“O socialismo real”
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- Gilvan Rocha
- 22/03/2013
Entre os inúmeros e graves desserviços prestados por uma certa intelectualidade possuída de desinformação ou má fé, está o indevido carimbo de “socialismo real” para se referir aos países em que o processo revolucionário socialista foi derrotado e criaram-se Estados policiais, geridos por uma burocracia que se limitava a levar a cabo o capitalismo de Estado.
A confusão que se deu em torno dessa questão deve-se ao fato de não ter havido uma análise realmente correta do processo de derrota da revolução socialista, a começar pelo processo soviético. Ali, na URSS, travou-se uma renhida luta entre os que pretendiam preservar os princípios do socialismo e os que capitularam diante da vitória da contrarrevolução.
Usando, fraudulentamente, o rótulo do “marxismo-leninismo” esses senhores, que se postaram como linha auxiliar de sustentação do capitalismo, passaram a vender, com grande sucesso, gato por lebre, enquanto uma legião de pessoas não se dava conta de que nem sempre o rótulo corresponde ao conteúdo. Sob o rótulo do comunismo transitou a Terceira Internacional, praticando, efetivamente, uma política que servia aos objetivos do sistema socioeconômico vigente, pois a lógica dessa instituição política era manter a “pátria do socialismo” mesmo que isso custasse, como de fato custou, a derrota da revolução socialista em escala mundial.
Tudo isso, repetimos, se deu em decorrência do fato de ter nos faltado uma análise realmente marxista da Revolução Russa e de seus descaminhos. Os que tinham estatura política e moral para fazer essa análise seriam Rosa Luxemburgo e Leon Trotsky. Rosa foi trucidada pela contrarrevolução na Alemanha, em princípios de 1919, e não teve tempo de proceder a tal análise, embora tenha produzido um pequeno ensaio onde já apontava os grandes riscos que atravessavam os revolucionários russos, diante da tendência de isolamento da revolução soviética.
Vladimir Lenine, que chegou a afirmar, em 1920, que se vivia um dilema, “ou a revolução socialista triunfava na Europa Ocidental ou a Revolução Russa pereceria”, insistiu, porém, em não reconhecer o quadro de derrota e propor uma retirada estratégica; preferiu perseverar em manter, a qualquer custo, a URSS que, a cada dia, deixava mais e mais de ser realmente soviética, desde 1921 em um processo crescente de avanço da contrarrevolução que veio a se firmar.
Quem teve tempo suficiente para descortinar a realidade política foi Leon Trotsky, porém, por diversas razões, negou-se a proceder uma análise realmente marxista daquele processo, descambando para o idealismo como “revolução traída” , “revolução desfigurada”, “Estado operário degenerado”, “pátria do socialismo” e outros absurdos que nos deixavam numa sofrida orfandade política, isto é, sem um instrumento de análise política que correspondesse à verdade histórica.
Outros intelectuais não se apresentaram à altura de cumprir a tarefa de dissecar aquela experiência derrotada e, desse reconhecimento, formular uma política realmente condizente com a realidade. Como conseqüência desses fatos, aí está a situação produzida em função da ausência de uma esquerda revolucionária, calcada nos princípios do socialismo científico. Aí está um sistema capitalista completamente exaurido, enfrentando sucessivas crises do ponto de vista econômico e financeiro, porém, politicamente hegemônico, pois é patente a ausência de um movimento socialista de caráter anticapitalista capaz de representar uma ameaça de transformação revolucionária.
Para tornar mais grave o nosso estado de indigência, floresce o “marxismo legal”, amparado nos umbrais das academias, a produzir subjetividades e especulações, quando não a cometer desatinos, imputando como sendo um socialismo real aquilo que nunca chegou a ser socialismo. Devemos ter a coragem política e intelectual de enxergar nesses senhores a desinformação, a má fé e, em muitos casos, o puro charlatanismo, que prospera em função do medo de muitos e do preconceito de tantos que julgam serem as academias templos do saber, não atentando que isso é uma meia verdade e uma absoluta mentira se pretendermos que no antro acadêmico possa brotar a ressurreição do socialismo científico, cruelmente atropelado pelo dogmatismo do stalinismo-trotskismo, do qual urge que nos libertemos.
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Gilvan Rocha é presidente do Centro de Atividades e Estudos Políticos – CAEP.
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