Papa Chico
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- Roberto Malvezzi (Gogó)
- 15/03/2013
Há uma sequência formidável de sinais na Igreja Católica nos últimos dias. A renúncia de Bento XVI, agora a eleição do primeiro papa latino-americano, argentino, jesuíta. Para reforçar o emblema, escolhe o nome de Francisco.
O cardeal Bergoglio celebrou uma missa em um encontro promovido pelo Conselho Episcopal latino-americano sobre a temática “Espiritualidades dos povos latino-americanos”, há uns dois ou três anos atrás, em Buenos Aires. Éramos umas 60 pessoas, de todo o continente.
A sua celebração chamava a atenção, sobretudo, pela situação frágil que demonstrava. Ao final perguntei a um amigo da Argentina, que é padre e climatologista, professor da Universidade Católica de Buenos Aires: ele parece falar com dificuldade?
O padre respondeu: ele só tem um pulmão. A homília que ele nos fez não tinha referência alguma com a temática do encontro, tanto é que não me recordo de nenhuma palavra que tenha dito.
Diz a mídia que ele vive simples, cozinha sua comida, anda em transporte público, lavou os pés dos aidéticos. Outros enfatizam sua posição conservadora em termos de sexualidade. Mas, aí, nenhuma surpresa.
Incômodas são as acusações de comunhão com a ditadura militar na Argentina. Nos encontros do CELAM, é possível perceber, com exceções raras, um episcopado realmente distante do povo. E os próprios argentinos confirmam que, exceto uma meia dúzia de bispos, essa é a realidade. Mas o bispo que presidia nossa Comissão era um argentino, Monsenhor Lozano, de uma diocese argentina que está frente àquela papeleira que os uruguaios construíram no Rio da Prata. Lozano estava à frente da resistência. Portanto, em qualquer igreja pode haver pessoas sensíveis à realidade do povo.
Em todo caso, a escolha do nome Francisco tem um sinal. É provável que busque um papado simples e simplificado. Entretanto, as boas intenções não resolvem sozinhas os problemas do Vaticano. Como será um homem simples em meio a uma máquina milenar, capaz de moer até um Bento XVI?
Vamos ficar com o que há de melhor nesse momento: vem de fora da Europa, faz sua comida, anda de ônibus e agora se chama Francisco. E Francisco quer dizer simplicidade, ternura, fraternidade, solidariedade com os pobres, irmanação com a natureza.
Para nós, aqui do Velho Chico, tudo que vem de Francisco inspira esse espírito. Então, para começarmos, está de bom tamanho “Papa Chico”.
Roberto Malvezzi (Gogó) possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
Comentários
Lavar pés de aidético é zero à esquerda! Não percamos a visão da floresta só por causa de uma árvore!
A IGREJA INSERIDA NA NOVA ORDEM CULTURAL
Texto: Rinaldo Martins de Oliveira
18/03/13
Além da ordem econômica neoliberal imposta, desde o início da década de 1990, pelo sistema dominante capitalista a toda a população mundial, surgiu também, paralelamente, defendendo os mesmos paradigmas, uma nova ordem cultural moldando as relações humanas, nos seus mais variados níveis e dimensões, a partir da perspectiva do comportamento de massas que temos chamado de hiperindividualismo.
Pode-se afirmar que a Igreja Católica, pelas fortes características galgadas em sua milenar história, representa, nesses tempos, a única instituição a resistir, ainda que pelo viés muitas vezes reacionário, ao atual modelo cultural dominante cujo propósito central tem sido a absoluta atomização dos indivíduos, ou seja, o seu afastamento de toda e qualquer mediação social-coletiva para a realização de suas demandas existenciais.
Ocorre que a Igreja Católica (contrário das igrejas e seitas de cunho pentecostal) se fundamenta e se assenta, desde o início, no poder do sagrado conferido a seus personagens religiosos (papa, bispos, padres, etc) e a seus instrumentais sacramentais, através dos quais seus fiéis devem exercer sua espiritualidade. Se essa intermediação entre os homens e Deus até o passado recente ofereceu eficácia no controle e submissão ideológica das massas, hoje, paradoxalmente, representa um obstáculo para o avanço da nova cultura dominante acima caracterizada.
Para resolver esse impasse foi que, nos últimos anos, a mídia burguesa de todo mundo mudou radicalmente de posição em relação à Igreja Católica: de fiel aliada e defensora, começou a disseminar fortemente diversas notícias de barbaridades cometidas justamente pelo seu setor conservador dominante, antes tão bajulado. Na verdade, fatos tenebrosos antigos que tais veículos sempre mantiveram guardados estrategicamente para um momento oportuno como esse.
Nessa história, ficou claro que o ex-papa Bento XVI – o ultra-reacionário Cardeal Ratzinger – do modo inverso que iniciou o reinado pontifício, deixou o trono, saído absolutamente enfraquecido e humilhado. O certo é que esse fato intensificou a preparação do terreno para a nova etapa a ser inaugurada agora pelo novo Papa Francisco. E há fortes indícios de que tal projeto já está em plena execução, pois, afinal, para os donos poder nunca há tempo a perder.
Em primeiro lugar, não seria outro personagem melhor escolhido para assumir essa nova tarefa, na liderança da Igreja, senão um bispo advindo da América do Sul: o continente que, há décadas, vem sendo claramente apontado como a via da renovação da Igreja. Nessa linha, também não haveria nome mais representativo do que o escolhido pelo Papa, em homenagem primeira ao pobre de Assis que, paradoxalmente, desde sempre tem sido unanimidade na Igreja como o ‘servo maior’ de Deus.
Em segundo lugar, Papa Francisco, já nos seus primeiros gestos públicos, não se abstém de imprimir – posto que a primeira impressão é a que fica – a forte imagem de homem simples, humilde, que vem pregar a pobreza espiritual como a virtude máxima a ser resgatada pela Igreja. Uma antítese exata do que representou o seu antecessor (e seu grupo), cujo propósito, desde sempre, foi ostentar a força e a riqueza como reflexo do poder divino da Igreja.
Tudo isso é muito significativo para a legitimação de um projeto de adaptação da Igreja aos novos tempos, como ora ela está pressionada, por todos os lados - inclusive o lado de dentro - a adotar. Não se trata, obviamente, da proposta de um novo Concílio que venha restabelecer e aprofundar a reflexão dos desafios da Igreja frente aos problemas sociais no mundo, feita, com muita profundidade, pelo Concílio Vaticano II, convocado pelo papa João XXIII.
O que ora se pretende da Igreja é tão somente a sua subserviência, ainda que galgada de forma progressiva, à nova ordem centrada no hiperindividualismo cultural, como complemento fundamental da ordem econômica dominante. É preciso que a Igreja comece a flexibilizar as suas estruturas tradicionais de poder, ainda excessivamente centradas na hierarquia religiosa e nos instrumentais sacramentais, para que um “novo” catolicismo possa florescer realçando mais também a experimentação individualista do sagrado, sem muita doutrina ou outras mediações que regulem ou limitem o direito privado da escolha dos caminhos existenciais a seguir.
Rinaldo Martins de Oliveira
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