‘Ficou demonstrado que em São Paulo predomina o voto conservador’
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- Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação
- 18/10/2012
Após mais uma edição das eleições municipais, os brasileiros ainda fazemos o balanço de mais um pleito local, que levou à eleição de prefeitos e vereadores nos mais de 5500 municípios do país. Têm sido muitas e variadas as análises e visões resultantes destas que são sempre comemoradas como uma das principais “festas da democracia. Análises e visões estas, como de costume, influenciadas pelo veio político e ideológico dos distintos observadores políticos. Neste ano, com processo eleitoral e mensalão disputando cada canto da pauta política, as avaliações do cenário eleitoral aparecem ainda mais polarizadas, levando a um contexto bem mais complicado para o discernimento dos eleitores.
Para dar a sua opinião e comentar as perspectivas que se abrem, o Correio da Cidadania conversou com o sociólogo e estudioso do mundo do trabalho Ricardo Antunes, também professor da Unicamp.
Entre os 50 casos de cidades que vão ao segundo turno, folga dizer que São Paulo é o mais candente. E na opinião de Antunes, o resultado paulista, mesmo com a entrada de Fernando Haddad e Serra na segunda volta, reafirma a personalidade conservadora da cidade política e ideologicamente mais influente do país. Um conservadorismo que apenas estaria cabalmente consagrado caso tivesse sido vitorioso no primeiro turno Celso Russomanno, uma candidatura apartidária, quase obscurantista, daquelas que dispensam legendas e vínculos.
Quanto ao mensalão, sua influência, segundo Antunes, é bastante relativa, dissipando-se conforme diminui a relevância nacional da praça em disputa. No entanto, não quer dizer que não será decisivo onde for usado com maior ênfase – vide, mais uma vez, o caso da capital paulista, onde certamente será usado “sem limites” pelo tucanato.
Ampliando a visão do pleito, Antunes aponta a ascensão de partidos de centro, em especial o “fisiológico” PSB e o “anódino” PSD, que surgem como forças a ocupar vácuos novamente não ocupados pela esquerda – leia-se PSOL, PSTU e PCO, basicamente, salvo exceções, como o Rio, onde Marcelo Freixo, do PSOL, atingiu uma surpreendente votação no primeiro turno, e Belém, onde o partido irá disputar o segundo turno com Edmilson Rodrigues. No entanto, o autor de diversos livros e ensaios sobre a classe trabalhadora e suas transformações históricas reitera que a esquerda ainda não cooptada pela “ordem” deve reforçar seus vínculos sociais e sindicais, de modo a evitar o mesmo processo vivenciado pelo PT, culminado na destruição definitiva dos alicerces transformadores do partido do “cacique” Lula. Um partido agora prestes a fazer “São Paulo deixar de ser o bastião do tucanato”.
Correio da Cidadania: Como você avalia, no geral, o atual processo eleitoral municipal em nosso país, à luz agora dos resultados do primeiro turno?
Ricardo Antunes: O processo eleitoral do primeiro turno permite algumas conclusões. Embora o PT tenha crescido em números gerais em relação à eleição anterior, seu desempenho foi aquém do esperado. Perdeu prefeituras importantes como Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. Se antes tinha forte entrada nessas e outras cidades, onde sequer mostrou força, agora vimos uma retração no que diz respeito à ‘qualidade’ de algumas cidades e capitais conquistadas ou não.
O segundo elemento é a relativa perda do PSDB. Ainda que tenha tido vitórias, o partido se enfraquece e mostra sua tendência de fragilização e esgotamento, enquanto oposição de centro-direita ao governo Lula.
Relativamente vitoriosos foram os partidos de pequena e média envergadura, tais como o PSB, um partido de centro, levemente à esquerda, ainda que com ressalvas, vide as alianças ora com PT, ora com PSDB. É um centro meio pantanoso, ora se aproxima de um lado, ora de outro, ficando no mais das vezes como centro-esquerda.
As eleições mostram também que o centro anódino, do PSD de Kassab, também entrou no vácuo decorrente da crise praticamente terminal do chamado Democratas (DEM) – apesar de essa denominação ser o inverso de seu significado, por nunca ter sido democrático e se tratar do ex-PFL e, mais atrás, da ARENA.
Acredito que seja esse o cenário eleitoral, sendo preciso também dizer que a esquerda – basicamente PSOL, PSTU e PCB – que está em oposição ao governo Lula (oposição naturalmente pela esquerda) tampouco teve grandes vitórias. Além da vitoriosa campanha do PSOL, com Marcelo Freixo, no Rio, há um caso importante em curso, do Edmilson Rodrigues, em Belém do Pará, disputando o segundo turno com o PSDB. Mas temos que ter tranquilidade pra reconhecer que a ‘esquerda da esquerda’ não consegue mobilizar um eleitorado descontente com o binômio PT-PSDB.
Outra lição importante das eleições foi o enorme número de votos nulos, em branco e abstenções, numa eleição na qual, como se sabe, o voto é obrigatório. Isso sinaliza, por certo, para dizer o mínimo, que há um sentimento forte de que "todos são iguais", "nada vai mudar". E esse sentimento se expressa emblematicamente nestas distintas formas de não-participação eleitoral.
Esse é o panorama preliminar que faço após as eleições municipais de primeiro turno.
Correio da Cidadania: Em São Paulo, maior e mais rica cidade do país, o segundo turno será disputado por José Serra e por Fernando Haddad, o que deverá trazer ao páreo o acirramento da rivalidade PT versus PSDB. Qual o significado desta disputa no atual cenário político e eleitoral, nacional e municipal, e quais as perspectivas que se pode abrir para São Paulo e para o Brasil?
Ricardo Antunes: Primeiramente, ficou demonstrado que em São Paulo predomina o voto conservador. Porque nós sabemos que, dois ou três dias antes da eleição, o Russomanno ainda se encontrava na frente. Na verdade, ele perdeu a eleição nos últimos dias, com a tendência de queda acentuada nas últimas duas semanas. O PSDB tem em São Paulo o bastião de seu conservadorismo; já o PT, depois da ingerência à moda antiga dos caciques políticos, exercida pelo Lula, que tirou lideranças naturais como a Marta e impôs o candidato neófito em eleições (Haddad), suou muito a camisa. O próprio partido, na última semana antes das eleições, tinha muita dúvida se o Haddad ia ao segundo turno, já que as pesquisas davam folga ao Russomanno.
Portanto, São Paulo terá sua disputa no centro, com candidaturas muito assemelhadas no que concerne à programática, muito assemelhadas no que concerne a seu ideário. Mas, paralelamente a essa semelhança programática, há uma disputa pelo poder de cão e gato. Isso exalta, claro, o traço conservador da cidade de São Paulo.
A própria escolha de Haddad pelo Lula teve como objetivo uma tentativa de fazer o PT ser aceito pela classe média conservadora, até pelo seu visual de classe média, setor em que o PT de origem operária do passado remoto tinha dificuldade para penetrar. Dificuldade que a Marta, por outros motivos, também encontrava, apesar de ser uma liderança política oriunda da classe dominante. Anda que seja uma mulher com claros traços dessa classe, enfrentava muita rejeição.
A imposição do Lula foi de alto risco. Mostrou só ao final, nos últimos dois ou três dias, que tinha possibilidade de deslanchar, porque, no primeiro período da campanha, a candidatura não havia conseguido decolar. E na verdade, só conseguiu deslanchar em função do despencar visceral da candidatura Russomanno. Uma parte de seus votos migrou para o Serra, outra para o Chalita e mais outra parte para o Haddad.
Com esse resultado, chegou-se ao segundo turno, uma fotografia plena de quão conservadora é a cidade de São Paulo. Pior que isso, só se o Russomanno tivesse passado. Seria a consagração do conservantismo.
Correio da Cidadania: Portanto, o fugaz ‘fenômeno Russomanno’ foi, neste atual páreo, o representante do conservadorismo imanente de São Paulo?
Ricardo Antunes: Claro, São Paulo sempre teve, em toda sua história, candidatos conservadores com boa votação. No passado, tivemos Adhemar de Barros, Janio Quadros... Posteriormente, o longo ciclo malufista... Depois, a polarização entre PSDB e PT... Mas sempre com candidatos alternativos à direita. Ou seja, São Paulo sempre foi campo aberto pra políticos, digamos, sem partido, sem história partidária, sendo criações desse conservantismo paulista que frequentemente busca alternativas fora da estrutura tradicional dos partidos.
E depois desses exemplos citados, o Russomanno foi a bola da vez. O Adhemar tinha estrutura partidária, Janio não, pois pulava de partido como macaco de galho. Depois o Maluf... Enfim, com maior ou menor presença do vínculo partidário, trata-se um tipo de conservadorismo onde o partido não conta – independentemente do PSDB e do tucanato, legenda onde os candidatos encontram uma barca do conservadorismo da classe média paulistana.
O Russomanno cresceu, no primeiro momento, em cima do desconhecimento da massa sobre a candidatura e a figura do Haddad, e em cima do descontentamento com o Serra, quer pela crise profunda que vive o PSDB, quer por motivos mais conjunturais, como o fato de ter sido eleito anos atrás (2004) e não ter terminado o mandato, para se candidatar a presidente. A população conservadora de São Paulo entendeu como uma traição de seu eleito a atitude de não completar o mandato.
Portanto, em cima do desconhecimento sobre o Haddad e da alta taxa de rejeição ao Serra, o Russomano despontou. Mas, com a mesma velocidade que subiu, despencou. Infelizmente, outra vez, a esquerda – digo PSOL, PSTU, PCB – não conseguiu criar uma alternativa mais forte. A candidatura do Gianazzi foi importante pra marcar uma posição. A candidatura do PSTU (Ana Luiza) também marcou a posição do partido. Mas a frente de esquerda continua aquém de obter uma alternativa de pelo menos combater o conservadorismo que marca a cidade de São Paulo.
Correio da Cidadania: Inegavelmente, um dos principais personagens destas eleições é o chamado mensalão – cujas avaliações têm, por sua vez, partido de pontos de vista extremos, confluindo para conclusões também extremas, ambos explorados pela mídia sensacionalista e maniqueísta. Por um lado, os partidários da noção do revigoramento das instituições, da moralização da nação e do sonhado fim do ciclo de impunidade; por outro, a voz de indignados contra aquele que seria um processo golpista e um linchamento oportunista, inflados pela mídia e acatados pelo judiciário. O que você poderia nos dizer diante de vozes que nos parecem, ambas, rasteiras e superficiais?
Ricardo Antunes: Em primeiro lugar, eu diria que a influência do mensalão no processo eleitoral existiu, tardiamente. Fundamentalmente, ele foi mais presente em locais como São Paulo, Campinas, onde um certo voto mais conservador foi utilizado, mais fundamentalmente pelo PSDB, para atacar os votos no PT. A sua influência foi pequena, mas em algumas eleições teve significado. Em outras cidades de grande porte do país, onde o tema foi pautado, também teve alguma influência. Não teve essa preponderância em cidades onde o debate regional acaba tendo uma dimensão restrita à disputa entre as oligarquias políticas locais. Assim, em cidades de médio e pequeno porte, ou mais afastadas do Sudeste, onde as eleições são mais marcadas por uma disputa intensa entre as oligarquias, o mensalão teve menos incidência.
No entanto, como mencionado, é preciso fugir dessa dicotomização no plano geral. É óbvio que o mensalão seria utilizado pelos vários espectros à direita, incluindo a mídia, impressa, falada, televisiva etc., por vários motivos. O primeiro é que o PT nasceu, nos anos 80, fazendo a crítica, entre outras coisas, à corrupção da direita. Havia um traço ‘udenista de esquerda’. O jovem eleitor não se lembrará, mas a UDN, uma direita liberal frequentemente autocrática, fazia do discurso contra a corrupção do governo quase que seu toque de excelência, embora também se visse frequentemente lambuzada em corrupção quando era governo.
Quando o PT toma o poder em Brasília, ainda carregava forte simbolismo do histórico que o partido trazia desde a fundação até 2002 - embora isso já tivesse soçobrado em suas administrações municipais, a exemplo de Santo André, Campinas e outras onde a corrupção política já tinha sido marcante. Foi buscar na direita seu principal aliado, usando as mesmas práticas da direita pra se legitimar com a própria direita. É evidente que, a partir do momento em que ficou escancarado que o PT (com seu traço udenista anticorrupção) tinha chafurdado nas mesmas mazelas (num caso de corrupção dos mais densos) onde sempre chafurdou a direita, era de se esperar que os órgãos de imprensa, em especial os mais vinculados à direita, fizessem disso uma bandeja a ser servida em todos os cantos: “o PT, que se considerava um partido de esquerda, chafurdou no mesmo lamaçal em que sempre se esbaldou a direita”.
Claro que o PT reclama de ter sido o único caso em que se chegou a julgamento. Nisso, tem razão. É imperioso o Supremo julgar o mensalão do tucanato em Minas Gerais, é imperioso o Supremo julgar como se deu a compra de votos para a reeleição do FHC. E claro que é inaceitável que o Supremo tenha absolvido Collor. São esses elementos que dão gás à defesa petista: “a direita não foi punida e nós fomos”. O correto, de todo modo, não seria deixar impune o PT. Houve uma profunda corrupção política do governo, comandada do centro do Palácio do Planalto.
Pode-se dizer que há pelo menos duas vertentes de corrupção, que, ao final, se misturam. Uma é a corrupção política, para fins de enriquecimento privado, como a praticada pelo governo Collor. E pode-se observar também uma corrupção política, para fins de manutenção e preservação de poder. O fato de que essa corrupção política tenha enriquecido aqui e ali alguns de seus praticantes não é o dominante. Reparem que Delúbio, Dirceu, Genoino não estão sendo condenados por corrupção com fins de enriquecimento privado – independentemente de o Dirceu estar muito bem de vida, ser um homem de negócios.
O José Dirceu tem um passado de luta, sim, mas hoje é um homem de negócios, um gestor que negocia com grandes transnacionais, fechando grandes transações. Não está sendo condenado por corrupção para fins de enriquecimento próprio. O que ocorreu foi um claro processo de corrupção para que o projeto de longo prazo do PT no poder fosse vitorioso, corrompendo a velha direita. Mas o PT se esqueceu de que tentou corromper a velha direita, que já nasceu corruptora. O resultado é que foi corrompido, sendo que o profundamente beneficiado Roberto Jefferson, da velha direita, foi quem botou a boca no trombone, denunciou o corruptor e causou essa devastação, que levou embora quase a totalidade do núcleo vital do partido. Há pessoas que passaram pelos governos recentes e ficaram fora disso, mas o núcleo político do governo fatiou um processo de corrupção parlamentar, para garantir as aprovações das chamadas contrarreformas do governo Lula: a contrarreforma da previdência, a taxação dos aposentados, a contrarreforma tributária...
Para a mídia, o PT roubou o programa do PSDB, implantou melhor que os tucanos o programa neoliberal e lhe deu roupagens sociais. Por isso devemos dizer que o PT no poder praticou o social-liberalismo, variante do neoliberalismo. Mas, ao fazer corrupção como a direita sempre fez, entregou a própria cabeça para a direita se regozijar. A centro-direita, leia-se tucanato, ao perder sua programática, que foi implementada pelo PT, só pode recorrer à opção de servir a cabeça petista numa bandeja, uma vez que, programaticamente, foi derrotada por ele. É isso que marca o processo eleitoral.
Claro que a sociedade deve exigir punição para todos os mensalões, todos os processos de corrupção. Vejamos o momento do julgamento e sua coincidência com a época eleitoral. Não poderia ser agora, de fato. Mas, se há alguma coisa diferente hoje, são esses movimentos e órgãos de transparência, que publicam valores, contratos, editais. A publicização, de licitações, concorrências, gastos, faz com que a população exija maior rendimento das instituições. E o Supremo foi pressionado, no sentido de que não se poderia continuar absolvendo ou mantendo impune, como nos casos que citamos aqui.
Pode-se questionar por que o PT foi pego. É evidente que a direita tem fortes ramificações, inclusive no Supremo. Assim como alguns juízes têm um espírito independente e republicano mais forte, outros têm vínculos com a oligarquia, ao passo que outros têm ligações umbilicais com o próprio PT. Mas a opinião pública fez um julgamento no sentido de que não é mais possível seguir assim. Se tudo termina em conciliação, as chamadas instituições republicanas entram em colapso. É evidente que outros escândalos, como os da era FHC, devem ser investigados, para escancarar aquilo que toda a população já sabe: que a corrupção existe desde a montagem do Estado brasileiro, desde a exploração colonial do Brasil. E uma hora precisa ser dado um basta.
Na semana passada (10 de outubro), foi eleito o Joaquim Barbosa presidente do STF; em certo sentido, poderemos entrar numa fase com um pouco mais de rigor nos julgamentos. Mas pra isso é preciso que não se fique somente em cima do mensalão do PT.
Correio da Cidadania: As análises quanto aos efeitos deste processo contra os chamados mensaleiros para a configuração do cenário eleitoral têm realmente se dividido bastante, especialmente em São Paulo. Você acredita que o processo vá ainda influenciar o segundo turno?
Ricardo Antunes: Claro, começando por São Paulo. Este é um dos poucos trunfos fortes que o PSDB tem. E, sem dúvidas, os tucanos vão utilizá-lo sem limites. A grande maioria das eleições municipais é regionalizada, mas algumas não, são mais nacionalizadas. São Paulo é uma das nacionalizadas. Como outras cidades, tais quais Rio, BH, Porto Alegre... Porém, como todas elas já foram resolvidas no primeiro turno, o mensalão tende a se concentrar com mais intensidade nas eleições em que PT e PSDB se digladiarão. Ou em eleições em que estejam o bloco petista de um lado e o bloco tucano de outro, mesmo que com outro partido à cabeça da chapa.
Quanto mais importante a cidade, um pouco mais incidente será o mensalão. Quanto menores as cidades, menor a incidência do mensalão. Tenho a impressão, no entanto, de que não decidirá as eleições. Influenciar é uma coisa, decidir é outra.
Correio da Cidadania: O que, ademais, significam e revelam hoje de nosso país estes maiores partidos, grandes vencedores das urnas?
Ricardo Antunes: O bloco multipartidário infernal completamente desideologizado, onde todos os gatos são pardos, e que hoje compõem a base petista, misturando partidos com passado de esquerda até com Maluf, com a extrema-direita, com a direita mais bárbara, tende a se fissurar. Em 2014, poderá surgir, ao menos no primeiro turno, uma polarização PT-PSDB. Ou aparecerem no meio o PSB, PSD, não sendo carta fora do baralho o PMDB, pois a eleição do Rio de Janeiro fortalece o partido, coloca Cabral como um homem forte e poderia levá-los a sair da base lulista. Ainda é muito cedo pra saber o que vai acontecer.
Correio da Cidadania: Como vê, por sua vez, o futuro do desempenho destas vertentes de esquerda ou daquilo que seria uma verdadeira esquerda? Acredita que devam privilegiar algum tipo de atuação institucional, ainda que de modo a se conciliar com os movimentos e atuação de base?
Ricardo Antunes: No campo da esquerda, à esquerda do PT, fica a percepção da eleição passada, em 2010, que foi importante, com a figura do Plínio conseguindo dar um primeiro recado, até porque, em momento algum, ele imaginou estar em eleições para fazer concessões em função da vitória. Estava para mostrar, especialmente ao jovem e à classe trabalhadora, que esse país não é pensado pra eles. Quem se beneficia do esquema atual são as classes dominantes, o capital financeiro, o grande capital da agroindústria, os grandes setores produtivos, de extração de minérios.
Abre-se espaço para pensarmos o que é uma alternativa de esquerda. Pensarmos em alternativas que uma frente de esquerda – que aglutine PSOL, PSTU, PCB, por exemplo – poderia apresentar, avaliando como poderíamos ter uma candidatura que tenha coragem de dizer que não está lá pra ganhar a qualquer preço, tenha coragem de dizer que o sistema dominante não oferece nenhum futuro nem pra classe trabalhadora e nem pra juventude que precisa trabalhar pra sobreviver.
As esquerdas estão desafiadas, uma vez mais, a fazer clara oposição às candidaturas que defendem o quadro dominante, seja a do PT e partidos aliados, seja a do bloco do PSDB, sem falar nos demais partidos que se fortalecem e representam o centro. Trata-se, então, de fazer clara oposição aos candidatos e partidos no poder, que privilegiam a ação parlamentar e eleitoral. As esquerdas só terão alguma força representativa quando estiverem alicerçadas nas lutas sociais e sindicais concretas. Abandonar essa esfera para seguir a via estritamente eleitoral foi o que fez o PT e o resultado aí está: converteu-se no Partido da Ordem, como dizia Marx, sem defender mais nenhuma bandeira efetivamente de esquerda.
Correio da Cidadania: Destacaria cidades com resultados mais animadores para a esquerda ou as correntes progressistas, passíveis de mudanças relevantes?
Ricardo Antunes: O mais animador me parece ser o resultado obtido por Edmilson Rodrigues, do PSOL, em Belém do Pará, que venceu o primeiro turno, mas ainda teremos um segundo turno por certo difícil. É o melhor do que dispõe o PSOL hoje, nome forte, qualificado, de esquerda, que sabe – pela experiência anterior – de que lado está e o que é administrar uma prefeitura com perfil popular. Mas sabemos também que as esquerdas estão muito aquém do que delas se espera. Ela cumprirá seu efetivo papel se fizer campanhas, mesmo com o pequeno e diminuto espaço que tem, tratando prioritariamente das questões vitais, que pautam a vida cotidiana da classe trabalhadora e dos setores populares das cidades e dos campos.
Mais do que querer ganhar as eleições a qualquer preço, deve ter a coragem política e ideológica de dizer o que precisa ser dito, ao contrário das demais candidaturas dominantes. Não deve, portanto, ter o receio de se expor, apresentar suas propostas, assumindo sua feição socialista e anticapitalista, recusando o caminho de se desfigurar para vencer. Pois, como já pude dizer à época da candidatura de Plínio Sampaio à presidência, em 2010, “já será uma boa vitória se as esquerdas não se desfigurarem para tentar vencer”.
Correio da Cidadania: De forma geral, acredita em reforma eleitoral, em especial no que se refere às regras quanto ao número de partidos, às campanhas, financiamento e inserção midiática de partidos e candidatos, de modo a incidir no atual estado de coisas de nossa democracia?
Ricardo Antunes: A primeira questão, vital na reforma eleitoral, é eliminar o financiamento privado das campanhas, substituindo-o por financiamento público. Isso seria um grande avanço e travaria essa simbiose entre interesses privados e os dos partidos, que está na raiz da corrupção. O segundo elemento seria fazer uma vinculação mais efetiva entre conteúdo programático e aliança, de modo a dificultar esse leque espúrio de alianças a fim de "garantir maioria, garantir tempo de televisão" e outras excrescências do gênero.
Correio da Cidadania: Finalmente, como vislumbra a campanha e os embates eleitorais neste segundo turno, especialmente em São Paulo? Arriscaria um palpite para o resultado final na cidade?
Ricardo Antunes: Será uma campanha difícil, entre as duas principais ‘vertentes da ordem’ hoje: o PT, que foi derrotado em várias capitais, precisa ganhar em São Paulo, para que sua derrota não seja tão evidente e porque sabe que aqui é o espaço que tem sido dominado pelo PSDB; este último, por sua vez, se perder em São Paulo, terá meio caminho andado para o seu cemitério político. Lula, criador da candidatura Haddad, jogará seu peso para não soçobrar e, ao final, tentar justificar a busca de apoio de Maluf, o governador da ditadura. Serra, se for derrotado, pode começar a fazer as malas, definitivamente. E São Paulo deixará de ser o bastião do tucanato.
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