Cocaína com frutas
- Detalhes
- Roberto Malvezzi
- 20/08/2007
A bomba estourou aqui
no sertão. A empresa MARIAD, de um colombiano que exportava
manga e uva no São Francisco, também exportava cocaína
através das caixas de frutas. Ele era um dos braços de
Abadia, o chefe da máfia colombiana preso em São Paulo.
Nas últimas pesquisas nacionais sobre violência,
o município com maior índice de mortes por arma de fogo
em termos percentuais foi Cabrobó, no sertão
pernambucano, ali de onde sai o Eixo Norte da Transposição
e onde D. Luís fez sua greve de fome. Aqui pelo São
Francisco, com chegada da maconha ainda na década de 80, a
violência tomou conta dessa região do sertão. As
chacinas acontecem, como na semana passada aqui em Juazeiro, quando
dois policiais foram eliminados por quadrilhas, segundo os próprios
assassinos, a mando do PCC sediado no sul do país.
O
sertão também pede paz. Essa semana participei de dois
eventos em prol da cultura da paz. Um organizado pelo Conselho
Nacional das Igrejas em Brasília e outro na diocese de
Floresta, sertão do Pernambuco.
Em Floresta o evento é
fruto do esforço emocionante pela paz de uma diocese que reúne
todos os ingredientes para ser um dos espaços mais violentos
do Brasil, isto é, pobreza, plantio de maconha, dois canais da
transposição do rio São Francisco e a promessa
da instalação de uma Usina Nuclear. Aqui está
claro que, sem opções, parte da juventude e também
os adultos vai mesmo para os braços do tráfico.
Eram
quase novecentos educadores de todos os municípios em buscas
de uma cultura da paz. Eles mesmos, muitas vezes estigmatizados
simplesmente por terem nascido em uma região que é
considerada o covil dos traficantes. É a mesma experiência,
talvez, de quem mora nas favelas do Rio e são considerados
bandidos a priori, apenas porque são originários e
moradores das favelas. Por isso o esforço de tentar construir,
a partir do Brasil Sertão, a paz em sua região. Sinal
que o povo não está alheio, mesmo que cansado. Não
o cansaço da classe média, transformado em movimento,
mas da violência estrutural brasileira que não nos tem
permitido grandes sonhos. A classe média e o topo da pirâmide
social querem na verdade uma sociedade policialesca e repressora, não
uma sociedade de paz, construída sobre a base sólida da
justiça social.
A Comissão Pastoral da Terra há
anos registra os conflitos pela terra no território
brasileiro. Nossa observação é que, aqueles que
agridem e violentam as pessoas, são também aqueles que
agridem e violentam o meio ambiente. Chico Mendes e Ir. Dorothy são
alguns dos testemunhos martiriais dessa realidade. Afinal, quem não
respeita sequer a vida de uma pessoa de setenta e quatro anos, porque
vai respeitar as árvores da floresta? Por isso, a ganância
humana que trafica, que produz as guerras, que explora as pessoas, é
a mesma que gera a depredação do planeta. Agora nossa
violência contra o planeta terá que enfrentar a vingança
violenta de Gaia.
A paz é fruto da justiça, já
diziam os profetas bíblicos. Os grandes pacifistas, a começar
pelos profetas, passando por Jesus de Nazaré, chegando a
Ghandi e Luther King, morreram assassinados. Portanto, não é
simples construir a paz, sobretudo quando uma sociedade alcança
o grau de degradação da brasileira. Não é
por acaso que o Brasil, um dos países mais injustos da face da
Terra, também seja um dos mais violentos. Nós queremos
a paz, mas parece que estamos cada vez mais longe dela. Entretanto,
não nos é permitido desistir. Nesses momentos, como em
Brasília ou Floresta, é possível até
sonhar.
Roberto Malvezzi, o Gogó, é coordenador da CPT.
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