Correio da Cidadania

Rio + 20 e Cúpula dos Povos: fracassos em palco iluminado

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Meu coração rural
Ri do Rio
De Janeiro a Janeiro
(Escaramuça, poeta e compositor itinerante)


“Minha Vida / era um palco iluminado / eu vivia vestido de dourado / palhaço das perdidas ilusões...” (Chão de Estrelas de Orestes Barbosa, música imortalizada por Maysa e, para o meu gosto e juízo estético-musical, assassinada por Maria Bethânia, em arroubos estereotipados, recurso pobre para ressaltar o drama encerrado na música e seu tom, certamente meio fúnebre, mas sem o estereótipo brega-dramático imposto por Maria Betânia).

 

Esta música eu ouvia, quando criança, na voz de meu pai a fazer o meu irmão mais novo dormir em seu colo, andando pelo quarto de dormir com a luz apagada. Eu achava muito engraçada a letra e a música um tanto enfadonha. Hoje entendo o seu apelo dramático e o estado de espírito de meu pai, em plena ditadura militar, com muitos de seus sonhos frustrados a cantar isso para fazer o filho dormir (mas isso são outros quinhentos réis...).

 

Hoje, acordei pensativo sobre este evento, a Rio + 20 e Cúpula dos Povos, que toma a forma eminentemente festiva e turística de um lado e de proselitismo político e de negócios do outro. Sem querer parecer chato, mas o sendo conscientemente, estaria mais para um acontecimento tipo velório ou enterro, literalmente. Ainda mais com o fracasso anunciado das iniciais perspectivas temáticas e decisórias, que alguns bobos alegres e inocentes inúteis propalavam por aí, como a “aquecer” o ramo de atividades de onde são profissionais e “caçadores de verbas institucionais”, tornando o evento um palco iluminado e cheio de palhaços das perdidas ilusões.

 

Lembrei-me de uma reunião de cúpula sobre a fome no mundo (ONU-FAO), na Itália, há cerca de 10 anos, onde, segundo o relato dos jornais, foram três dias de algumas reuniões entremeadas de laudos e finos banquetes, hospedagens e transbordos carésimos e sabe-se lá mais o que, depois da “hora do expediente”. Na época pensei se não seria um exemplo ao mundo que os altos executivos da diplomacia e governos se submetessem a um cardápio minimalista, bem monástico e pouco farto (quem sabe até um jejum de 24 ou 12 horas após o evento – para não exigir muito de tão nobres agentes governamentais – simbolizando ativamente o compromisso com os famélicos do mundo...). De forma, assim, a falar sobre aquilo que seus governos, decididamente, não querem resolver, pois a fome e a iniqüidade social geram carências múltiplas, prato principal da vida vampiresca daqueles que se dizem imbuídos de governarem os “destinos da humanidade”.

 

Sinceramente, um tom mais sério e menos comercial ou de deslavada propaganda política de alguns já me faria ser um pouco condescendente com este evento no Rio. Evento que, da forma como foi apropriado pelo mundo político-institucional, lideranças pelegas dos movimentos sociais e do mundo corporativo/empresarial, é enfadonho e pernicioso ao desenvolvimento de qualquer tese razoável sobre o tema, pois estão ali para mais um verniz sobre aquilo que não fazem. Outros estão ali na postura conformada de “oposição” ao evento institucional, mas dependentes das estruturas governamentais e verbas para erigir a tal Cúpula dos Povos. Uma cúpula que, por sua vez, está cheia de “líderes” e “coordenadores” em forte promiscuidade institucional com os governos e empresas que financiam e se locupletam deste embuste festivo e da destruição do planeta, e que têm o desplante de anunciar o Rio como uma “cidade ecológica”, mesmo com suas cerca de mil favelas sem saneamento básico e outras desgraceiras e desleixos que deveriam envergonhar a todos. E, de quebra, com Dilma a jogar para a platéia, criticando os “países ricos e a Alemanha”, depois de ter celebrado acordo bilateral com Ângela Merkel, totalmente lesivo ao Brasil.

 

A prova cabal do que escrevo aqui, de forma crítica ao evento, foi o anúncio, com pompas e circunstâncias e colocando o governo federal de Dilma como protagonista do feito, da Via Campesina e do MST, a propalarem que fecharam uma venda de 15 toneladas de arroz orgânico, com possibilidade de venda de 10 toneladas ao mês, até dezembro.

 

O argumento para esta transação, com rede monopolista do varejo Pão de Açúcar (cerca de 150 estabelecimentos pelo país, sob vários nomes (lembram do Abílio Diniz...), é triste, iníquo e tergiversador.

 

Segundo os que se locupletam desta transação, ela diz respeito “a uma necessidade do MST de aproximar-se da classe média”, como disse o dirigente do MST Milton Formazieri, dizendo que “precisamos mostrar que temos uma produção social”. Quando, na verdade, deveriam estar exigindo dos governos municipais, estaduais e federal que comprem, em bom volume e a bom preço, a produção orgânica da agricultura familiar, para distribuir alimentos saudáveis nas redes assistidas (creches, escolas, acolhimento de idosos, acolhimento de crianças em risco social, hospitais etc.), em vez de “limparem a fachada” de promotores do agronegócio (99% do que se vende nestes supermercados). Pela cara de satisfação do coordenador do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar, Renato Maluf, e do ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, a perspectiva de “conteúdo social da produção” não faz mais parte destes programas oportunistas e eleitoreiros.

 

Eis mais algumas observações dos resultados desta tal Conferência dos Povos e da Rio + 20:

 

1)  O “apartheid” entre a conferência institucional e a “dos povos”, distantes entre si cerca de 30 km e muito trânsito, foi aceita sem maiores problemas por quem deveria estar programando protestos pesados e que realmente marcassem este evento – e não aquele “desfile à fantasia”, de palhaços sorridentes e de bom humor, como o que vimos na TV.

 

2) Protestos anacrônicos com as mulheres expondo seus seios, como se estivéssemos na década de 60, quando a nudez não havia sido ainda tão banalizada e exposta de forma tão contumaz, e pior, sem nenhuma denúncia contra o projeto, não de regulamentação da profissão de prostituta, mas sim da regulamentação e legalização do lenocínio (exploração da prostituição por terceiros), que está em curso no Congresso e será aprovado brevemente.

 

3) A disputa olímpica dos indígenas, a mostrarem ao mundo não o seu intelecto, mas sim a sua força bruta a carregar troncos de madeiras em uma corrida louca, para lugar nenhum, como uma Fórmula 1 das florestas. Sequer tiveram a idéia de arremessar a tronqueira carregada nos ombros nos vitrais de alguma destas corporações capitalistas, como, por exemplo, a FIRJAN, ali pertinho do Aterro do Flamengo.

 

4) A notícia de que os índios que se alimentaram das “quentinhas” acondicionadas no poluente isopor foram acometidos de disenteria por comida estragada. Não me consta de nenhum piriri entre a malta da Conferência das Nações no Riocentro.

 

5) Após a passeata festiva, inócua e bem comportada que os integrantes da Cúpula dos Povos promoveram, para desfilarem suas vaidades, a Via Campesina e o MST distribuíram (gratuitamente) mais destas famigeradas quentinhas de isopor para a plebe esfomeada, com conteúdo 100% convencional, pois alimentos sem venenos não se viu por ali.

 

6) E, por fim, o fracasso anunciado teve o seu palco iluminado para o desfrute e desfile das vaidades incontidas, não só de políticos enganadores, mas também de seus pequenos e secundários capatazes, que vivem a cercar verbas governamentais e corporativas, sob o preço da despolitização do povo brasileiro – o qual, ao contrário do que alguns querem nos convencer, continua alheio ao que se passa ao seu redor, e não sabe o que se passou no Rio, como pude comprovar através de inúmeros depoimentos colhidos por mim pessoalmente.

 

Assim, termina esta pantomima, em que nada se pareceu com a Rio 92, onde, sem dúvida alguma, a sociedade civil organizada, mas não ainda tão aparelhada pela politicalha institucional, surpreendeu o “establishment” e deu o tom do evento, protagonizando as ações e a mídia. Além de termos realmente alavancado um pouco a consciência social, mesmo de forma insuficiente, mas muitos furos acima desta porcaria que fizeram na ex-Cidade Maravilhosa, agora “Wonderful Rio”.

 

Fica como emblema desta conferência a foto de uma indiazinha que, inocente, fez de um saco plástico um adereço para enfeitar seu bracinho minguado.

 

E também a fala televisiva do pré-reformista Fernando Gabeira, dizendo “a Rio + 20 ao menos trouxe a temática dos oceanos para a pauta dos governos e a nós cabe ESPERAR O FUTURO” (Band TV – 19 de junho de 2012). Ao menos este, quando morrer, não será enterrado em cova rasa como indigente, como muitos brasileiros, até hoje, o são. Ao contrário dos oceanos, não entraram ainda na pauta dos governantes tão acariciados pelo “light” Gabeira.

 

De minha parte, continuo tentando construir o futuro, e não passivamente ESPERANDO ele chegar, como fazem atualmente. Sem dúvida, fazendo o papel de verdadeiras projeções futuristas da letra da música Chão de Estrelas enunciada no início do artigo, “Minha Vida / era um palco iluminado / eu vivia vestido de dourado / palhaço das perdidas ilusões...”.

 

Raymundo Araujo Filho é médico veterinário homeopata, membro da IWA (Associação Internacional dos Artistas e Escritores), e que preferiu realizar ações ambientais reais, não deixando o seu trabalho de produtor de leite orgânico para validar com sua presença uma festividade macabra como foi esta Rio + 20 e Cúpula dos Povos.

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