Primeiro por demonstrar que estamos desatentos e distantes da esfera legislativa a ponto de nos espantarmos ou simplesmente constatarmos que somos representados por brancos, cristãos, conservadores, homofóbicos, machistas, racistas e até torturadores da pior espécie. Segundo, quero ressaltar que em certa medida somos responsáveis por isso, e me refiro a quem está parando para ler o texto, tido como bem informado(a) e potencial formador(a) de opinião.
Para quem não tem a dimensão dos “argumentos proferidos” pelos representantes, uma coletânea foi feita pela Cecília Olliveira e pode ser vista aqui: https://goo.gl/X7qG2x. Não vou entrar no mérito de pensar se essa Câmara representa a população brasileira, ainda que acredite que sim. Basta ver que o resultado da votação, independente dos discursos, representa de certa forma o desejo da população por afastar Dilma. Evidentemente, a população também quer o mesmo em relação a Temer e isso não será feito. Mas o fundamental é pensar que são esses os eleitos pela população.
Que tal começarmos a pensar em formas de enfrentar o que tanto nos deixou impressionados nas falas dos deputados? Particularmente, não esperava nada muito diferente e vou mais além: o que deve ser a Câmara dos Vereadores ou a Assembleia Legislativa mais próxima?
Os desafios são imensos e a dissonância em pauta deve-se fundamentalmente ao fato de nos focarmos exageradamente no Executivo e apreciar o Legislativo como mero apêndice, algo menor. Não fazemos qualquer esforço consistente em relação às eleições legislativas.
Um bom começo, por exemplo, ainda no calor da hora da votação da Câmara, seria aproveitar os posicionamentos que consideramos absurdos delineados pelos deputados durante a votação do impeachment, e não foram poucos, e levar essas posições para suas bases eleitorais para provocar debates públicos. Quem tem pique pra isso? Quem está organizado para agir no curto prazo? Porque ficar destilando revolta e espanto ou inconformismo pelas redes sociais não vai mudar a situação. Se não estamos organizados precisamos estar, pois essa ação não virá dos representantes que temos, por exemplo.
Um outro caminho é fomentar debates locais para discutir as múltiplas escalas da representação com base naquilo que é fundamental em termos de pautas para os grupos sociais que compõem essa base, qualificando o público para melhores escolhas no tempo da política eleitoral. Claro que não vai mudar no curto prazo, pois trata-se de uma cultura política que se constituiu em séculos conjugada à própria mercantilização da política, mas é um passo possível para estancar o clientelismo e o coronelismo.
Por fim, nada disso será eficaz se não lutarmos por uma reforma política que não se limite ao sistema eleitoral. Estamos falando de um país diverso em que uma mídia concentra o fluxo de informações e uma polícia militar e milícias matam pobres, em especial negros. Sem esses dois enfrentamentos é muito difícil produzir mudanças consistentes em termos de participação popular.
A caminhada é longa e árdua, mas uma coisa é certa: ninguém que está lá em cima fará isso por nós.
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Marcelo Castañeda é sociólogo e pesquisador.