Correio da Cidadania

Lênin e o socialismo brasileiro hoje

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“Ele ignorou o peso paralisante da existência ou inexistência de ‘condições objetivas’ que permitissem a revolução proletária” (Florestan sobre Lênin, em “Lênin, política”)

 

Não é necessário dizer que Lênin foi um grande teórico do marxismo e também um dos maiores políticos conhecidos. Deixou-nos um legado universal e também um legado vinculado às lutas específicas da Rússia e da Europa de sua época. Portanto, um legado teórico fundamental para compreendermos a história da esquerda, mas não para transpormos para outras realidades e épocas. Quando assim fazemos, sem contextualizarmos as realidades, corremos o risco de criar “chavões políticos”. E um destes “lugares comuns”, muito usado pela esquerda, é o uso descontextualizado das palavras “esquerdismo e esquerdista”. Que o digam os petistas dos anos iniciais do Partido que ouviram muito esta crítica.

 

Vejamos: Lênin sempre foi da ala esquerda do Partido Social Democrata Russo, a ala bolchevique que lutava contra os mencheviques que defendiam alianças com os liberais. Disse Florestan Fernandes (Lênin, Política) sobre Lênin neste momento: “Em torno de si formou o grupo de extrema-esquerda revolucionária, que sob seu comando direto ou indireto iria crescer em termos partidário, ideológico e político (...)”. Portanto, o Lênin desta época é líder do esquerdismo extremado.

 

Em 1917 escreveu que o capitalismo havia chegado a sua fase superior e final, o imperialismo. Um livro de grande influência e uma leitura do marxismo aplicado ao seu tempo. Em 1918 escreve ‘O Estado e a Revolução’, defendendo posições políticas que poderiam ser consideradas esquerdistas. Baseado na Comuna de Paris, defende o governo de Conselhos, ou de Sovietes, na versão russa. Nada de pragmatismo e coligações com liberais, mas governo dos trabalhadores organizados.

 

Com a revolução e com o país enfrentando fome, agressões, guerra civil etc., teve de instituir a NEP (Nova Política Econômica) e defende a aproximação dos comunistas com alguns partidos de esquerda não comunistas, como o PT-Partido Trabalhista Inglês. Chega a defender: “Esta aliança com os trustes de Estado dos outros países evoluídos é-nos absolutamente indispensável, pois nossa crise econômica é tão profunda que seremos incapazes, sem o equipamento e os concursos técnicos do estrangeiro, de levantar, por nossos próprios meios, nossa economia devastada” (Lênin, ‘As dificuldades de transição para o socialismo’).

 

É neste contexto e neste quadro que ele escreve, em 1920, ‘Esquerdismo, doença infantil do comunismo’. Porém, este livro, escrito neste momento histórico, atravessa o século XX como uma forma de “centralizar” militantes políticos de esquerda – sinceros revolucionários – contra os rumos reformistas e social-democratas que diversos partidos e organizações de esquerda assumiram, como nos casos de diversos partidos comunistas mundo afora. No Brasil atual, do século XXI, muitos socialistas ainda apóiam o PT usando este argumento, pois de outro modo seriam “esquerdistas”. Mas, como vimos, Lênin escreve este livro em um quadro social, econômico e político em nada parecido com o Brasil atual.

 

Além do mais, ao se defrontar com este quadro político e a necessidade de alianças amplas, Lênin defendeu a exclusão dos Conselhistas (esquerdistas) dos quadros do Partido Comunista e a proibição de tendências. Sabemos do dinamismo dos bolcheviques nos primeiros anos da Revolução, quando os Conselhistas ainda estavam no Partido, e da burocratização que tomou conta do PCUS sob a égide de um forte “centralismo democrático”, que se transformou no que Rosa Luxemburgo diria ser o “centralismo burocrático”.

 

Assim, a esquerda brasileira atual deve procurar caminhos próprios, aprendendo com a história, mas não tentando transpor realidades que nem Lênin apoiaria. Deixemos a crítica ao esquerdismo para a história e vamos assumir o que o todo socialista deve defender: começar a pavimentar um caminho próprio para o socialismo hoje, onde caibam todos os revolucionários, e não ficar jogando este sonho para um futuro incerto, em nome de “táticas e estratégias” que apenas os adivinhos sabem se darão certo.

 

Antonio Julio de Menezes Neto, sociólogo, é professor universitário e doutor em Educação. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Comentários   

0 #7 RE: Lênin e o socialismo brasileiro hojeAntonio Julio 24-10-2012 17:51
MarcosAS. Apesar de algumas discordâncias com suas análises, como você teve com as minhas, agora compreendi perfeitamente seu ponto de vista e creio que realizamos um sadio e necessário debate sobre os rumos da esquerda. Agradeço a atenção e a possibilidade deste debate.
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0 #6 RE: Lênin e o socialismo brasileiro hojeMarcosAS 23-10-2012 23:11
Prezado Antônio, digo apenas que para buscar o específico não é necessário abandonar categorias forjadas noutros momentos e realidades. Creio que você incorreu neste erro, ainda que inconscientemente. Para deixar claro o meu ponto de vista, penso que todos os conceitos são abertos e a realidade não é puro reflexo da empiria em nossas mentes (como chegou a pensar Lenin em uma das etapas de sua evolução intelectual; mas sempre um conjunto de fatos articulado a um conjunto de hipóteses.
Uma categoria como a NEP é por exemplo de enorme validade para compreendermos a China e o Vietnã de nossos dias, e até mesmo Cuba, que agora ensaia uma correção de rota. Evidentemente, não se trata da mesma NEP da URSS dos anos 20, e é fácil se compreender isso desde que se tenha noção de que toda categoria é aberta (uma forma do ser, pois).
E o que dizer do Brasil de nossos dias, que parece estar nas preocupações de seu texto? Ora, uma primeira observação a reter é que estamos diante de uma sociedade assaz ocidentalizada (Gramsci). Neste sentido, e conhecendo os equívocos e as correções de rotas das experiências socialistas (da ex-URSS à China, Vietnã), no mais das vezes buscando superar dogmatismos esquerdistas para salvar a revolução, é justo que nos apeguemos a um libelo que crucifica toda "tática" e aos mesmo tempo canta loas ao "esquerdismo"? Não estaríamos aqui, dada a franca ocidentalização de que antes falamos, operando mecanicamente? Não estaríamos aqui ignorando o centro da pesquisa e ação marxistas, que é o de se ater às tendências de fundo do processo histórico das formações das formações específicas, com sua estrutura material (a ver o que escrevi abaixo sobre o capital financeiro brasileiro, por exemplo, a meu juízo uma etapa madura de nossa FES) e respectivos blocos de classes? Estes não dizem nada a respeito de táticas e estratégias?
Em tempo: embora tenha sido duro na exposição,em nenhum momento fiz uso de argumentos ad-hominem. O edulcorado dogmatismo a que me referi é um resultado político (uma posição política) de sua exposição, cuja crítica espero ter agora deixado mais clara.
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0 #5 RE: Lênin e o socialismo brasileiro hojeAntonio Julio 23-10-2012 11:15
MarcosAS:Infelizmente não consegui compreender suas críticas. Se você esclarecer melhor, estou disponível para debater com o respeito devido. Mas esclareço para os que não compreenderam, repetindo alguns argumentos: o que estou defendendo é que devemos construir o caminho à esquerda para o socialismo hoje no Brasil compreendendo a nossa realidade e não apenas a nossa história (da esquerda).Uso o Lênin como exemplo. Ele foi um homem (e não um santo que não possa ser questionado) que compreendeu muito bem o seu tempo político. Mas, para tanto, foi se inserindo de forma diferente nos diferentes momentos da Rússia. Por exemplo, em 1905 ele era bolchevique contra os mencheviques no POSDR, assumindo, assim, posições bem à esquerda (seria taxado de esquerdista?). Entre 15 e 17 escreve alguns livros "esquerdistas", destacando "O Estado e a Revolução". Em 1920, já no poder, com uma Rússia devastada, ele escreve uma obra à direita, que é o "Esquerdismo". E, neste período, ele implanta a NEP, chamando os capitalistas novamente e defendendo alianças com não revolucionários (No livro Esquerdismo). Aí, ele recebe críticas da esquerda do Partido Bolchevique (os conselhistas ou esquerdistas) e reage proibindo tendências e implanta o centralismo democrático. São os paradoxos da Revolução Russa: talvez tenha sido necessário, mas a Revolução perdeu muito de seu vigor ao perder os seus embates. O resto da história conhecemos. O que eu estou defendendo é que a realidade brasileira hoje é muito diferente e que não devemos ficar copiando modelos atemporais. Assim, no texto, defendo os esquerdistas. Esta história de taxar tudo de esquerdismo e a esquerda ficar brigando por causa disso é, hoje, ao meu ver, sem sentido. Desde o século passado os partidos comunistas começaram a fazer coligações à direita, pois isto era "tática e estrategicamente corretas" e quem criticava era taxado de "esquerdista". Não fizeram revolução e acabaram como social-democratas (e olhe lá). No início, o PT era taxado de esquerdista. No Brasil de hoje o PCdoB faz coligações até com o DEM em nome de táticas e estratégias e quem não aceita dentro do Partido é taxado de esquerdista. E todos os partidos e movimentos legais ou não legais brigam entre si pelas suas táticas e estratégias e criticam os esquerdistas. Eu, por exemplo, sou crítico aos apoios ao PT e alguns me acham esquerdista (não tenho problemas com isso).Não sou dono da verdade e muito menos quero impôr algum caminho.Estou apenas refletindo, aceitando o bom debate, no respeito e com argumentos. Sou um intelectual socialista e, desta maneira, procuro me inserir nos debates sobre os rumos da esquerda. Sem dogmatismo e nem prepotência do "saber". Mas convicto nos meus princípios.
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0 #4 RE: Lênin e o socialismo brasileiro hojeAntonio Julio 22-10-2012 17:28
Marcos, tenho maior apreço pela história das revoluções socialistas. Com elas aprendemos -e estou aprendendo- nos erros e acertos. Apenas defendi que não podemos transpor realidades específicas de determinadas situações para outras muito diferentes, criando apoios equivocados à direita, como alguns apoios ao PT para não sermos "esquerdistas". Defendo também o debate de ideias. Mas sinceramente, não consegui compreender o seu raciocício e nem as suas críticas ao meu artigo. Parece-me que fugiu ao que eu me propus. Se você for mais claro, estou disposto para o debate e o diálogo respeitoso.
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0 #3 A forma do anti-imperialismo a seguirMarcosAS 22-10-2012 16:42
Anti imperialista certamente. Mas ainda não socialista. Com todos os méritos que têm os camaradas do PCB, neste ponto central erram gritantemente. O capitalismo brasileiro carece de um elo crucial,ele mesmo conditio sine qua non do anti-imperialismo, a saber, o elo do capital financeiro, a ante sala do socialismo, nas palavras de Lenin.
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0 #2 O mecanicismo por trás do específicoMarcosAS 21-10-2012 21:09
Incrível como o Sr. Antônio, para valorizar o específico, sempre caro ao marxismo, precisa jogar na lata do lixo as categorias e a história do socialismo. Eis que por trás da pregação do caminho próprio, não etapista, esconde-se um curioso mecanicismo. Nele, busca-se repetir a formula original da revolução de 1917 sem aceitar os caminhos posteriores, dados à correção, que a mesma revolução teve que seguir. E assim o fez, sob a brilhante condução de Lenin, por ter tomado consciência de que a esperada revolução mundial não mais aconteceria, abrindo-se, pois, o tempo do socialismo em um único país. Cabe a pergunta ao nosso edulcorado dogmático (só aparentemente isso é uma contradição): há alguma revolução mundial a vista?
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0 #1 PCBjose ernesto alves g 20-10-2012 17:43
A estratégia construída hoje pelo PCB, caracteriza a Revolução Brasileira como sendo SOCILISTA; e propõe a formação de uma FRETE ANTICAPITALISTA E ANTIMPERIALISTA,que congregue todas as organizações revolucionárias, e militantes revolucionários do nosso país.
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