Correio da Cidadania

‘População não deve esperar que regulamentação das comunicações resulte de iniciativa do Executivo’

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Na segunda parte da entrevista com Samuel Possebom, jornalista e editor da revista Teletime, o Correio da Cidadania discute questões voltadas à radiodifusão brasileira, tema que suscita paixões políticas à esquerda e à direita, especialmente no que tange as discussões a respeito da criação de um inédito marco regulatório da comunicação social.

 

Antes de tudo, Samuel refuta a principal crítica dos meios de comunicação dominantes, que associam tal iniciativa à censura. “Trata-se esta de uma discussão falaciosa, uma cortina de fumaça para que não se coloque o outro debate, mais profundo: a regulação do mercado. Regulação do ponto de vista concorrencial, para evitar a concentração, corrigindo as distorções”.

 

No entanto, de acordo com suas colocações, tais setores podem ficar tranqüilos, ao menos em relação a qualquer atitude por parte do governo que tanto atacam. “Se alguém deve ser cobrado é a Dilma Rousseff, que, desde as primeiras semanas no governo, não considerou o assunto prioritário e relevante”, explica, retirando a carga das costas do ministro Paulo Bernardo, o novo alvo dos setores ditos progressistas do ramo.

 

Porém, numa época de alta convergência digital e mudança constante nos padrões tecnológicos, um novo ordenamento jurídico para o setor seria interessante a todos os lados, dado que as bilionárias teles se avizinham como vorazes concorrentes. “As empresas de mídia tradicionais reconhecem a necessidade de um debate sobre o que vou chamar de ‘caos regulatório’ no setor de radiodifusão. Porque é o que é: um ‘caos regulatório’”.

 

Por fim, mas não menos importante, Samuel sugere aos que pretendem ver um novo e democratizado cenário das comunicações que não esperem nada do Executivo. Assim, faz coro à iniciativa de diversas entidades do setor, que preparam campanha pela coleta de 1,3 milhão de assinaturas a fim de lançarem Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela regulação social e democratização da mídia.

 

A parte final da entrevista com Samuel Possebom pode ser conferida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Um novo marco regulatório das comunicações é outro dos temas afeitos à área de comunicação, fruto de intensa polêmica nas últimas semanas. Tem sido observado o desdém do atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, para com o projeto elaborado por Franklin Martins no governo Lula. O que tem a relatar sobre isto?

 

Samuel Possebom: Eu acho que o ministro Paulo Bernardo pode ser acusado de uma série de coisas, mas não dessa. O marco regulatório da mídia não andou por uma decisão única e exclusiva da presidente da República. Se alguém deve ser cobrado é a Dilma Rousseff, que, desde as primeiras semanas no governo, não considerou o assunto prioritário e relevante. Preferiu conduzir suas políticas na área de telecomunicações em favor da construção de infraestrutura, de políticas de desoneração da banda larga, enfim, deu outro rumo às suas políticas na área da comunicação, não estabelecendo o marco regulatório da mídia como prioridade.

 

Assim como não tinha feito o presidente Lula. Durante seus oito anos de governo, só nos últimos meses permitiu que o ministro Franklin tivesse a iniciativa de propor um anteprojeto que fosse deixado como contribuição ao governo seguinte. Da mesma maneira que o governo FHC. Pra não ser injusto, essa discussão começou em 1997, já que, nos primeiros anos de FHC, não havia pressão e debate. FHC também não fez nada no sentido de promover um marco regulatório da mídia. E todas as iniciativas tomadas se devem ao esforço individual de um ou outro servidor público, que elaboraram minutas e projetos, nunca encaminhados ao Congresso.

 

Portanto, se alguém deve ser cobrado pela falta de um marco regulatório da mídia são os presidentes da República, desde 1997 postergando a discussão, por não a considerarem relevante.

 

E há outro fato para o qual vale a pena chamar atenção: na década de 90, o PT tinha a questão como bandeira clara e explícita em seus programas de governo. Aparecia com grande destaque no programa eleitoral de 94, tendo sido desidratado em 98. Na eleição de Lula em 2002, o programa de governo praticamente não falava do tema marco regulatório das comunicações. Muito menos em 2006, quando desapareceu o assunto. Já no programa da presidente Dilma, o assunto não foi colocado pela coalizão comandada pelo PT. O ministro Paulo Bernardo pode ser, portanto, como disse, responsabilizado por uma série de coisas, mas acredito que essa cobrança deve ser feita aos presidentes da República que preferiram não priorizar o tema.

 

Correio da Cidadania: Consta que o governo Dilma não aprecia a ideia de criação de uma Agência Nacional de Comunicação, a qual consideraria ‘antiquada’. Acredita que seria necessária a criação de tal agência, no âmbito de um novo marco regulatório, a exemplo de tantos outros países?

 

Samuel Possebom: Acho que sim. Outros países bastante desenvolvidos nessa questão – EUA, Inglaterra, Portugal, França – já passaram por esse debate em algum momento, a respeito do ambiente regulatório convergente, de regulação da comunicação social e das telecomunicações, estabelecendo órgãos reguladores únicos, ou que atuam de forma bastante integrada pra regular o mercado. No Brasil, esse processo não aconteceu ainda. O órgão responsável pela regulação da radiodifusão é o Ministério das Comunicações (MiniCom), que é fundamentalmente político. Portanto, pra não contaminar a regulação da radiodifusão com seu trabalho de regulador, o MiniCom trabalha na área praticamente como um cartório.

 

Seria, sim, importante um debate sobre a questão do órgão regulador. O Brasil criou por vias tortas um modelo diferente, em que há dois órgãos reguladores: a Anatel, responsável pelas telecomunicações e infraestruturas; e a Ancine, que, apesar de ser chamada de Agência Nacional de Cinema, é efetivamente uma agência responsável pelos conteúdos audiovisuais. De modo que há regulação para esses dois aspectos, mas a radiodifusão não é regulada por um órgão específico, e sim pelo MiniCom e uma série de leis – uma série mesmo, dezenas, bem anacrônicas e confusas, da década de 60. Mesmo as empresas de mídia tradicionais reconhecem a necessidade de um debate sobre o que vou chamar de ‘caos regulatório’ no setor de radiodifusão. Porque é o que é: um ‘caos regulatório’.

 

Toda essa questão não se confunde com liberdade de expressão, com direitos garantidos pela Constituição. Em nenhum momento, em todas as discussões do tema, desde FHC (e li todos os projetos desde então), nunca se colocou algo que pudesse ameaçar minimamente tais garantias de liberdade de expressão e dos direitos constitucionais. Trata-se esta de uma discussão falaciosa, uma cortina de fumaça para que não se coloque o outro debate, mais profundo: a regulação do mercado. Regulação do ponto de vista concorrencial, para evitar a concentração, corrigindo as distorções do mercado.

 

De modo que o debate sobre a liberdade de expressão é anacrônico por aqui. E não vejo, nem no governo FHC, nem nos governos Lula ou Dilma, iniciativa alguma que pudesse soar como ameaça à liberdade de expressão no país. Esta é uma grande bobagem que se diz, coisa de quem não leu nenhum dos projetos de lei, só ouviu falar. Quem leu sabe que não existe nada ameaçador.

 

Correio da Cidadania: Em meio a esse ‘caos regulatório’ nas comunicações, a nossa Lei de Radiofusão data, por exemplo, dos anos 60. Não consegue mais dar conta, portanto, de regular a proliferação da propriedade cruzada e, consequentemente, uma forte concentração no setor em uma época que se depara com padrão tecnológico totalmente distinto. O que pensa de situação tão surreal?

 

Samuel Possebom: É exatamente o ponto a se destacar. Existe esse ‘caos regulatório’, especialmente na área de radiodifusão. Um cenário pouco claro, com regras confusas, e um mercado que carece de sua atualização regulatória, maior agilidade, até pra sua sobrevivência. A radiodifusão é importante para as comunicações do país. E para sobreviver num mundo convergente, num mundo em que o trânsito de informações pela internet é cada vez mais constante e os serviços de banda larga substituem cada vez mais as formas tradicionais de comunicação social, é fundamental que haja esse debate.

 

Houve a oportunidade quando se fez o marco da TV digital brasileira, em 2006, mas não aconteceu nada, preferindo-se apenas uma regulação técnica e superficial sobre a TV digital. Tanto que agora há uma série de questões que precisam ser resolvidas, por não terem sido equacionadas lá atrás, como, por exemplo, a locação de espectro para os novos canais, o desenvolvimento do mercado de radiodifusão na perspectiva do cenário totalmente digital, enfim, vários pontos. Tais debates poderiam ter acontecido lá atrás, em 2006, mas não ocorreram.

 

Poderiam ter acontecido no âmbito de debates maiores sobre a lei de comunicação, que também nunca aconteceu e nunca foi para o Congresso. E poderia ter acontecido até por outra iniciativa – e acho que aqui está uma crítica inclusive aos movimentos sociais, aos parlamentares e aos partidos. Se existe interesse em debater marco regulatório, não é necessário que tal se dê a partir do Executivo. Esta é uma discussão que pode sair do próprio Legislativo, de projetos de iniciativa popular, partidária ou parlamentar, como, aliás, se fez nas grandes discussões de comunicações sociais desenvolvidas até hoje. Tanto a Lei do Cabo como a Lei da TV por Assinatura foram iniciativas do próprio Congresso, sem nenhuma interferência do Executivo na discussão.

 

Portanto, se existe espaço para o debate, e acho que existe, não há necessidade de se esperar o poder Executivo tomar iniciativa. Isso pode ser feito por iniciativa popular, partidária ou parlamentar.

 

Correio da Cidadania: Parece que os maiores grupos de comunicação voltaram a ser amplamente beneficiados com verbas publicitárias. Tem sido evidenciada, a seu ver, uma fraca disposição do governo Dilma para mudar os critérios de distribuição destas verbas?

 

Samuel Possebom: Eu não tenho detalhes exatos sobre como foi a mudança na locação de verbas, mas, pelas notícias que acompanhamos, existia uma regra, que vinha sendo seguida e que, de alguma maneira, dava espaço pra veículos alternativos, fora dos grandes centros, fazendo uma distribuição dos recursos publicitários tendo em vista a realidade das comunicações em determinadas localidades e regiões. E hoje existe movimento contrário, que volta a concentrar as verbas públicas de comunicação nos grandes grupos do país.

 

É uma forma de fazer política. A sinalização do governo é evidente, ele não quer comprar briga com os órgãos de comunicação tradicionais. É uma sinalização clara de que também não está interessado em fomentar o mercado de comunicação fora dos grandes centros ou nos meios de comunicação alternativos. É ruim que seja assim, afinal, se verba publicitária do governo é instrumento de política de fomento às comunicações – é ruim que seja, mas a verdade é que é –, deveria ser usada de maneira sábia, de forma a corrigir distorções do mercado.

 

Creio que, se existe alguma acusação de que o governo privilegia veículos mais governistas, o debate deveria passar por uma abdicação geral de verbas públicas por parte de todos os veículos de comunicação brasileiros. Aqueles que se dizem contra esse tipo de financiamento devem abdicar dele. E mesmo os veículos independentes, de esquerda, defensores de que o governo não deveria usar esse mecanismo político, deveriam abdicar das verbas públicas.

 

Claro que sabemos ser tal opção muito difícil, porque o mercado de comunicação é insustentável do ponto de vista econômico. A publicidade não paga mais o custo da boa produção jornalística. É uma realidade, não só do Brasil, mas do mundo. De todo modo, recursos públicos, de governo, seriam importantes  desde que não fossem direcionados e condicionados a uma cobertura A ou B.

 

Correio da Cidadania: Enxerga diferenças neste quesito entre os governos Dilma e Lula, à luz de algumas evidências de que, neste último, teria havido de fato uma maior regionalização e desconcentração na distribuição de verbas publicitárias?

 

Samuel Possebom: O governo Lula usou a distribuição de verbas publicitárias como instrumento de política. Isso era evidente. O ministro Franklin Martins não escondia em nenhum momento que tinha essa posição. Achava que era uma forma de fomentar a comunicação local, regional, o que era muito importante para as suas comunidades, que não necessariamente eram contempladas.

 

O governo Dilma não dá muita bola pra isso, assim como não dá bola para a TV pública e a questão da lei de comunicação. A presidente Dilma não trata o assunto comunicação social como um assunto a ser discutido, não acha que tenha alguma distorção que mereça atenção especial de seu governo. Não delega pra ninguém a discussão, porque, evidentemente, não a considera importante. E não deu continuidade à política estabelecida pelo governo anterior, talvez porque, como já destacado, não queira comprar briga e se indispor com os grandes grupos de comunicação nacionais.

 

Curiosamente, ela é bastante criticada, diariamente, por todos esses órgãos. Tudo bem que ela seja criticada, a imprensa está aí pra isso mesmo. Mas ela não pode ser acusada de não ajudar na sobrevivência desses mesmos órgãos de comunicação.

 

Leia a primeira parte da entrevista

‘Sem voz ativa, Brasil é colônia dos grandes conglomerados internacionais das telecomunicações’

 

Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

Comentários   

0 #1 Canalhocracia e Canalhocratasvanderlei 27-04-2013 10:23
Este Governo nunca se importou pelos direitos individuais dos brasileiros.

Defendem direitos de americanos e estrangeiros, mas de brasileiros sem dinheiro, nunca. Nem o PT ou outro Partido, Canalhocracia, Canalhocratas.

Existe família sendo desafiadas pelo abuso de poder dos meios de comunicação faz mais de 21 anos.
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