Lênin e o socialismo brasileiro hoje
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- Antonio Julio de Menezes Neto
- 20/10/2012
“Ele ignorou o peso paralisante da existência ou inexistência de ‘condições objetivas’ que permitissem a revolução proletária” (Florestan sobre Lênin, em “Lênin, política”)
Não é necessário dizer que Lênin foi um grande teórico do marxismo e também um dos maiores políticos conhecidos. Deixou-nos um legado universal e também um legado vinculado às lutas específicas da Rússia e da Europa de sua época. Portanto, um legado teórico fundamental para compreendermos a história da esquerda, mas não para transpormos para outras realidades e épocas. Quando assim fazemos, sem contextualizarmos as realidades, corremos o risco de criar “chavões políticos”. E um destes “lugares comuns”, muito usado pela esquerda, é o uso descontextualizado das palavras “esquerdismo e esquerdista”. Que o digam os petistas dos anos iniciais do Partido que ouviram muito esta crítica.
Vejamos: Lênin sempre foi da ala esquerda do Partido Social Democrata Russo, a ala bolchevique que lutava contra os mencheviques que defendiam alianças com os liberais. Disse Florestan Fernandes (Lênin, Política) sobre Lênin neste momento: “Em torno de si formou o grupo de extrema-esquerda revolucionária, que sob seu comando direto ou indireto iria crescer em termos partidário, ideológico e político (...)”. Portanto, o Lênin desta época é líder do esquerdismo extremado.
Em 1917 escreveu que o capitalismo havia chegado a sua fase superior e final, o imperialismo. Um livro de grande influência e uma leitura do marxismo aplicado ao seu tempo. Em 1918 escreve ‘O Estado e a Revolução’, defendendo posições políticas que poderiam ser consideradas esquerdistas. Baseado na Comuna de Paris, defende o governo de Conselhos, ou de Sovietes, na versão russa. Nada de pragmatismo e coligações com liberais, mas governo dos trabalhadores organizados.
Com a revolução e com o país enfrentando fome, agressões, guerra civil etc., teve de instituir a NEP (Nova Política Econômica) e defende a aproximação dos comunistas com alguns partidos de esquerda não comunistas, como o PT-Partido Trabalhista Inglês. Chega a defender: “Esta aliança com os trustes de Estado dos outros países evoluídos é-nos absolutamente indispensável, pois nossa crise econômica é tão profunda que seremos incapazes, sem o equipamento e os concursos técnicos do estrangeiro, de levantar, por nossos próprios meios, nossa economia devastada” (Lênin, ‘As dificuldades de transição para o socialismo’).
É neste contexto e neste quadro que ele escreve, em 1920, ‘Esquerdismo, doença infantil do comunismo’. Porém, este livro, escrito neste momento histórico, atravessa o século XX como uma forma de “centralizar” militantes políticos de esquerda – sinceros revolucionários – contra os rumos reformistas e social-democratas que diversos partidos e organizações de esquerda assumiram, como nos casos de diversos partidos comunistas mundo afora. No Brasil atual, do século XXI, muitos socialistas ainda apóiam o PT usando este argumento, pois de outro modo seriam “esquerdistas”. Mas, como vimos, Lênin escreve este livro em um quadro social, econômico e político em nada parecido com o Brasil atual.
Além do mais, ao se defrontar com este quadro político e a necessidade de alianças amplas, Lênin defendeu a exclusão dos Conselhistas (esquerdistas) dos quadros do Partido Comunista e a proibição de tendências. Sabemos do dinamismo dos bolcheviques nos primeiros anos da Revolução, quando os Conselhistas ainda estavam no Partido, e da burocratização que tomou conta do PCUS sob a égide de um forte “centralismo democrático”, que se transformou no que Rosa Luxemburgo diria ser o “centralismo burocrático”.
Assim, a esquerda brasileira atual deve procurar caminhos próprios, aprendendo com a história, mas não tentando transpor realidades que nem Lênin apoiaria. Deixemos a crítica ao esquerdismo para a história e vamos assumir o que o todo socialista deve defender: começar a pavimentar um caminho próprio para o socialismo hoje, onde caibam todos os revolucionários, e não ficar jogando este sonho para um futuro incerto, em nome de “táticas e estratégias” que apenas os adivinhos sabem se darão certo.
Antonio Julio de Menezes Neto, sociólogo, é professor universitário e doutor em Educação. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Comentários
Uma categoria como a NEP é por exemplo de enorme validade para compreendermos a China e o Vietnã de nossos dias, e até mesmo Cuba, que agora ensaia uma correção de rota. Evidentemente, não se trata da mesma NEP da URSS dos anos 20, e é fácil se compreender isso desde que se tenha noção de que toda categoria é aberta (uma forma do ser, pois).
E o que dizer do Brasil de nossos dias, que parece estar nas preocupações de seu texto? Ora, uma primeira observação a reter é que estamos diante de uma sociedade assaz ocidentalizada (Gramsci). Neste sentido, e conhecendo os equívocos e as correções de rotas das experiências socialistas (da ex-URSS à China, Vietnã), no mais das vezes buscando superar dogmatismos esquerdistas para salvar a revolução, é justo que nos apeguemos a um libelo que crucifica toda "tática" e aos mesmo tempo canta loas ao "esquerdismo"? Não estaríamos aqui, dada a franca ocidentalização de que antes falamos, operando mecanicamente? Não estaríamos aqui ignorando o centro da pesquisa e ação marxistas, que é o de se ater às tendências de fundo do processo histórico das formações das formações específicas, com sua estrutura material (a ver o que escrevi abaixo sobre o capital financeiro brasileiro, por exemplo, a meu juízo uma etapa madura de nossa FES) e respectivos blocos de classes? Estes não dizem nada a respeito de táticas e estratégias?
Em tempo: embora tenha sido duro na exposição,em nenhum momento fiz uso de argumentos ad-hominem. O edulcorado dogmatismo a que me referi é um resultado político (uma posição política) de sua exposição, cuja crítica espero ter agora deixado mais clara.
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