Oportunismo político
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- Frei Marcos Sassatelli
- 30/06/2012
A aliança - amplamente divulgada na imprensa de modo ostensivo, debochado e cínico - de Maluf com Haddad (e o Lula, seu padrinho), do Partido Progressista (PP) com o Partido dos Trabalhadores (PT), é um espetáculo político repugnante. A impressão que essa aliança dá é que, no meio político, a sem-vergonhice não tem limite.
Para os políticos oportunistas não existem ideais, projetos políticos ou correntes de pensamento. Seu comportamento é meramente pragmático. A sede de poder é tanta, que para conseguir alguns minutos a mais na propaganda televisiva tudo é permitido, tudo é lícito, até a aliança com o capeta, se for necessária. Quanta baixeza moral, quanta falta de dignidade!
A maior decepção é com o PT, que no passado - por ser então um partido diferente - suscitou tantas esperanças nos trabalhadores(as) e que, por causa da busca do poder a qualquer custo (único princípio “ético” do partido, atualmente), se vendeu, passando ao outro lado (o lado dos poderosos, dos opressores). O PT renegou o ideal de um projeto político popular (não reformista, mas alternativo ao projeto capitalista), que acontece na história (um processo dialético) pela ação dos trabalhadores unidos e organizados, juntamente com seus aliados. O PT - com a exceção de algumas correntes minoritárias, que ainda resistem ao desmoronamento político e ético do partido - tornou-se hoje o Partido dos Traidores (ao menos se mantém a sigla).
O psicopedagogo e professor Durbem (embora não concordando com ele quando afirma que “político é tudo farinha do mesmo saco”), expressa os sentimentos de muitas pessoas e faz um desabafo, dizendo: "Lula traiu o povo brasileiro... Prova que politico é tudo farinha do mesmo saco... Lula, Collor, Maluf, Haddad, todos nadam na cachoeira dos esquemas das maracutaias do jogo sombrio do poder a qualquer custo!" (http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2012/06/25/lula-diz-nao-se-arrepender-nem-um-pouco-de-alianca-com-maluf.jhtm - comentário).
O Lula é hoje um dos maiores caras-de-pau, populista, demagogo e tapeador do povo, debochando de tudo e de todos, e agindo politicamente como um verdadeiro coronel. Infelizmente, ele ainda conta com muitos seguidores. São políticos que não têm um pensamento e uma personalidade própria, mas gostam de viver à sombra de um ídolo e de ser mandados.
“Aliança política” não é um acordo pontual sobre alguma ação concreta (com a qual - numa determinada circunstância e por razões diferentes - pode-se estar de acordo), mas é a união em torno de um objetivo comum e de um projeto político-ideológico com o qual se comunga. Em outras palavras, uma aliança política supõe comunhão de entendimentos naquilo que - no projeto político-ideológico - é essencial, embora possa haver diferenças naquilo que é acidental. Aliás, foi isso que o PT (quando ainda era PT) sempre defendeu. As alianças políticas só eram permitidas com partidos situados no campo democrático-popular. Portanto, PT, quem te viu e quem te vê!
Um dia depois da feijoada que - na mansão do próprio deputado - selou o apoio de Paulo Maluf (PP-SP), o pré-candidato do PT a prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, perdeu sua vice. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), 77 anos, deixou a chapa em protesto contra a aliança (Cf. Folha de S. Paulo, 20/06/12, p. A4). Parabéns, Erundina, pelo seu gesto de coerência política, virtude muito rara no dias de hoje, sobretudo entre os políticos.
Felizmente, o povo está começando a tomar consciência do oportunismo e descaramento de muitos de nossos políticos. Dia 27 do mês corrente, a imprensa noticiou: “64% dos petistas rejeitam apoio de Maluf. Aliança com ex-prefeito pode tirar votos de Haddad. Influência de Lula segue em queda em São Paulo” (Ib., 27/06/12, p. A8).
Para justificar a aliança política, sempre em nome da chamada governabilidade (que governabilidade!), usam-se desculpas esfarrapadas. O ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, afirma: “Como nós aceitamos o apoio do PP no governo federal, é natural que houvesse uma aproximação com o PP paulista”.
O sociólogo Emir Sader não vê novidade no apoio, uma vez que o PP é da base aliada federal e diz: “O fundamental é derrotar a ‘tucanalha’. Eu posso gostar ou não do Maluf, mas vou fazer campanha para o Haddad do mesmo jeito” (Ib., 26/06/12, p. 09). Pergunto ao eminente sociólogo: qual é a diferença que existe hoje entre a “tucanalha” e a “petecanalha”, entre a “malufcanalha” e a “lulacanalha”?
Vejam o que dizia Lula em 28 de junho de 1984: “O símbolo da pouca-vergonha nacional está dizendo que quer ser presidente. Daremos a nossa vida para impedir que Paulo Maluf seja presidente”. Veja também o que dizia Maluf, no dia 1º de janeiro de 1993: “Ave de rapina é o Lula, que não trabalha há 15 anos e não explica como vive” (http://i.mundogump.com.br/massupload/779246lula%20e%20maluf%202.jpg).
Vejam, pois, o que dizia Lula no dia 25 deste mês: não me arrependo "nem um pouco" da aliança eleitoral costurada com o deputado Paulo Maluf (PP-SP) em torno da candidatura do petista Fernando Haddad.
Vejam ainda o que dizia Maluf no mesmo dia: “Da maneira que exerceu a presidência, diria que o Lula está à minha direita. Eu, perto do Lula, sou comunista. Eu não teria tanta vontade de defender os bancos e as multinacionais como ele defende. Quando ele tira imposto dos carros, tira da Volkswagen, da Ford, da Mercedes. Quando defende sistema bancário, defende quem? Os banqueiros. Eu, Paulo Maluf, industrial, estou à esquerda do Lula. De modo que ele foi uma grata revelação do livre mercado, da livre iniciativa” (Folha de S. Paulo, Ib.).
Que metamorfose! Infelizmente, diante de tanto oportunismo, de tanto descaramento e de tanta maracutaia, muitos - inclusive intelectuais - se omitem. Só para citar um exemplo, a filósofa Marilena Chauí, a respeito da aliança, se limitou a dizer: “Não acho nada. Nadinha”.
Pessoalmente, concordo com o advogado Hélio Bicudo (que é fundador do PT e deixou a legenda após o escândalo do mensalão, porque ela “se deteriorou”) quando ele afirma: “Não vejo novidade. Aqueles que são iguais, que têm o mesmo estofo se cumprimentam” (Ib. p. A7). Em geral, intelectuais e políticos que deixaram o PT criticaram a aliança com o Maluf e com o PP.
Só para lembrar. Segundo noticiou a imprensa, o ex-prefeito paulistano Maluf é “procurado em 127 países pela Interpol”. Que boa companhia que o PT arrumou! Vale o sábio ditado popular: “Diga-me com quem você anda e eu direi quem você é”. Apesar de tanta sem-vergonhice, um “outro mundo” é possível e necessário. Lutemos por ele. A esperança nunca morre.
Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), é professor de Filosofia da UFG (aposentado).
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Comentários
A transformação social pela via partidária torna-se cada vez mais inviável, é hora de descartarmos ha possibilidade de uma via partidária como agente transformador.
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